domingo, 25 de março de 2018

Precisamos conversar sobre seus neurotransmissores

Eu irei mudar a forma que você os enxerga (e enxerga nootrópicos) 


Dentro da sua "caixola", moram uns 100 bilhões de neurônios, segundo o chute dos cientistas [1]. Essas células não está lá, paradinhas, cada uma no seu quadrado. Na verdade, neurônios trabalham em equipe e são incrivelmente tagarelas. O bate-papo neuronal ocorre por meio de neurotransmissores -  as bolinhas laranjas da foto acima.

Essas são pequenas moléculas que um neurônio libera. Elas encontram outro neurônio, que, na sua superfície, tem um receptor de formato específico, perfeito, feito "sob medida" para cada neurotransmissor. Assim, esses mensageiros 'ativam' o neurônio. Transmitem uma mensagem - que pode ser traduzida de alguma forma na nossa capacidade cognitiva, percepção, sentimentos, humor e comportamento [2]. Mas isso é uma visão meio romantizada - e só a ponta do iceberg.

O seu modelo "Lego" de entender neurotransmissores
Esse raciocínio ganhou força na década de 70, a partir de algumas observações. Por exemplo, anfetaminas - que aumentam a disponibilidade de dopamina, serotonina e noradrenalina - causam euforia e agitação. Logo, esses neurotransmissores deveriam estar implicados na regulação do humor. Surgiu a ideia de que depressão se origina do desequilíbrio desses neurotransmissores [3]. 

Ou, então, em pacientes com Alzheimer há desequilíbrios do glutamato e acetilcolina - logo, eles devem reger a memória e o aprendizado [4].


Essa visão da década de 70 é a que muitos tem hoje. Como se a linguagem que neurônios usam (um neurotransmissor) se encaixasse perfeitamente, como Lego, em alguma abstração humana (motivação ou outra subjetividade). Por exemplo, dopamina = prazer. E aí temos imagens famosas como essa acima.

A verdade: modelo "teoria do caos"!
Detesto ser desmancha-prazeres, mas nós precisamos conversar. O seu cérebro não é tão simples assim, não (ainda bem!). Tem mil variáveis em jogo. Antidepressivos como o Prozac (fluoxetina) aumentam a serotonina em horas. Se só isso bastasse para ficar de bem com a vida, de vento em popa, os benefícios terapêuticos, como melhora do humor, não demorariam semanas para surgir.

Nosso colega é mais complicado
que isso...
O "efeito" de algum neurotransmissor depende de qual receptor (sim, existem muitos subtipos) ele está ativando. Por exemplo, a dopamina atua em receptores D1 e D2 - mas só quando ela ativa o D2 que ela aumenta a memória [5]. Depende de onde o neurotransmissor está, em qual circuito da gigante rede de neurônios está atuando. Por exemplo: em algumas vias nervosas a dopamina é responsável pela atenção e o planejamento [6]; em outras, está implicada com o vício de drogas [7].  

Também depende dos níveis de outros neurotransmissores. O bate-papo químico do seu cérebro não acontece num vácuo: os mensageiros químicos interagem entre si. Um neurotransmissor pode influenciar no 'efeito' de outro neurotransmissor [8].


A ação de um neurotransmissor é influenciada pelos genes. Pelo ambiente. Até pelo ambiente do próprio neurônio - o estresse oxidativo e a inflamação afetam a comunicação neuronal por meio de vários mecanismos [9]. 

Parear um neurotransmissor a algum efeito (serotonina/alegria, por exemplo) pode ajudar a ter algumas ideias básicas. Mas, além de simplista, é algo pouco preciso. O pior: faz com que um zilhão de outros fatores que influenciam a cognição sejam desconsiderados.

Muitos nootrópicos não atuam diretamente em neurotransmissores. Há outros fatores influenciando o desempenho cognitivo
Os neurotransmissores não são o maestro da orquestra. É verdade que eles influenciam (muito!) o humor e intelecto. Mas a visão do século 21 é que neurotransmissores não tocam esse barco sozinho. Eles interagem com vários outros mediadores.

Alguns exemplos notáveis: neurotrofinas são proteínas igual a "fertilizantes", que promovem a formação de novos neurônios. Elas poderiam afetar a inteligência e o humor. Há até evidências que o Prozac funciona ao aumentar o nível de algumas neurotrofinas - o que leva tempo [10]. 

Uma proteína de nome estranho - CREB - vai até ao seu DNA e lá age para aumentar a expressão de genes que reduzem a ansiedade e melhoram a memória (esquema ao lado) [11]. 

Os cientistas passam a tentar ouvir esse bate-papo que acontece dentro do neurônio. Essas complexas vias de transmissão de mensagens influenciam a nossa memória e atenção - e são o alvo de muitos melhoradores cognitivos ("nootrópicos"). Muitos deles atuam interferindo positivamente nessa comunicação que rola dentro do neurônio. Ao mesmo tempo, essa conversação íntima pode estar prejudicada em doenças neurodegenerativas [12].

Seu cérebro não é uma sopa de neurotransmissores, flutuando por aí e causando um efeito muito bem definido no comportamento e inteligência. Claro, nós temos algumas simplificações que são úteis - mas a resposta a neurotransmissores é única e variável.

Até se você passar a comer muita couve, rica fonte de magnésio, isso poderia influenciar o funcionamento de seus neurotransmissores. Você poderia até dormir melhor por conta do mineral [13]. E um sono mais reparador influenciaria ainda mais no funcionamento dos seus sistemas de neurotransmissor [14].

Seu cérebro funciona por puro efeito borboleta.


Em breve: como nootrópicos influenciam os neurotransmissores

Referências
[1] Neurons - National Library of Medicine
[2] The Role of Neurotransmitters in Human Behavior
[3] Central Neurotransmitter Function and Its Behavioral Correlates in Man
[4] Molecular Pathogenesis of Alzheimer's Disease: An Update
[5] BDNF and synaptic plasticity, cognitive function, and dysfunction.
[11] Specific Inhibition of Phosphodiesterase-4B Results in Anxiolysis and Facilitates Memory Acquisition.
[12] Chapter 2 – Signaling Pathways Involved in Cognitive Enhancement
[13] The effect of magnesium supplementation on primary insomnia in elderly: A double-blind placebo-controlled clinical trial
[14] Consequences of sleep deprivation on neurotransmitter receptor expression and function.

Nenhum comentário:

Postar um comentário