Nosso cérebro adora categorizar as coisas. Essa tendência não é diferente em fóruns e blogs informais sobre nootrópicos: o grande frenesi é classificá-los de acordo com o neurotransmissor que afeta. A lógica é: se, por exemplo, a acetilcolina é crucial para a memória, então é só aumentá-lo usando nootrópicos colinérgicos que teremos mais memória.
Mesmo alguns autores enfatizam neurotransmissores como "alvos" que devem ser aumentados a fim de potencializar o intelecto [1]. Há um pouco de verdade - mas muitos pecados - quando seguimos esse raciocínio em pessoas com uma cognição "normal".
Como eu disse recentemente, neurotransmissores não são tão previsíveis quanto "serotonina é humor; dopamina é motivação e foco..." - há mil e uma variáveis para se determinar seu "efeito".
Mas há mais que isso: pouca dopamina no córtex pré-frontal poderia causar distração e impulsividade - por apatia e desinteresse. Mas o seu excesso também causaria distração e impulsividade - por hiperatividade. Níveis de neurotransmissores variam o tempo todo em uma única pessoa. E, antes que me pergunte, não existe nenhum exame confiável para você checar tais níveis.
Mas há mais que isso: pouca dopamina no córtex pré-frontal poderia causar distração e impulsividade - por apatia e desinteresse. Mas o seu excesso também causaria distração e impulsividade - por hiperatividade. Níveis de neurotransmissores variam o tempo todo em uma única pessoa. E, antes que me pergunte, não existe nenhum exame confiável para você checar tais níveis.
Também tem outra questão: de qual atividade estamos tratando? O gráfico acima compara os níveis de performance de acordo com os níveis de dopamina. Na tarefa em verde - vamos supor: lavar a casa - mais dopamina poderia lhe garantir a energia para uma faxina bem produtiva. Mas esse mesmo estado hiperdopaminérgico prejudicaria o desempenho na leitura e compreensão de um texto [3].
Estamos também isolando tudo a um único neurotransmissor, mas eles interagem entre si e com muitos outros fatores) para modular o comportamento e a cognição.
Estamos também isolando tudo a um único neurotransmissor, mas eles interagem entre si e com muitos outros fatores) para modular o comportamento e a cognição.
São tantas as limitações e ressalvas já feitas. Mesmo assim, vou abusar desse reducionismo e abordar as interações mais clássicas entre nootrópicos* e neurotransmissores. Não é uma lista exaustiva - são só exemplos mais caricatos.
*"Nootrópico" aqui será (vagamente) considerado como qualquer substância que, alegadamente, melhora o aprendizado, memória e cognição normal, exercendo efeito neuroprotetor e baixa toxicidade [4] - como irei mostrar, nem todos se encaixam nesses critérios de eficácia comprovada ou de segurança.
*"Nootrópico" aqui será (vagamente) considerado como qualquer substância que, alegadamente, melhora o aprendizado, memória e cognição normal, exercendo efeito neuroprotetor e baixa toxicidade [4] - como irei mostrar, nem todos se encaixam nesses critérios de eficácia comprovada ou de segurança.
Dopaminérgicos
A dopamina é classicamente ligada com a motivação - a força de vontade. Também é quase a "gerente" das partes mais inteligentes do cérebro: em níveis ideais, permite inibir distrações e impulsos, focar, planejar, formular estratégias (são as funções executivas) [5]. É defendido que há uma deficiência desse neurotransmissor no Transtorno de Déficit de Atenção - o metilfenidato (Ritalina) atua para aumentar os seus níveis.
A dopamina é classicamente ligada com a motivação - a força de vontade. Também é quase a "gerente" das partes mais inteligentes do cérebro: em níveis ideais, permite inibir distrações e impulsos, focar, planejar, formular estratégias (são as funções executivas) [5]. É defendido que há uma deficiência desse neurotransmissor no Transtorno de Déficit de Atenção - o metilfenidato (Ritalina) atua para aumentar os seus níveis.
Principais nootrópicos envolvidos:
L-tirosina: aminoácido, é a matéria-prima dopaminérgica: é convertida em L-dopa, que é transformada em dopamina. A suplementação é apontada como útil em situações de estresse ou de atividades mentais muito extenuantes - que consumiriam muita dopamina e exauririam os estoques do neurotransmissor. A l-tirosina não é convertida em dopamina quando ela já está em níveis suficientes, o que, como vimos, é teoricamente desejável [6].
Mucuna pruriens: planta que tem em sua constituição a L-dopa [7]. A L-dopa é totalmente convertida em dopamina, mesmo que os níveis de dopamina já estejam ótimos (em teoria, níveis infinitos de L-dopa = níveis infinitos de dopamina). Isso poderia prejudicar o desempenho [6]. Tradicionalmente usada como afrodisíaco e para melhorar a cognição, vitalidade e humor [7]. Mas há mais hype e exagero do que evidências científicas concretas sobre isso.
Fenilpiracetam: droga sintética vendida como medicamento em países orientais (indicado vagamente contra a exaustão física e mental) [8]. A dopamina, após liberada, é retirada da sinapse pelo próprio neurônio que a liberou. Recentemente, foi demonstrado que o fenilpiracetam impede tal recaptura, o que permite níveis aumentados de dopamina nas sinapses por mais tempo (similar ao metilfenidato) [8]. Coerentemente, aumenta a motivação em ratos [9]. Poucas pesquisas em humanos sobre o fenilpiracetam foram traduzidas do russo para o inglês, dificultando avaliar a eficácia e segurança da droga. Indisponível para consumo humano no Brasil e em muitos, senão todos, países ocidentais.
A serotonina é lembrada por regular o humor - causando sensações de tranquilidade, bem-estar, satisfação e contentamento com a vida. Sua redução tem sido apontada como uma característica da depressão. Apesar de não ser tradicionalmente lembrada por isso, a serotonina, a depender do receptor que interage, tem profundas implicações na formação de memória - interferindo, por um efeito dominó, nos sistemas colinérgico e glutamatérgico [10].
Principais nootrópicos envolvidos:
L-triptofano: aminoácido, matéria-prima para fabricar serotonina. É transformado primeiro em 5-HTP, que é convertido em serotonina. Estudos recentes mostram que, em pessoas saudáveis, a suplementação de triptofano aumenta a socialização e empatia [11]: estimula o altruísmo (maior tendência a fazer 'boas ações' e caridade) [12] e causa maior confiança em outras pessoas [13]. Sugere-se que a suplementação de triptofano melhora o humor e a memória se já há algum distúrbio serotoninérgico inicial, como na depressão - mas não exerce tal efeito em outras pessoas. O triptofano pode até mesmo ter efeito sedativo leve e reduzir o tempo de reação ("reflexos") - comprometendo algumas atividades cognitivas, portanto [14].
5-HTP: precursor direto de serotonina, é totalmente convertido nesse neurotransmissor (níveis infinitos de 5-HTP = níveis infinitos de serotonina). Em pessoas saudáveis, o 5-HTP, mesmo em doses de 50 mg - é psicoativo e piora a tomada de decisões [16]. Podemos especular que isso se dá porque o 5-HTP reduz a dopamina, que é necessária para a tomada de decisões [17]. Isso porque serotonina e dopamina tem uma relação antagônica (níveis altos de serotonina por uso de 5-HTP podem baixar dopamina) [15]. Muitos autores defendem com unhas e dentes que melhora quadros depressivos [18], outros condenam essa indicação [16] - mas isso é assunto para um outro artigo.
Bacopa monnieri: muitos mecanismos tem sido apontado para explicar os efeitos nootrópicos dessa planta, mas destaca-se seus efeitos serotoninérgicos [19]. Em especial, ela aumenta a concentração de um subtipo de receptor de serotonina, 5-HT3A. Quando a serotonina ativa esse receptor, favorece a formação de memórias e aprendizado (favorece um aumento de CREB - proteína que melhora, por modulação de genes, a plasticidade sináptica e neurogênese) [19]. Evidências em animais sugerem, conteúdo, um moderado efeito anti-dopaminérgico [19]. É um dos nootrópicos com melhor validação clínica em sua capacidade de melhorar a memória, aprendizado mesmo em pessoas saudáveis, embora esses sejam efeitos tardios [20, 21]. Vendida sob prescrição médica.
Continua em breve...
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