"Cigarro é ruim, mas nicotina pode ser boa para o cérebro", assinala título do portal UOL, em 2016. "Adesivos de nicotina podem turbinar o cérebro", afirma a CBN Brasília. Já a Universidade Federal da Paraíba alega que "nicotina pura pode melhorar atenção e memória" em seu website.
"Como assim?", você pode se perguntar, pasmo.
Cientistas e estudiosos de fato acreditam que a nicotina - quando obtida em outras fontes que não tabaco e cigarro, como nas gomas e adesivos - pode proteger os neurônios e melhorar o desempenho mental.
No periódico Psychopharmacology, pesquisadores analisaram 41 estudos em não-fumantes ou fumantes sem abstinência e concluíram que:
"Efeitos significativos da nicotina nas habilidades motoras, atenção e memória provavelmente representam uma melhora verdadeira da performance".
Segundo a Escola Médica de Harvard, a nicotina "pode ter um lado bom", citando pesquisas em andamento sobre a eficácia terapêutica da substância na doença de Parkinson, Alzheimer e no Transtorno de Déficit de Atenção.
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Cigarros têm uma péssima reputação - merecidamente. Mas nicotina não é igual a cigarro. O doutor John Hughes, professor de Psiquiatria na Universidade de Vermont e porta-voz da Sociedade para Pesquisas sobre Nicotina e Tabaco, afirma que:
"Os principais danos do tabagismo não são causados pela nicotina. O câncer e a doença cardíaca associadas ao fumo derivam de carcinógenos e o monóxido de carbono nos cigarros".
A mesma posição é defendida pelo médico do esporte João Vitor Nassaralla, que entrevistei para elaborar esse artigo.
Gomas de nicotina causam dependência?
Outras substâncias presentes no tabaco podem aumentar o potencial de dependência. O doutor João Vitor relembra que aspectos sociais envolvidos no fumo podem contribuir para o vício e que, isoladamente, o potencial de dependência da nicotina é baixo.
O doutor Hughes diz: "eu encontrei pessoas que usam a goma por 15 anos. E a principal queixa delas é o custo da goma".
Porém, uma pesquisa publicada no BMC Public Health liga um alarme: "o vício em gomas de nicotina em pessoas que nunca fumam é provavelmente extremamente raro, mas este estudo sugere que ele pode ocorrer".
O estudo ainda lembra que os efeitos em longo-prazo das gomas de nicotina são desconhecidos, embora "esse produto seja significativamente menos nocivo que o tabaco".
Com isso, o ideal é que se use essa substância apenas sob supervisão e orientação médica - aspectos individuais devem ser considerados. O doutor João Vitor Nassaralla lembra que a saúde em geral é um importante fator a ser levado em conta antes de se buscar uma substância exógena, como a nicotina, para melhorar as funções mentais.
Nicotina como um nootrópico? Entrevista com João Vitor Nassaralla
Médico João Vitor |
O médico do esporte João Vitor Nassaralla é adepto do uso das gomas de nicotina - não para parar de fumar, mas para melhorar sua concentração. Ele considera a substância um nootrópico. Nassaralla compara a nicotina à cafeína - outro alcaloide, estimulante e usada para aumentar o foco e energia. Mas a cafeína tem uma popularidade e aceitação social maior.
"Eu considero que a nicotina tem efeitos melhores do que a cafeína quando seu objetivo é foco e concentração para executar alguma tarefa criativa ou estudar", diz Nassaralla em publicação no Instagram. "Eu adoro o ato de preparar e tomar café, mas prefiro usar a nicotina quando o trabalho vai me exigir mais foco e concentração".
Tive o prazer de entrevistar o doutor João Vitor Nassaralla, que atenciosamente relatou a sua experiência com a nicotina e os efeitos que observa em seu desempenho cognitivo ao utilizá-la. Ele também descreve em detalhes os possíveis riscos dessa substância.
1. Por que você considera a nicotina um nootrópico? Existem evidências científicas de que ela melhore o desempenho cognitivo?
A nicotina é um excelente nootrópico, por causa de seus efeitos benéficos para o foco, concentração, memória e criatividade. Ela age como agonista de receptores colinérgicos e também está envolvida com a liberação de dopamina.
Inclusive, uma família de receptores colinérgicos que nosso corpo tem é justamente a de receptores nicotínicos. Ela pode ser usada por pessoas saudáveis que querem mais foco, mas também é usada como adjuvante em doenças como Alzheimer ou TDAH.
2. Você contou, num post no Instagram, que costuma usar a nicotina em trabalhos que exigem "foco e concentração", ou quando tem "alguma tarefa criativa". Qual a forma que usa (doses, frequência)? E, por último, pode compartilhar mais sobre os efeitos no humor e cognição que você nota ao usar essa substância?
A nicotina não é uma substância tóxica, apesar de estar associada ao cigarro. Eu uso a nicotina na forma de chiclete, o Nicorette (mas há outros). São chicletes usados por quem quer parar de fumar mas tem dificuldade devido ao vício em nicotina. A nicotina, assim como a cafeína, causa dependência, por isso o uso como nootrópico deve ser moderado.
Eu divido uma pastilha de Nicorette (4 mg) em quatro partes, e uso uma ou duas partes de cada vez (1 - 2 mg). Vale a pena lembrar que você sempre deve começar com 1 mg, e você deve mastigar o chiclete bem lentamente, ao longo de 30min. Eu mastigo o chiclete até sentir o gosto da nicotina, então paro de mastigar e coloco ele no canto da boca por alguns minutos.
Se você usar uma pastilha inteira (4 mg) ou mastigar muito rápido, a nicotina vai ser absorvida em maiores quantidades e você pode ter uma reação colinérgica, que envolve mal estar, sudorese, vômito, taquicardia.
Claro que fumantes não terão estes efeitos, por já estarem acostumados a doses altas.
Há a nicotina em forma de adesivos - porém, nesse caso, há menor controle sobre a sua liberação no corpo. É mais indicada para pessoas que desejam parar de fumar.
3. Como a nicotina se compara à cafeína, que é bem mais utilizada para sessões de estudo ou trabalho? Quais as vantagens (ou desvantagens) que a nicotina tem sobre a cafeína?
Ela tem algumas vantagens sobre a cafeína. Primeiro, que ela melhora alguns aspectos focais, como a capacidade de concatenar ideias. Por isso, ela ajuda bastante na agilidade para escrever ou falar com desenvoltura. Além disso, ela tem um efeito menos súbito, diferente do café, que pode causar agitação.
4. É muito difícil não associar a nicotina ao cigarro. Pode explicar por que os dois são diferentes? Usar nicotina tem os mesmos malefícios do que fumar?
Nicorette, marca de nicotina em gomas. Foto: Arquivo pessoal - João Vitor |
A nicotina não é tóxica, ela é apenas a substância que causa a dependência química do cigarro, assim como a cafeína também pode causar dependência. Mas ela não faz mal para nossa saúde. As doenças e malefícios do cigarro vêm das outras centenas de substâncias tóxicas que ele contém.
Eu utilizo nicotina em doses baixas cerca de 2-3 x por semana, e às vezes passo semanas sem usar e não sinto falta. O potencial de dependência da nicotina isoladamente é baixo. No cigarro ela é mais viciante, pois há aspectos sociais e psicológicos envolvidos.
A nicotina só não é indicada para quem tem algum tipo de câncer, já que ela pode favorecer o crescimento tumoral. Mas isso também é válido para outras substâncias que usamos diariamente, como açúcar ou glutamina: ambas alimentam tumores.
5. Dito isso, quais os problemas que o uso de nicotina isolada, em gomas ou adesivos, pode causar em seu usuário?
O problema que pode causar é a dependência e a síndrome colinérgica que citei acima, mas ambos problemas são facilmente evitáveis se a dose for bem controlada.
6. Tem dicas para quem deseja melhorar o seu desempenho cognitivo?
O desempenho cognitivo é, antes de tudo, consequência da sua saúde geral. Não adianta usar uma substância ou outra para melhorar a capacidade cerebral se você come mal, dorme mal, se está inflamado, se tem um intestino desregulado... Tudo isso deve ser levado em conta antes de buscar uma substância exógena. Seria como colocar gasolina de avião em um carro que está sem manutenção: não vai adiantar.
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