quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Os riscos da Ritalina em um cérebro saudável

Aumenta o uso de Ritalina (metilfenidato) para turbinar o rendimento intelectual. Será que o estimulante funciona?

Pesquisas têm apontado um aumento no uso de Ritalina - medicamento estimulante, à base de metilfenidato - no Brasil. Não é que haja uma epidemia de Transtorno de Déficit de Atenção, que é a indicação oficial deste medicamento. A droga tem sido "cada vez mais usada por indivíduos saudáveis tentando melhorar seu funcionamento cognitivo, emocional e motivacional", afirmam pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo, num estudo que publicaram sobre a Ritalina.

"Estudantes usam medicamentos estimulantes para melhorar o desempenho acadêmico, especificamente para aumento da concentração e organização, e para permanecer acordado por mais tempo para estudar", afirmam.

Diante desse cenários, esses cientistas buscaram responder a seguinte pergunta: a Ritalina sequer funciona, em primeiro lugar, para melhorar o desempenho cognitivo de pessoas saudáveis, de forma confiável?

Substância não aumenta foco e pode induzir excesso de confiança, mostra pesquisa

Você já passou pela desagradável situação de fazer uma prova e achar que "arrasou" na avaliação mas, ao receber sua nota, cair do cavalo? Então, sabe do que se trata o excesso de confiança - quando super dimensionamos nossas próprias capacidades e desempenho. Os pesquisadores apontam que a Ritalina (metilfenidato) poderia causar esse efeito.

O estudo brasileiro investigou se doses de 10, 20 ou 40 mg de Ritalina melhoram o desempenho de pessoas saudáveis em testes cognitivos. Quem usou Ritalina teve a mesma performance de quem usou placebo - incluindo em tarefas que exigiam atenção. A Ritalina também não aprimorou a memória e funções executivas.

"Os resultados estão compatíveis com achados científicos recentes, mostrando que a melhora de performance é comumente observada apenas quando os processos cognitivos estão abaixo dos níveis ótimos, o que não foi o caso dos voluntários avaliados no presente estudo", dizem os autores.

Mas havia uma única diferença: quem usou Ritalina teve maior sensação de bem-estar do que quem recebeu um placebo. Para os autores, os sentimentos de estímulo e energia conferidos pela substância promoveriam uma falsa impressão de uma mente turbinada e com mais atenção e agilidade - o que não se traduziu na realidade, ao avaliarmos testes técnicos.

Os pesquisadores também creem que a Ritalina melhoraria a motivação, ânimo ou interesse para executar tarefas acadêmicas. Eles citam outro estudo, em que voluntários saudáveis receberam metilfenidato e tiveram que, em seguida, executar uma tarefa de matemática. Em seguida, tiveram que avaliar seu nível de interesse nos testes matemáticos.

As avaliações “interessante”, “excitante” e “motivante” foram melhores após a administração de metilfenidato (Ritalina) quando comparado ao placebo, acompanhado de um aumento de dopamina.  Porém, no estudo brasileiro, esses efeitos psicológicos não se traduziram em desempenho cognitivo superior.

Os autores do estudo brasileiro concluíram que:

"Os riscos em potencial [de usar a Ritalina] não são justificáveis, considerando que nenhuma melhora foi observada em nenhuma das funções cognitivas avaliadas".

Há outros pesquisadores que apontam até para uma chance de piora do desempenho mental em algumas áreas. 

E quais os riscos da Ritalina?

Uma dupla de cientistas - da Universidade de Delaware e da Faculdade de Medicina da Universidade de Drexel - publicou um artigo de revisão sobre os riscos do uso de psicoestimulantes, como a Ritalina (metilfenidato) por pessoas saudáveis.

Pesquisa publicada na Frontiers in Systems Neuroscience teoriza sobre os efeitos de estimulantes no cérebro

Eles examinaram os "custos neuronais" que são impostos pelo medicamento - em especial enquanto o cérebro ainda está se desenvolvendo, o que pode acontecer até o fim da segunda década de vida. Eles dizem que os efeitos num cérebro jovem são "potencialmente assustadores".

Os pesquisadores partiram da seguinte premissa:

"O melhoramento cognitivo é talvez um dos tópicos mais intrigantes e controversos na Neurociência hoje (...). Contudo, a literatura sobre a segurança de consumir essas drogas na juventude é duramente escassa, apesar do aumento significativo no uso indevido e abuso de estimulantes na adolescência".

Vamos ver como usar a Ritalina para ficar mais focado e atento pode render os efeitos opostos ao desejado - e até prejudicar o cérebro no meio do caminho. 

Como  uma droga para melhorar a atenção... pode prejudicar a atenção


Drogas como anfetaminas e metilfenidato atuam, grosso modo, aumentando os níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro. Ao longo do trabalho, os cientistas argumentam que é justamente aí que estão os "perigos" de utilizar a Ritalina (metilfenidato).

Por que?

A dopamina e a noradrenalina devem estar em níveis ideais - nem muito baixos, nem muito altos - para você focar nas tarefas. Em níveis ótimos, a dopamina se liga a receptores do tipo D1; enquanto a noradrenalina liga-se preferencialmente a receptores do tipo α2. O que todo esse neurologuês significa? 

Quando estão em níveis saudáveis - e ativam somente esses receptores - a dopamina e noradrenalina "melhoram o fluxo de informações e fortalecem a comunicação neuronal". Pessoas com TDAH poderiam se beneficiar da Ritalina, porque teriam níveis abaixo dos ideais de dopamina.

Mas mais não é melhor - pelo contrário. As vias que regulam a concentração e execução de tarefas entram em parafuso quando há dopamina e noradrenalina em excesso. Os autores dizem:

"Quando os níveis de dopamina e noradrenalina aumentam além dos níveis ótimos, eles começam a ativar a classe de receptores D2 de dopamina e os receptores noradrenérgicos α1 e β, o que leva à (...) ativação de neurônios que podem não estar envolvidos na tarefa [que você está tentando executar]".

 

Adaptado do artigo de revisão publicado na Frontiers in Systems Neuroscience

O que isso tudo significa? Imagine só: você está fazendo uma prova, mas está com mil pensamentos cruzando a cabeça. Está respondendo uma questão, mas já antecipando o tema da próxima, enquanto está consciente demais sobre o barulho do ventilador e inquieto porque está ansioso para ir embora logo... 

Estimular neurônios demais ao mesmo tempo, como ocorre em estados de excessiva dopamina ou noradrenalina, "prejudica a seletividade da atenção", afirmam os cientistas.

Estados hiperdopaminérgicos ou hipernoradrenérgicos também podem causar "hiperatividade locomotora, aumento da distração e pouco controle de impulsos", segundo os pesquisadores.

Droga poderia prejudicar o desenvolvimento do cérebro

Os pesquisadores alertam que, em teoria, manipular os níveis desses neurotransmissores poderia prejudicar o desenvolvimento do córtex pré-frontal - uma região do cérebro importante para o julgamento, emoções, pensamento lógico e tomada de decisões. Segundo os cientistas, o córtex pré-frontal continua a amadurecer até o fim da segunda década de vida.

"Introduzir uma substância que altera os níveis de dopamina e noradrenalina, como o metilfenidato, pode prejudicar a maturação do córtex pré-frontal e ter consequências permanentes no comportamento", dizem.

Potencial neurotóxico deve ser levado em conta

Os autores também alertam que "diferenças moleculares ou celulares que não podem ser detectadas em humanos com  nossa tecnologia atual" podem existir entre pessoas saudáveis e pessoas com TDAH ao usar Ritalina. 

Estudos em animais sugerem que a droga poderia ser neurotóxica, prejudicando o cérebro. Esses resultados não podem ser extrapolados com confiança para humanos - mas reforçam o alerta para o potencial nocivo da droga.

Como já disse, a Ritalina funciona aumentando os níveis de dopamina em algumas regiões do cérebro. Dopamina demais pode aumentar a oxidação no cérebro. "A dopamina em excesso pode ser auto-oxidada para uma quinona, que pode levar ao estresse oxidativo", apontam pesquisadores norte-americanos num estudo publicado no Pharmacological Report, em 2019.

Em camundongos, os cientistas notaram que, quanto maiores as doses de metilfenidato (Ritalina), maior a formação de quinona, substância oxidante. Ao mesmo tempo, a droga levou à uma depleção dos níveis de glutationa - uma das nossas enzimas antioxidantes mais importantes.

Descubra mais: como melhorar o desempenho do seu cérebro

Confira aqui a segunda edição do meu livro, "Turbine Seu Cérebro". Nele, você descobrirá: 

  • Tudo sobre nootrópicos - substâncias que prometem aumentar a capacidade de concentração, melhorar a memória, humor e raciocínio. Eu coletei relatos de uso e também pesquisei o veredito da ciência sobre a eficácia e segurança de dezenas desses compostos.
  • Estratégias de estilo de vida, como a melhora da qualidade de sono, para melhorar seu desempenho mental.
  • Como os alimentos podem impactar a sua performance cognitiva e seu humor.
  • Tudo isso numa linguagem agradável e acessível e em uma obra impecavelmente ilustrada.

Clique aqui para saber mais!


Nenhum comentário:

Postar um comentário