Vamos deixar isso claro: creatina não é uma droga obscura, feita exclusivamente em laboratório e vendida clandestinamente como anabolizante em lojinhas de suplemento. Tanto que seu próprio corpo já é uma fábrica de creatina. E você também a obtém naturalmente na dieta,
em carnes.
O que se discute, porém, é o seu poder nutracêutico – dosagens maiores
de creatina, por suplementação. Elas poderiam promover benefícios tanto na academia quanto
nos estudos, segundo pesquisas.
Após a ingestão de creatina em homens
saudáveis, nota-se aumento dos seus níveis no cérebro, demonstrando que ela
atinge o órgão [1]. Por lá, a creatina atua da mesma maneira que age no músculo
em exercício: aumenta a disponibilidade de energia.
Seu cérebro gasta energia para caramba - e essa energia é obtida pela quebra química de uma molécula chamada ATP - adenosina trifosfato. O que a
creatina faz é servir como um estoque extra de energia, ajudando a regenerar o ATP quando ele é quebrado. Assim, ela mantém o seu maquinário neurológico funcionando [2].
Estudos demonstram que a creatina, em doses
adequadas, reduz o cansaço mental e aumenta a velocidade em que o cérebro
opera.
Efeitos comprovados
Num deles, cientistas aplicaram a voluntários
um longo teste de matemática, que exigia a execução de cálculos repetitivos.
Aqueles que haviam usado creatina (8 gramas/dia durante 5 dias) tiveram menos
fadiga mental do que aqueles que usaram placebo. Os autores provaram que o
cérebro de quem usou creatina consumiu mais oxigênio – sinal de maior gasto e
produção energética [3].
Outro estudo não encontrou nenhuma diferença
nos resultados de uma bateria de testes cognitivos, entre jovens de 21 anos,
que usavam creatina e outros que usavam placebo por seis semanas. Porém, esses
autores usaram 0.03 g/kg de creatina (por exemplo, 2.1 g para uma pessoa de 70
kg) [4]. Esses resultados são questionáveis, pois a maioria dos estudos para
esse propósito, porém, usou dosagens de 5 gramas para cima.
Vegetarianos, que geralmente apresentam
deficiência de creatina na dieta, podem ter maiores benefícios. Por exemplo, o
uso de 20 gramas de creatina, durante 5 dias, melhorou a memória de
vegetarianos, mas não de onívoros. Porém, uma melhora no tempo de reação –
habilidade que depende da velocidade do processamento das informações – foi
notada nos dois grupos [5].
Também em vegetarianos, o uso de 5 gramas de
creatina por dia, durante seis semanas, melhorou muito significativamente desempenho
em testes que avaliam inteligência e memória operativa. Essa é uma modalidade
de memória que usamos para cálculos e leituras, por exemplo. Tais testes exigiam
velocidade de processamento de informações – os autores acreditam que, por
haver mais energia disponível (creatina), o desempenho melhorou.
Há também um estudo que demonstrou que um
regime de 5 gramas de creatina, 4 vezes ao dia (total de 20 gramas ao dia), em
pessoas saudáveis, atenuou os efeitos prejudiciais da privação de sono. Após 24
horas sem dormir, aqueles que usaram creatina tiveram um tempo de reação mais
rápido e mais bom humor que os voluntários que estavam usando placebo [7].
Disponibilidade, dosagem e segurança
No Brasil, a Anvisa libera o uso da creatina
como suplemento alimentar em dosagens de no máximo 3 gramas por dia.
Estudos encontraram benefícios para a
cognição com 5 gramas de creatina por dia (durante seis semanas, pelo menos),
tal que essa parece ser a dosagem mínima eficaz para esse fim.
O mais recente boletim da Sociedade
Internacional de Nutrição Esportiva, de 2017, declara que a creatina é segura e
bem tolerada, em pessoas saudáveis. Segundo o informativo, populações que
receberam doses acima de 30 gramas de creatina por dia, durante anos, não
tiveram nenhum efeito adverso significativo ou sério [8]. Pacientes com alguma
doença renal prévia, porém, não deveriam usar doses maiores que 3-5 gramas por
dia, segundo outros autores [9]. De praxe, não recomendo o uso de creatina sem
avaliação e autorização do seu médico.
Minha opinião
O mercado de suplementos esportivos é famoso
por vender óleo de cobra. Mas não é o caso da creatina, que se consagrou como o
suplemento mais eficaz para aumentar a força muscular. Seu uso tão popular para
fins atléticos ofusca os seus benéficos ao cérebro, que são atestados por
alguns artigos. A creatina serve como uma reserva de energia cerebral. Como o cérebro
tem gasolina de sobra no tanque, ele passa a operar numa velocidade maior –
demonstrado pela capacidade da creatina em melhorar o tempo de reação, ou seja,
acelerar nossa percepção e resposta aos estímulos (visuais, auditivos...). Essa
propriedade foi demonstrada repetidamente na literatura. Porém, é difícil dizer
se esses efeitos são perceptíveis (“sentidos”) pelo próprio usuário, mesmo que estejam
presentes. Ela carece de estudos em longo-prazo para fins de melhora do
desempenho cognitivo.
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Referências
[5] The influence of creatine supplementation on the cognitive functioning
of vegetarians and omnivores.
Para saber mais:
Uso da creatina na terceira idade e
evidência de seus efeitos nas funções cognitivas nos jovens e idosos – em inglês.
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