quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Entrevista sobre a sulbutiamina, um nootrópico anti-fadiga, com Bernardo Starling

"Sulbutiamina: 'mãozinha' do astênico". A sulbutiamina é indicada para a astenia - ou exaustão - física, psíquica e intelectual


Entre as substâncias que supostamente melhorariam o desempenho cognitivo, a sulbutiamina ocupa lugar de destaque. Isso porque, devido às suas propriedades psicoestimulantes, a sulbutiamina conseguiria debelar um dos principais rivais dos tempos modernos: a falta de vigor e a exaustão. No Brasil, esse composto é um medicamento de nome comercial Arcalion indicado para o cansaço físico, psíquico e intelectual, segundo a bula.

A bula do fabricante ainda garante que a sulbutiamina "atua no sistema nervoso central e neuromuscular, agindo como fator natural de resistência física, de eficiência intelectual e de equilíbrio psíquico". Bom demais para ser verdade?

Para avaliar essas alegações, pesquisadores recentemente publicaram uma revisão científica sobre a sulbutiamina no Journal of Nutrition and Metabolism. No resumo, eles afirmam que "existe alguma evidência que a sulbutiamina possa ter efeitos anti-fadiga, nootrópicos e antioxidantes, o que levou ao seu uso como suplemento esportivo".

Recentemente, tive o prazer de entrevistar um dos autores, o nutricionista Bernardo Starling, a respeito de seu trabalho sobre a sulbutiamina. Bernardo Starling é formado em Nutrição, pós graduado em Nutrição Ortomolecular e Nutrigenômica e Mestre em Bioquímica (UFPR). Professor e pesquisador, o profissional mantém ainda um consultório, onde presta atendimento nutricional, com foco, principalmente, para atletas em busca dos melhores resultados em competições.

Starling avalia que a sulbutiamina tem potencial para trazer "melhora na qualidade e fixação do raciocínio". Além disso, após sua pesquisa, considera que a substância é promissora para "diminuir a fadiga de quem tem uma carga mental e cognitiva muito grande em seu dia a dia". Os autores do estudo observam, contudo, que novos estudos precisam ser conduzidos para esclarecer e confirmar o potencial da sulbutiamina.

Lembrando que, no Brasil, ela é considerada medicamento - e por isso, seu uso deve ser indicado por um médico. Não se automedique.

Confira a entrevista completa abaixo:

1. De onde partiu o seu interesse sobre a sulbutiamina? Quais foram as motivações do seu grupo para a revisão de literatura sobre esse composto? 

Logo após receber o título de Mestre em Bioquímica pela Federal do Paraná um dos principais sites internacionais de informações sobre saúde (Selfhacked.com) me “admitiu” como colunista. Eles me enviavam temas de tempos em tempos, e coincidentemente o primeiro foi sobre a Sulbutiamina. Assim, fiz uma busca completa sobre o tema e percebi que não existia uma revisão sobre essa forma polivalente da vitamina B1.

Por isso, contatei o principal pesquisador da área, o professor Lucien Bettendorff e o meu já amigo e grande pesquisador Pedro Carrera-Bastos. Após algumas discussões sobre os artigos começamos a escrever sobre o tema e possivelmente conseguimos abranger quase todas as ações e atividades já descritas na literatura para essa molécula.

2. Você poderia explicar, em linhas gerais, o que é a sulbutiamina - a história desse composto, sua relação com a vitamina B1, e suas indicações terapêuticas?

Arcalion (sulbutiamina)

Criada no Japão durante os anos 60, a sulbutiamina é a fusão de duas moléculas de tiamina através de uma ligação dissulfeto. Além disso, uma O-acilação de quatro carbonos ocorre em cada uma das moléculas “iniciais” da tiamina. 

Inicialmente a Sulbutiamina era comercializada na França com o nome farmacêutico de Arcalion, onde sendo alvo de vários estudos na época começou assim a apresentar um dos seus principais efeitos, a capacidade de se difundir pelas membranas, principalmente do sistema nervoso central, de forma muito mais eficaz do que outras formas derivadas de tiamina. Isto a fez ser considerada a forma mais adequada para se atravessar a barreira hemato-encefálica (barreira que separa o sangue do cérebro).

Suas principais ações descritas até o momento são: 

- estímulo da peristalse gastrointestinal 

- melhora na aquisição da aprendizagem após 24 horas do aprendizado em camundongos

- evolução mais rápida em relação ao grupo placebo nos primeiros 7 dias de tratamento contra astenia (fadiga) porém não apresentando resultados positivos a mais longo prazo 

- melhora na velocidade da condução nervosa e na atividade motora 

melhora no índice de função erétil em 40% dos pacientes 

- aumento da atividade de GST (glutationa S transferase) (uma enzima antioxidante) e consequente menor apoptose celular

- possível ação contra Microsporidiose (micose oportunista causada por fungos) e no tratamento de câncer malignos.

3. Falando um pouco sobre as propriedades desse composto, o que se sabe sobre os efeitos da sulbutiamina no cérebro? 

Em especial, é citado que a sulbutiamina tem efeitos neuroprotetores, com a suprarregulação de glutationa; e que ela tem efeitos moduladores na transmissão de glutamato e dopamina no córtex. Gostaria que comentasse sobre o significado dessas ações. 

A maioria dos estudos são “in vitro” ou em outras espécies, e ainda não pode ser considerado que a Sulbutiamina trará os mesmos resultados em humanos. Porém esses são promissores, já que demonstram: 

- melhora na aquisição da aprendizagem após 24 horas do aprendizado em camundongos, 

- melhora na velocidade da condução nervosa e na atividade motora 

- aumento da atividade de GST (glutationa S transferase) e consequente menor apoptose celular 

4. Na revisão de literatura, é citado que a sulbutiamina, desde o começo de sua comercialização, tem sido considerada como uma "molécula nootrópica". Qual a sua definição de "nootrópico" e como a sulbutiamina se encaixa nesse conceito? 

Para mim nootrópica é qualquer substância que nos traga melhora na qualidade e fixação do raciocínio. Sendo assim semelhante à aquilo que os ergogênicos (gênico de gerar e ergo rendimento/performance) trazem para os atletas. A Sulbutiamina tem um potencial muito grande nessa classificação, além disso pode diminuir a fadiga de quem tem uma carga mental e cognitiva muito grande em seu dia a dia, o que pode torná-la uma molécula chave nesse caso.

5. Qual a segurança dessa substância? 

Estudos que respeitaram doses de até 400 mg por dia em humanos não apresentaram efeitos colaterais significativos.

6. Aproveitando seus conhecimentos sobre Nutrição, quais dicas gerais daria para aqueles que desejam melhorar o desempenho cognitivo? 

Sim, pensando na área nutricional o que mais vejo são pessoas querendo suplementar altas doses quando o mais importante é não se ter deficiência e o excesso não parece trazer benefícios adicionais. No caso da Sulbutiamina, por exemplo, ela terá efeitos positivos principalmente (mas não exclusivamente) em pessoas que tenham deficiência de B1 ou que potencialmente estejam “utilizando” muito seus estoques de B1 cerebrais. 

Dito isso, introduzir uma alimentação saudável (buscando ofertar o máximo de nutrientes) e a adequação quando necessária são pontos chaves para o desempenho cognitivo. Além disso podemos pensar em: 

- Níveis adequados de omega 3 (principalmente DHA - que tem uma maior “afinidade” pelo cérebro) 

- Cafeína, taurina e teanina quando se precisa de uma maior concentração.

7. Por último: se você tivesse todos os recursos que necessitasse disponíveis, qual estudo você conduziria sobre a sulbutiamina? 

A sulbutiamina poderia melhorar a resistência física

Efeitos da sulbutiamina no rendimento atlético em atividades multi-eventos (por exemplo - Tour de France). Isso porque ela tem potencial para diminuir a fadiga ocasionada pela última série de exercícios e trazer mais rendimento para a próxima atividade.

Descubra mais: como melhorar o desempenho do seu cérebro

Na segunda edição do meu livro, "Turbine Seu Cérebro", discuto amplamente como fatores nutricionais impactam na capacidade de concentração, memória e raciocínio. Também exploro como o sono de qualidade e o exercício físico podem melhorar o desempenho cerebral. 

Existem nootrópicos e substâncias - como suplementos alimentares, fitoterápicos e medicamentos - que são anunciadas como formas de potencializar o aprendizado, aumentar o foco, melhorar o humor e tornar o raciocínio mais ágil e afiado. Em meu livro, analiso o que a ciência diz sobre a eficácia e a segurança de de dezenas dessas intervenções. Tudo isso numa linguagem agradável e acessível, numa obra impecavelmente ilustrada.

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Um comentário:

  1. A sulbutiamina é realmente insolúvel em água? Ou quando se fala se solúvel em gordura é somente uma referência à capacidade de penetrar nabarreira hemato-encefálica e nas membranas celulares?

    Tomar em jejum levaria a baixa absorção?

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