Take Your Pills, da Netflix |
Recentemente, a Netflix lançou o documentário Take your pills, que retrata o uso off-label (isto é, fora das indicações da bula) de vários medicamentos estimulantes. O filme mostra universitários e empresários usando drogas indicadas para Transtorno de Déficit de Atenção. Eles não tem o Transtorno - desejam melhorar a produtividade e a concentração.
Os medicamentos que são o centro da produção da Netflix - Ritalina, Venvanse e Adderall - provocam efeitos colaterais, especialmente cardiovasculares e o risco de dependência. Por isso, refogem à classificação tradicional de nootrópicos, que seriam, por definição, seguros e neuroprotetores.
Eficácia incerta
A ciência está longe de chegar a um consenso sobre a capacidade desses estimulantes de melhorar o desempenho em pessoas saudáveis. Sabe-se que eles aumentam a sensação de bem-estar, promovem euforia, motivação, confiança e energia - o que geralmente leva à impressão de ganho cognitivo. Mas tal percepção do usuário nem sempre reflete a realidade [1, 2, 3].
Os efeitos de tais drogas, em estudos científicos, são inconsistentes - alguns deles provam que elas beneficiam a performance em alguns testes cognitivos. Mas são benefícios tão pequenos que não compensariam o risco de usar tais substâncias. Outros mostram resultados nulos e por vezes até mesmo prejudiciais para algumas competências cognitivas [1, 2, 3].
A contradição seria explicada por variação em dosagem - as mais altas produziriam tamanha hiperatividade, agitação e ansiedade que prejudicaria a concentração. Também a performance inicial - pessoas com menor desempenho inicial parecem se beneficiar mais, segundo os estudos. E o nível de dopamina inicial - tais drogas aumentam esse neurotransmissor, mas tanto a sua falta quanto seu excesso são ruins [1, 2, 3].
Não é intenção desse artigo estimular o uso de nenhum desses medicamentos por pessoas saudáveis ou por automedicação. Nem debater o documentário da Netflix. Mas, como ele parece ter causado confusão em meio aos nomes Ritalina, Venvanse e Adderall - pretendo esclarecer sobre suas diferenças, brevemente.
Adderall (sais de anfetamina)
Vendido nos Estados Unidos e outros países para tratar o TDA/H. Tem como composto ativo a anfetamina: 25% na forma l-anfetamina, que produz mais efeitos periféricos, como aceleração do coração; e 75% na forma d-anfetamina, que produz mais efeitos centrais, como a euforia e bem-estar.
O Adderall não é vendido, nem permitido no Brasil - excetuando situações de importação por meio de um pedido médico (o que deve ser extremamente burocrático).
A anfetamina estimula que neurônios liberem seus estoques de dopamina e noradrenalina - as bolinhas laranja e preta do gif acima. Esses neurotransmissores, então, saem de vesículas e são secretados para as sinapses, para estimular outros neurônios.
Além disso, a anfetamina bloqueia proteínas que "limpam" dopamina e noradrenalina das sinapses. Assim, esses neurotransmissores ficam mais tempo atuando e produzindo efeitos em neurônios vizinhos.. A dopamina é ligada à motivação (leia mais nesse artigo) e a a noradrenalina à vigília e alerta [4]. Os efeitos do Adderall duram de 4 a 6 horas [5] - embora existam versões de liberação prolongada.
Também há, nos EUA, versões com apenas a forma d-anfetamina (Dexedrine).
Venvanse (dimesilato de lisdexanfetamina)
É o mais próximo de anfetamina que se tem no Brasil. Sua indicação é para o TDAH e é um medicamento controlado. Trata-se de uma forma inativada de anfetamina - no Venvanse, a anfetamina está unida a um aminoácido, lisina.
Após ser absorvido no intestino, o Venvanse chega ao sangue, onde enzimas presentes nas células vermelhas o quebram em d-anfetamina, a forma ativa, também presente no Adderall.
Como vimos, ela exerce um aumento de dopamina e noradrenalina no cérebro. O Venvanse não é metabolizado na l-anfetamina.
Considera-se que o Venvanse tenha vários benefícios no tratamento do TDAH comparado ao Adderall: é ativo por até 14 horas e, por ser uma pró-droga, tem menor potencial para abuso e dependência do que formas puras de anfetamina [6].
Ritalina, Ritalina LA, Concerta (metilfenidato)
A Ritalina, Ritalina LA e Concerta tem por princípio o metilfenidato e compartilha estrutura e função similar às anfetaminas, sendo indicada no Brasil para o tratamento de TDAH, sob prescrição médica. À época da sua descoberta, foi descrita como "um estimulante do sistema nervoso central... menos potente que a anfetamina, mas mais do que a cafeína" [3].
Compartilha um dos mecanismos da anfetamina: o metilfenidato (na animação, a bolinha preta*) impede que a dopamina e a noradrenalina (em laranja) sejam retiradas da sinapse. Dessa forma, esses neurotransmissores estimulam por mais tempo neurônios vizinhos - produzindo efeitos como euforia [3].
Porém, não aumenta diretamente a liberação desses neurotransmissores nas sinapses, diferente das anfetaminas.
É disponível em versão de liberação instantânea, Ritalina - com duração de 1 a 4 horas; de liberação prolongada, Ritalina LA - com duração de 3 a 8 horas; e liberação estendida, Concerta - com duração de 8 a 12 horas [7].
* O metilfenidato compartilha o mesmo mecanismo de ação da cocaína. Porém, enquanto a cocaína tem efeitos intensos e efêmeros, o metilfenidato é mais leve e prolongado. Isso determinaria menor potencial de abuso e dependência para o metilfenidato [8].
* O metilfenidato compartilha o mesmo mecanismo de ação da cocaína. Porém, enquanto a cocaína tem efeitos intensos e efêmeros, o metilfenidato é mais leve e prolongado. Isso determinaria menor potencial de abuso e dependência para o metilfenidato [8].
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Referências
[5] Bula
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