terça-feira, 7 de novembro de 2023

Ômega 3 (óleo de peixe) faz bem para o cérebro ou é história de pescador?


Você já deve ter visto propagandas de suplementos de ômega 3 prometendo milagres para a saúde do cérebro. Será que a ciência também concorda que esse nutriente pode melhorar o intelecto -- ou suplementar ômega 3 é puro desperdício de dinheiro?

Eu fui buscar as respostas na literatura científica. E nesse artigo, destrincho tudo para você em linguagem fácil. Você vai conferir como o ômega 3 age e também a sua eficácia.


"Como vamos regenerar o cérebro se não temos matéria-prima para isso?"
Antes de navegarmos na ciência, vou te contar uma impressionante anedota - um dos daqueles causos dignos de história de pescador. É a história de como o ômega 3 ajudou a regenerar o cérebro de um jovem com o cérebro destruído

Ocorreu em 2006, nos Estados Unidos, e o jovem se chama Randal McCloy, 26 anos - o único sobrevivente de um desastre. Ele e 12 colegas trabalhavam numa mina de carvão, a 80 metros da superfície, e houve uma explosão. A história ganhou as páginas de jornais no Brasil e no mundo.


Páginas de portais de notícia reportando o incidente da mina

Nessas condições, há falta de oxigênio, vital pro cérebro, e liberação de um gás tóxico para os neurônios: o monóxido de carbono. McCloy foi resgatado 41 horas depois - havia sofrido um ataque cardíaco, seu fígado e rins pararam e teve um traumatismo craniano. Uma vez estabilizado, os médicos estavam pessimistas em reverter os danos neurológicos. 

Mas o doutor Julian Bailes, médico que atendeu o caso, tirou da manga uma arma bem exótica: ômega 3. Alguns estudos em animais apontam que o DHA [ácido docosahexaenoico, um ômega 3] "inibe a morte celular de neurônios" e  que é neuroprotetor. Mas havia pouca experiência com humanos.

Imagens de tomografia mostravam que o minerador havia perdido boa parte da mielina - uma capa de gordura que reveste os neurônios e serve de isolante elétrico para a transmissão de mensagens nervosa. Assim, os neurônios eram como fios desencapados. E, para construir mielina, é preciso de ômega 3. 

O doutor Bailes explica sua ideia: "tentar reconstruir o cérebro com aquilo que ele é feito quando se é um feto". Em uma analogia: "se uma parede de tijolos é danificada, você não irá desejar usar tijolos para consertá-la? Os ômega-3 são literalmente os tijolos das paredes celulares no cérebro", nota.

Faz sentido. Nas aulas de Anatomia da faculdade de Medicina, eu tinha um cérebro em mãos. É feito de gordura - não músculo, nem osso. 20% do peso seco do seu cérebro é de ácidos graxos de como o ômega 3, presente em substâncias gordurosas.

Os médicos de McCloy lhes deram, por tubo, uma dose extraordinariamente alta de 15 gramas de EPA [ácido eicosapentaenoico] e DHA – siglas para duas formas de ômega 3. Para se ter uma noção, as doses comumente suplementadas por pessoas saudáveis são de 1 grama de ômega 3 por dia. 

Nas semanas que se seguiram, McCloy surpreendeu os experts ao sair do coma e recuperar sua memória e capacidades de andar e falar. “Penso que o ômega 3 teve um grande impacto”, comentou o doutor Bailes.

Gangorra inflamatória: como o ômega 3 desinflama o cérebro
Não produzimos ômega 3. Precisamos obter pela alimentação. E o ômega 3 que você ingere vai pro cérebro. Lá, ajuda a formar sinapses, ou seja, conexões entre neurônios. Imagine então os efeitos de uma dieta pobre em ômega 3 num órgão tão delicado como o cérebro. 

Más notícias: se você tem uma dieta ocidental, sua ingestão de ômega 3 é provavelmente insuficiente. E o seu cérebro está inflamado.

Explico: o ômega 3 serena processos inflamatórios. Já o ômega 6 (seis!) - que você provavelmente consome bem mais - é combustível para a inflamação. Ele está presente, por exemplo, nos óleos de canola e de soja, que azeitam as dietas ocidentais. Estima-se que consumimos, hoje, 20 vezes mais ômega 6 (inflamatório) do que ômega 3 (anti-inflamatório).

Nem sempre foi assim: em tempos remotos, o homem consumia proporções parecidas de ômega 3 e ômega 6.

Consequência desse desbalanço? O seu cérebro inflama. E a neuroinflamação crônica é componente comum na gênese de doenças neurodegenerativas e mesmo psiquiátricas.

EPA ou DHA?
Suplementos de ômega 3 geralmente contém EPA e DHA - você consegue conferir a quantidade desses dois nos rótulos. Pesquisadores acreditam que, dos dois, o DHA é o mais poderoso para as funções intelectuais. 
"Os efeitos benéficos do DHA na cognição e no controle da neuroinflamação pode ser devido aos seus produtos metabólicos", descreve a pesquisadora Francine Welty, da Harvard Medical School, em artigo recém-publicado.

É que, após ingerido, o DHA pode ser metabolizado em vários componentes benéficos - entre eles, neuroprotectina 1. Se você suspeitou que a neuroprotectina protege os neurônios, parabéns, você acertou.


Ômega 3 atrasa o envelhecimento cognitivo em 2.5 anos
Quanto maior o consumo de peixe, menor o risco de declínio cognitivo e de doença de Alzheimer. 

É o que defende Welty,  num artigo publicado neste ano, em que ela revisa a conclusão dos estudos epidemiológicos mais recentes. Num deles, concluiu-se que a ingestão de até 2 porções de peixe por semana - ou 250 gramas - foi associado com redução de 10% em doenças demenciais e de 30% no risco de doença de Alzheimer.

Contudo, para confirmar se o ômega 3 de fato promove efeitos protetores no cérebro, são necessários ensaios clínicos

É o que grupo de Welty fez. Estudiosos conduziram uma pesquisa em que acompanharam idosos saudáveis: um subgrupo recebeu suplementação de ômega 3 (com 1.8 g de EPA + 1.5 g de DHA) diariamente por 30 meses; outro subgrupo não

Aqueles que usaram o ômega 3 tiveram pontuações significativamente melhores em testes de fluência verbal, linguagem, memória e coordenação visomotora, tanto 12 meses quanto 30 meses após o começo do uso do suplemento. 
"EPA + DHA atrasaram o envelhecimento cognitivo em 2.5 anos", nota Welty.
Uma revisão sistemática e meta-análise publicada em abril de 2023 também concluiu que "idosos saudáveis com performance cognitiva normal" tiveram "um benefício significativo com o [uso de] ômega 3 na função cognitiva global".

Ômega 3 melhora a atenção e humor de pessoas saudáveis
Guiliano Fontani dá aulas na Faculdade de Medicina na Universidade de Siena (Itália), onde se dedica a investigar como os nutrientes afetam o foco. 
“Descobrimos que, após a ingestão de ômega 3, pode haver uma melhora geral no humor e, acima de tudo, na capacidade de atenção” em "indivíduos absolutamente saudáveis", diz Fontani em uma entrevista.
Em seu estudo, ele administrou cápsulas contendo ao todo 4 g de óleo de peixe - com 1,6 g de EPA e 0,8 g de DHA - para 33 adultos saudáveis. Outros 16 voluntários receberam cápsulas placebo com azeite.

Um mês depois, Fontani observou que houve um equilíbrio entre ômega 3 e ômega 6 no sangue de quem recebeu o óleo de peixe. E mais: nesse grupo, questionários psicológicos mostraram redução da depressão, ansiedade e agressividade, além de aumento da disposição.
"No essencial, pode-se afirmar que os ômega-3 trazem uma melhoria geral do estado de saúde (sempre sentida de forma diferente pelos sujeitos examinados, que classificam as alterações como um genérico “sentir-se bem”)"opina Fontani.
O ômega 3 também melhorou o desempenho dos adultos em testes de atenção e raciocínio complexo. Num dos testes, eles tinham que pressionar uma tecla toda vez que vissem numa tela um quadrado de cor verde ou vermelha. Mas não podiam reagir por impulso diante de outra figura - um quadrado azul; ou um retângulo vermelho, por exemplo.

Quem recebeu ômega 3 por um mês cometeu menos erros. Mas não só isso: esse pessoal também respondia mais rapidamente – ou seja, processavam informações tanto de modo preciso quanto veloz.

O eletroencefalograma também era diferente, com mais ondas cerebrais de bandas teta e alfa de baixa frequência – associadas com memória e cognição. Já as ondas beta, associadas com reatividade emocional e raiva, diminuíram. 

Segundo os autores, o eletro sugere que ômega 3 exerce seus efeitos por melhorar a eficiência neuronal, isto é, “através de uma melhor seleção dos neurônios envolvidos na tarefa”. Fontani assinala que os  benefícios se deram em pessoas que já tinham boas condições de bem-estar e cognição.

Noutro ensaio clínico, pesquisadores mostraram que o ômega 3 "melhora a cognição e modifica a ativação cerebral em adultos jovens". Avaliaram que o cérebro dos participantes teve que 'trabalhar menos' e atingiu uma melhor performance cognitiva do que antes da suplementação".

"Suas percepções de felicidade aumentaram em 30%"
O doutor Joseph Hibbeln, psiquiatra e pesquisador dos Institutos Nacionais da Saúde dos EUA, também conduziu um estudo assinalando um potencial de ômega 3 em transtornos do humor.

“O Departamento de Defesa dos EUA nos deu muito dinheiro para avaliar o ômega 3 em mais de 300 veteranos militares norte-americanos que estão em alto risco de suicídio”, conta o psiquiatra nesta entrevista. Esses militares não estavam sendo plenamente beneficiados pelas terapias existentes. 

Em seu estudo, o ômega 3 por 12 semanas teve bons efeitos em pacientes com risco de suicídio. "Seus pensamentos suicidas foram diminuídos pela metade. Suas percepções de felicidade foram aumentadas em 30% e suas percepções de estresse foram reduzidas (...)." 

Porém, em sua pesquisa, Hibbeln nota que os resultados são preliminares e pesquisas maiores são necessárias para confirmar a eficácia.

Conclusão e cuidados
O consumo de peixes, como sardinha e salmão, é um dos pontos-chave na dieta MIND - uma dieta desenvolvida para retardar a neurodegeneração e melhorar a cognição. Colocar mais peixe no cardápio é geralmente uma boa ideia. 

Em grande parte, o mérito é do ômega 3, que tem efeito anti-inflamatório e importante papel na transmissão de mensagens entre neurônios. 

Algumas pesquisas mostram que a suplementação de ômega 3 pode beneficiar o humor e a atenção. A suplementação é feita com óleo de peixe em cápsulas. Eles contêm duas formas de ômega 3 chamadas EPA e DHA. 

É preciso lembrar de alguns cuidados:
  • O ômega 3 tem efeito anticoagulante, em especial com doses maiores obtidas por suplementação. Em algumas pessoas, pode causar sangramento. 
  • Além disso, pessoas com sintomas depressivos ou problemas de humor também não devem se automedicar com ômega 3 - outras intervenções podem ser necessárias.

A recomendação, como sempre, é buscar um médico. Esse profissional avaliará cada caso e poderá realizar orientações personalizadas.

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Referências
  1. Fish oil helped save our son - notícia, CNN, 2006
  2. Phosphatidylserine-dependent neuroprotective signaling promoted by docosahexaenoic acid, estudo, 2010
  3. N-Docosahexaenoylethanolamide promotes development of hippocampal neurons, estudo, 2012
  4. A role for docosahexaenoic acid–derived neuroprotectin D1 in neural cell survival and Alzheimer disease, estudo, 2005
  5. Evolution and Therapy of Brain by Foods Containing Unsaturated Fatty Acids, estudo, 2017
  6. Omega-3 fatty acids and cognitive function, estudo, 2023
  7. Fish intake, n-3 fatty acid body status, and risk of cognitive decline: a systematic review and a dose-response meta-analysis of observational and experimental studies, estudo, 2022
  8. Docosahexaenoic Acid Levels and Omega-3 Index, but Not Eicosapentaenoic Acid Levels, Are Associated With Improved Cognition in Cognitively Healthy Subjects With Coronary Artery Disease, estudo, 2022
  9. Impact of Omega-3 fatty acid Supplementation on Global Cognitive Function among Healthy and Althahimer’s disease Elders: A Systematic Review and Meta-analysis (P4-6.007), estudo, 2023
  10. Giuliano Fontani fa luce sugli Omega 3 - notícia, ilCittadino online, 2012
  11. Cognitive and physiological effects of Omega-3 polyunsaturated fatty acid supplementation in healthy subjects, estudo, 2005
  12. Omega-3 supplementation improves cognition and modifies brain activation in young adults, estudo, 2014
  13. Omega-3 fatty acid supplementation in patients with recurrent self-harm. Single-centre double-blind randomised controlled trial, estudo, 2007
  14. 139 – Omega-3 and Mental Health Research – My Interview with Capt. Joseph Hibbeln, MD - podcast, 

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