segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Magnésio e as emoções: qual a relação?

A suplementação de magnésio pode ter benefícios para a saúde mental e humor? Conversei sobre esse tema com o médico Thiago Serra e a nutricionista Amanda Castro 

Suplementos de magnésio caíram (literalmente) na boca do povo e não ficam mais parados nas gôndolas das farmácias. Luciano Vigatto, farmacêutico, trabalha há duas décadas - e percebe uma escalada na procura por suplementos como cloreto de magnésio P.A. (pó e cápsulas) e magnésio dimalato. 

"De uns tempos para cá, está vendendo demais. As pessoas compram para tratamento de fibromialgia, dores na coluna e nas pernas", descreve Vigatto, após me enviar a foto da prateleira da drogaria reservada aos suplementos de magnésio.

Foto: arquivo pessoal de Luciano Vigatto / Reprodução

Uma melhora do humor e do estado emocional também motivam a corrida por suplementos de magnésio. Pela Internet, inúmeras páginas e vídeos vendem a ideia de que o mineral ajudaria a combater a depressão e a ansiedade. Mas será que o magnésio de fato pode ajudar a nossa saúde mental? E existem evidências científicas de que ele é eficaz em aplacar a ansiedade e melhorar o humor?

Para buscar a resposta, conversei com o médico Thiago Serra, que é formado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e Pós-Graduando em Psiquiatria [clique aqui para acessar seu Instagram] e com a nutricionista clínica Amanda Castro, formada pela Universidade Federal da Bahia e Pós-Graduada em Alergias e Intolerâncias Alimentares e em Vigilância Sanitária [clique aqui para acessar seu Instagram].

Primeiro: os dois concordam que o magnésio desempenha importantes papéis no cérebro. Amanda Castro enumera várias ações cruciais do mineral, como atividade antioxidante, regulação da produção de energia e modulação do ciclo sono-vigília e de vários neurotransmissores ligados ao humor.

Por sua vez, Thiago Serra salienta a função do magnésio como uma espécie de "porteiro" de receptores do neurotransmissor glutamato, controlando a entrada de cálcio nos neurônios - ação que, em tese, evitaria um processo chamado de excitotoxicidade. Serra explica que a excitotoxicidade pode levar à morte de neurônios e está envolvida em transtornos depressivos.

Apesar disso, os dois pedem cautela. Eles ressaltam que os estudos científicos que investigaram os benefícios do magnésio no estado emocional ou a sua eficácia em transtornos de humor ainda são prematuros. "A relação do mineral com a saúde mental é inegável, entretanto mais estudos são necessários quanto a indicação de doses maiores do que a da recomendação diária", afirma Amanda Castro.

Nessa entrevista, Thiago Serra também explica quais são os sintomas no humor que acendem um alerta para buscar um médico. Já a nutricionista Amanda Castro fala sobre a interessante relação entre o intestino e o cérebro, explicando como aquilo que colocamos no prato pode repercutir em nosso humor.

Para saber mais sobre os aspectos nutricionais e médicos que envolvem o magnésio e a depressão, confira a íntegra da entrevista com Thiago Serra e Amanda Castro abaixo:

Entrevista com Amanda Castro, nutricionista

1. O que é o magnésio? Você poderia descrever um pouco do que se sabe sobre sua importância para o cérebro, em especial? 

O magnésio é um mineral essencial ao organismo humano, é cofator de mais de 300 reações enzimáticas e necessário para o funcionamento bioquímico de várias vias metabólicas. Dentre as suas funções, pode-se citar a fluidez da membrana neural, atividade antioxidante mitocondrial, regulação da produção de energia, modulação da serotonina, dopamina, noradrenalina e do ciclo sono-vigília; desempenhando, assim, importante papel na função cerebral. 

2. Há alguma evidência de que a suplementação desse mineral – ou seu reforço na dieta – tenha algum benefício em pacientes com transtornos de humor, como a depressão? O que se sabe sobre isso? 

A relação do mineral com a saúde mental é inegável, entretanto mais estudos são necessários quanto a indicação de doses maiores do que a da recomendação diária - 420 mg para homens e 320 mg mulheres (DRIS, 2006). O que se tem é a importância de manter os níveis adequados desse mineral. Mesmo que a pessoa complemente a ingestão com o uso de suplementos, ainda assim é importante a ingestão de alimentos fontes do nutriente devido à sinergia entre os outros nutrientes do alimento.



3. Quais são os alimentos mais ricos nesse mineral? 

Cacau, vegetais verde escuros (espinafre, couve manteiga), semente (abóbora, linhaça e gergelim), abacate, banana, castanha do Pará, jaca, feijão, tofu, avelã, amêndoa, amendoim, peixes. 

4. Alguns autores defendem que fatores como o empobrecimento do solo teria reduzido o teor de magnésio na dieta Ocidental e, ao mesmo tempo, que a maior parte das pessoas não consome esse mineral na quantidade recomendada. Ao mesmo tempo, tem se popularizado suplementos como o cloreto de magnésio

O solo tem relação direta com os nutrientes do alimento, caso o solo esteja empobrecido há, de fato, prejuízo na composição nutricional do alimento.  É importante ir ao nutricionista antes de fazer uso de quaisquer suplementos nutricionais. O profissional irá ouvir o paciente e fará uma associação entre os sintomas relatados, a ingestão habitual do indivíduo, somado aos exames físico e análise dos exames bioquímicos. Assim ele vai determinar a melhor conduta para aquele indivíduo, individualidade é essencial. 

5. Você poderia elaborar um pouco sobre esse aspecto? É possível – e prático – obter a quantidade recomendada numa dieta convencional? Os suplementos podem ser úteis? Devem ser consumidos sob orientação profissional? 

É possível obter magnésio nas quantidades recomendadas pelas DRIS, 2006 com uma alimentação variada. Entretanto os suplementos podem ser muito úteis sim, mas é importante levar em consideração o contexto e a individualidade. Uma consulta com um profissional habilitado, que fará uma boa avaliação dos sinais e sintomas, junto com exames séricos e assim ele vai determinar a melhor conduta para aquele indivíduo. 

6. Alimentos e nutrientes podem interferir no nosso humor? Um profissional de Nutrição pode compor a abordagem multiprofissional, no caso de um paciente com depressão? 


Alimentos e nutrientes podem interferir no humor, sim. Há uma relação muito forte entre saúde intestinal e mental e é importante um intestino íntegro. Em um ambiente microbiano equilibrado, as bactérias intestinais tanto podem sintetizar a serotonina, quanto expressarem uma enzima, capaz de converter o triptofano em triptamina, que induz a secreção de serotonina por células intestinais. Cerca de 80% da serotonina do corpo é sintetizada e centralizada no trato gastrointestinal, não atravessando a barreira hematoencefálica, mas sim transmitindo sinais ao SNC, regulando dessa maneira o humor. A serotonina intestinal também tem uma importante ação local para controle, por exemplo, dos movimentos peristálticos. (Ferrari,  2020) 

Não é à toa que, quando um indivíduo encontra-se chateado utiliza-se o adjetivo enfezado, que remete a “fezes”.  Acrescenta-se que alimentos como banana, aveia, peixes, laticínios possuem um aminoácido essencial chamado triptofano que também se converte em serotonina. 

Outros nutrientes como zinco (encontrado em ostras, carnes, fígado, ovo, oleaginosas, gergelim, alguns cereais e leite e derivados) também tem influência cerebral, assim como o ômega 3 (presente em peixes gordurosos, semente de chia, linhaça). Então o nutricionista é um grande aliado já que o mesmo equilibra a alimentação do indivíduo e estimula o consumo de alimentos que auxiliam na saúde intestinal e cerebral.

PADOVANI, Renata Maria et al. Dietary reference intakes: application of tables in nutritional studies. Revista de Nutrição, v. 19, n. 6, p. 741-760, 2006. 

FERRARI, Angelica Simões. Rev Bras Nutr Func; 46(81), 2020 doi: 10.32809/2176-4522.46.81.02

Entrevista com Thiago Serra, médico

1. Você poderia escrever um pouco do que se sabe sobre a importância do Magnésio para o cérebro e a saúde mental? 

O magnésio é um biomineral extensivamente distribuído pelo corpo, tanto dentro das células, quanto fora delas. Ele participa como adjuvante em centenas de reações químicas, e então, se está em concentrações baixas ou elevadas, pode modificar amplamente o metabolismo. 

No cérebro, sua função mais conhecida é como um ligante que regula o receptor chamado NMDA (ou N-metil-D-aspartato), que é distribuído por várias redes neurais excitatórias e se liga ao neuropeptídeo glutamato. 

Quando o magnésio está em baixa concentração no tecido neural, ele aumenta a chance de o receptor NMDA permanecer aberto por mais tempo – o que leva a alto influxo de cálcio e pode levar a um processo conhecido como excitotoxicidade. A excitotoxicidade leva à morte de neurônios, processo que está envolvido em diversas patologias neurais, sendo que uma delas são os transtornos depressivos. 

Estudos com medidas de magnésio na população sugerem que quando o magnésio está abaixo do ideal (mesmo que muito pouco), há um aumento importante dos circuitos excitatórios do cérebro, podendo levar a comportamentos agressivos, sintomas depressivos e até mesmo suicídio. 

De fato, alguns cientistas suspeitam que algumas mulheres podem passar a ter desejo aumentado por chocolate durante o período pré-menstrual por causa do magnésio encontrado no chocolate. Os níveis de magnésio potencialmente estão correlacionados com diversas alterações comuns como comportamentos agressivos, ansiedade, TDAH, entre outras condições. 

Para um bom funcionamento do cérebro, é essencial que haja um bom fluxo de sangue, com aporte de glicose adequado, e que as reações químicas envolvidas na complexa comunicação entre neurônios aconteçam de forma perfeita, tanto na produção de neurotransmissores quanto na ativação de seus receptores. O magnésio está envolvido tanto na produção dos neurotransmissores como na ativação de receptores – o que faz com que a suspeita de que o magnésio impacte no funcionamento adequado do cérebro seja baseada em ciência bem fundamentada. 

2. Há alguma evidência de que a suplementação desse mineral – ou seu reforço na dieta – tenha algum benefício em pacientes com transtornos de humor, como a depressão? O que se sabe sobre isso até agora?

Estudos científicos populacionais, dependendo da forma como são montados, mostram algumas relações, mas não conseguem nos fazer enxergar bem as causas da associação. 

No caso do magnésio isso acontece: existe uma relação entre a dieta pobre em magnésio e sintomas depressivos, mas não é possível saber se a dieta pobre causa os sintomas depressivos, ou por estar deprimida a pessoa tem uma dieta de qualidade mais pobre (e, portanto, com menos magnésio). 

O que se pode ver em vários estudos é que a suplementação direta com magnésio ameniza os sintomas depressivos, mas isso somente em estudos pequenos – o que não permite que essa seja uma recomendação em qualquer caso. 

Em estudos em animais, a suplementação com magnésio mostra modificação de padrões cerebrais compatíveis com a melhora da depressão, mas isso ainda é incerto em humanos. Também a medida de magnésio no sangue não demonstrou correlação com os sintomas de desordens do humor. 

O que se encontrou foi que, na população que está usando antidepressivos, existe um aumento dos níveis de magnésio – o que pode indicar que o aumento dos níveis de magnésio estão envolvidos nos mecanismos que fazem os antidepressivos funcionarem tão bem. 

Em resumo, os dados não permitem concluir muito sobre essa associação, mas aparentemente a suplementação com magnésio apresenta efeitos de diminuição dos sintomas depressivos (mais do que suplementação na dieta). 

3. Em linhas gerais, no caso da depressão, quais sintomas devem despertar o alerta para a busca de ajuda profissional? Por que é importante buscar um médico – e quando fazê-lo? 

A depressão é uma doença silenciosa que afeta até 5,8% da população brasileira (o que significa que há mais de 12 milhões de brasileiros sofrendo com essa condição), e que é uma das principais causas de afastamento do trabalho. 

A depressão aparece normalmente como uma sensação de tristeza que não passa, e que fica com a pessoa na maior parte do dia, pela maior parte dos dias da vida. Também pode acontecer de perder o prazer e a graça em coisas que antes faziam a pessoa se aliviar diante da vida, e pode afetar também o peso (perder a fome ou começar a comer demais), o sono (tanto causando insônia quanto a sensação de estar sempre com sono) e os relacionamentos íntimos (modificando os hábitos sexuais). Outros comportamentos que podem aparecer são a mudança rápida e intensa de humor (fica muito triste ou muito irritado rapidamente, “de uma hora para outra”), e o chamado “choro fácil” (quando a pessoa acaba chorando “por qualquer coisa”). 

Quando esses sintomas aparecem apenas ocasionalmente, fazem parte da vida. Mas quando ficam muito intensos e frequentes, podem indicar a presença de um transtorno depressivo. A importância de tratar a depressão, além do alívio do sofrimento que esses pacientes apresentam, é por conta do que acontece com os pacientes deprimidos – uma parcela deles pode apresentar sintomas psicóticos (ou seja, ficam com dificuldade de entender o que é real ou não, podendo ter alucinações por conta disso) e alguns pacientes podem ter ideias ou até mesmo tentativas de autoextermínio. 

Além disso, quando não tratado o episódio depressivo, há um aumento da chance de voltar a apresentar os mesmos sintomas novamente (em um novo episódio depressivo), e quanto mais episódios depressivos apresentar ao longo da vida, mais difícil pode ser o tratamento. 

O tratamento da depressão envolve realização de psicoterapia, mas em alguns casos o uso de medicação se faz ainda imprescindível. Por isso, se você está com sintomas – ou conhece alguém que esteja – procure seu médico para uma avaliação o quanto antes!

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Por Matheus Pereira:

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