quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Como os exercícios físicos melhoram o humor e o intelecto: uma entrevista com Lucas Monteiro de Carvalho, Mestrando em Ciências Fisiológicas

Uma epidemia silenciosa e crônica avança pelo Brasil. O IBGE divulgou hoje (21) que 1 em cada 4 brasileiros adultos estavam obesos em 2019. Isso corresponde a 41,2 milhões de brasileiros com a doença. Já aqueles com excesso de peso somaram 96 milhões de pessoas – por acaso, você está entre eles?

Seria chover no molhado lembrar que a obesidade pode causar problemas como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, apneia do sono e até alguns tipos de câncer. Mas uma novidade tem se destacado nesse rol de complicações: doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. "A obesidade na meia-idade pode ser considerada um fator de risco para desenvolver doença de Alzheimer na terceira idade", concluiu uma pesquisa publicada em 2019 na Frontiers in Neuroscience.

Diante disso, o educador físico Lucas Monteiro de Carvalho lembra que "apesar de a obesidade favorecer o Alzheimer, o exercício físico parece reduzir as chances do seu surgimento", em publicação em seu perfil no Instagram.

Monteiro é formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e atualmente está realizando um Mestrado em Ciências Fisiológicas também pela UFRRJ. Ele também é membro associado da Sociedade Brasileira de Fisiologia e do Laboratório de Fisiologia e Desempenho Humano, onde desenvolveu projetos com foco na fisiologia aplicada a atividade física

Inúmeras pesquisas fazem coro a Monteiro: manter-se fisicamente ativo pode preservar o cérebro ao longo da vida. E também "dar músculos" às funções cognitivas, mantendo a mente afiada. Em 2019, pesquisadores publicaram na Medicine & Science & Sports & Exercise que a atividade física é associada com risco reduzido de Alzheimer e também ganhos em "velocidade de processamento, memória e funções executivas [que envolvem, por exemplo, tomada de decisões, planejamento e concentração]".

Entrevistei Lucas Monteiro para descobrir mais detalhes sobre essa interessante relação entre exercícios físicos e o cérebro. Em nossa conversa, ele destrincha quais os efeitos fisiológicos da prática de exercícios físicos e explica os benefícios que esse hábito pode produzir. Ele também conta como podemos obter tais benefícios.

1. O que lhe motivou a buscar a Graduação de Educação Física e, atualmente, o Mestrado em Ciências Fisiológicas? Como essas áreas despertam seu interesse? 

Desde muito cedo eu sofri com o sobrepeso, chegando à obesidade no auge da adolescência. Ao atingir o peso de 95 kg com 15 anos de idade, me vi numa encruzilhada onde a mudança no estilo de vida seria inevitável. 

Ao buscar a prática de exercícios físicos me apaixonei pelo processo de emagrecimento, pelo processo de mudança de vida, pelo processo de melhora da saúde. Portanto, por consequência dos meus próprios hábitos e da mudança deles, eu me apaixonei pela educação física e em como ela impacta a saúde. 

Já a Ciências Fisiológicas foi me apresentada no terceiro período da graduação. Tive contato com a Fisiologia do Exercício. Foi amor à primeira vista, ou à primeira leitura. Me apaixonei em como a fisiologia explica quase todas as dinâmicas do corpo humano, como entender os aspectos fisiológicos podem ajudar a explicar, tratar ou prevenir dezenas de comorbidades.

2. Primeiramente, você poderia esclarecer a diferença entre “atividade física” e “exercício físico”?

A atividade física pode ser definida como todas as atividades diárias que precisem de movimentações corporais. Ou seja, varrer, andar até à padaria, limpar a casa, lavar a louça, etc. São atividades físicas e tem em comum a NÃO sistematização. 

Já o exercício físico apresenta como principal característica, a sistematização. Dentro da prática de exercícios físicos, temos um planejamento, uma organização com início, meio e fim, um controle de variáveis fisiológicas, biomecânicas e outras.

3. Você poderia descrever quais os benefícios dos exercícios físicos à saúde mental – tanto para as funções cognitivas quanto o humor?

O exercício físico, quando realizado de forma regular, pode oferecer uma série de adaptações no sistema nervoso central. Dentre elas, posso destacar o aumento na expressão de neurotrofinas responsáveis pela preservação da atividade neuronal, das sinapses neuronais, etc. 

Além disso, o exercício pode ainda levar a adaptações nos neurônios dopaminérgicos. Uma modulação sobre esse último sistema pode estar diretamente ligado ao efeito "recompensa" nas regiões límbicas/afetivas do cérebro. 

Os exercícios regulares trazem ainda benefícios sobre o sistema serotoninérgico, com melhora nos níveis de serotonina e por isso sendo a melhor terapia NÃO-farmacológica para o tratamento dos distúrbios de humor.

4. Em uma publicação recente, você apontou o exercício físico como um fator protetor contra o Alzheimer – “(...) reduzir as chances de desenvolver o Alzheimer é uma boa justificativa para se exercitar”. Quais evidências científicas sustentam essa afirmação? 

Recentemente, o grupo do professor Febbraio publicou um artigo na revista Cell Metabolism, mostrando que o exercício físico pode secretar inúmeras vesículas extracelulares que carregam um conteúdo genético com um grande potencial em reverter ou prevenir o acometimento por doenças neurodegenerativas.

Em 2019, um grupo de pesquisadores da UFRJ participou da publicação de um artigo na revista "Nature", onde mostram que a irisina, hormônio secretado pelo músculo em exercício e um dos meu alvos de estudo, participam da manutenção das sinapses neuronais e podem até preservar essas sinapses em indivíduos com Alzheimer. 

Logo, a literatura científica sugere que o exercício atua na neuroproteção, prevenindo o surgimento de doenças como Alzheimer, Parkinson e outras. 

5. Por quais mecanismos o exercício físico produz esses benefícios ao cérebro?


Os mecanismos são variados. Vou me ater aos meus alvos de estudo. O músculo esquelético é um órgão secretor de fatores com atividade endócrina. Dentre eles, destacamos o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e a Irisina. 

Esses hormônios vão atuar diretamente e indiretamente sobre o sistema nervoso central. Podemos destacar aqui, o efeito da irisina sobre o metabolismo e na melhora da sensibilidade insulínica. Esse efeito da irisina pode prevenir danos neurais por consequências da resistência à insulina por exemplo.  

Além disso, a irisina participa, através da via de sinalização NOTCH, da redução de danos cerebrais após uma lesão isquêmica (AVC). Essa atuação da irisina pode ainda ser traduzida em uma redução nas chances de ser acometido por um AVC. Afinal, a irisina participa também da homeostase do sistema vascular. 

Portanto, tanto o BDNF através da participação da plasticidade neural e da Irisina sobre o metabolismo da glicose, vias de sinalização e homeostase vascular vão gerar benefícios para o indivíduo que se exercite regularmente.

6. Por quanto tempo deveríamos nos exercitar para obter esses benefícios? Exercícios de qualquer tipo são benéficos – ou alguma modalidade mostrou-se mais vantajosa? 

De acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Colégio Americano de Medicina do Esporte, é altamente recomendado que você totalize 300 minutos de exercícios moderados a vigorosos semanalmente. Caso 300 minutos semanais não seja possível, de acordo com essas mesmas recomendações, o minímo para obtenção desses benefícios são 75 minutos de exercícios vigorosos ou 150 minutos de exercícios moderados, ambos semanalmente. O melhor exercício é o que você goste de realizar. Qualquer exercício que se realize com prazer vai gerar esses benefícios supracitados.

7. Em sua opinião, é possível integrar mais o profissional de Educação Física nos cuidados de pacientes de saúde mental, por exemplo?

Sim. O exercício é a melhor terapia não-farmacológica para o tratamento dos principais transtornos que afetam a saúde mental. O trabalho multidisciplinar é o mais recomendado para reabilitar, tratar e até mesmo prevenir as doenças que afetam a saúde mental.

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