O Semax é uma molécula fabricada em laboratório, ou seja, não existe na natureza. Ele é considerado um neuropeptídeo. Isso significa que é um peptídeo (conjunto de aminoácidos) que afeta o sistema nervoso central. Não é disponível no Brasil para uso humano, não tendo sido avaliado pela Anvisa.
É vendido na Rússia como medicamento para o tratamento de problemas neurológicos e cognitivos. Pesquisadores russos alegam que a substância é um nootrópico - isto é, que amplia as capacidades cognitivas e protege o cérebro. Mas poucas evidências estão disponíveis para comprovar essas alegações. Mesmo assim, em websites norte-americanos, entusiastas de nootrópicos chegam a elogiar o Semax como "
o caviar dos nootrópicos russos".
Confira o que a ciência diz sobre essa substância.
ATENÇÃO: esse artigo não promove nem endossa o uso de Semax, que não é registrado na Anvisa. O objetivo é apenas discutir o que se conhece a respeito dos seus efeitos.
Relação com o ACTH
O Semax foi desenvolvido tendo como base a molécula do hormônio adrenocorticotrófico (ou ACTH) [1]. Esse hormônio, que ocorre naturalmente em nosso corpo, é formado por 39 aminoácidos - unidades que ligam-se como blocos de Lego para montá-lo. O Semax é fabricado como um análogo de um fragmento inicial da molécula de ACTH - os aminoácidos 4 a 10.
No desenvolvimento do Semax, modificações no fragmento original 4-10 do ACTH foram realizadas, de modo a garantir resistência contra a metabolização. Com isso, o Semax tem um tempo de atividade mais longo (cerca de 20 vezes maior) in vivo que o fragmento original de ACTH.
Compostos com essas características - análogos do fragmento inicial de ACTH - são considerados por autores russos como "bem reconhecidos por suas potentes atividades neuro-restauradoras e atividades cognitivas" [1] [2].
Assim, a busca por moléculas com essas qualidades - que ajudassem a regenerar o tecido nervoso lesionado ou a melhorar as capacidades intelectuais - levou à criação do Semax e incentivou as pesquisas em torno dessa substância.
Na avaliação dos pesquisadores russos, o Semax tem "profundos efeitos no aprendizado e exerce pronunciadas atividades neuroprotetoras" após a aplicação intranasal.
É importante notar que o Semax não tem atividade similar ao ACTH. Apesar da sua semelhança estrutural com um fragmento do ACTH, o Semax é "completamente destituído de qualquer atividade hormonal associada com a molécula inteira de ACTH" [1].
Usos aprovados
Na Rússia, o Semax é aprovado como fármaco. Ele é o composto ativo de drogas intranasais "Solução de SEMAX-0.1%" e "Solução de SEMAX-1.0%", de acordo com a concentração. Esses medicamentos são indicados para o tratamento de traumas cerebrais, infartos e insuficiência circulatória e também para "melhorar as habilidades de aprendizado e formação de memória" [1].
As pesquisas sobre o Semax e o seu uso em países ocidentais, inclusive no Brasil, são escassos ou inexistentes. Em outros países, o Semax não foi avaliado, regulado, nem aprovado por nenhuma agência sanitária, inclusive a Anvisa. Isso significa que não pode ser comercializado para uso humano.
Eventuais formulações disponíveis possuem risco de adulteração e não tem garantia de qualidade nem segurança.
Eficácia como nootrópico
Na Internet, especialmente em sites estrangeiros, o Semax é promovido como um nootrópico - uma droga que melhora as funções cognitivas e tem ação neuroprotetora.
Pesquisadores russos também afirmam que o "Semax apresenta efeito nootrópico, aumentando a atenção seletiva no momento do recebimento de informações, melhora a consolidação da memória, aumenta a habilidade de aprendizado e amplia a adaptabilidade do cérebro ao aumentar sua estabilidade aos danos de fatores de estresse" [3].
Porém, as evidências científicas que sustentam essas alegações são ainda muito fracas. Há poucos estudos em pessoas saudáveis demonstrando que o Semax cause mudanças significativas na capacidade intelectual.
Para Carlos Tello, PhD em Biologia Molecular, "muitas das alegações que pessoas fazem sobre essa droga são infladas, e devem ser avaliadas com ceticismo até que mais dados científicos estejam disponíveis" [4].
"Ação benéfica na eficiência de trabalho"
Um pequeno estudo russo em homens saudáveis apontou que o Semax teve uma "ação benéfica na eficiência de trabalho de operários após a administração intranasal de 0.25 - 1.0 mg do peptídeo". O efeito foi prolongado (entre 20 a 24 horas).
A partir aplicação de testes neuropsicológicos durante os turnos de trabalho, os pesquisadores concluíram que o Semax causa um "aumento da atenção, memória de curto-prazo e na habilidade de tomar a decisão correta". Esses achados não foram replicados [5].
Aumento da atividade na rede cerebral padrão
Em outro estudo pequeno, publicado em 2018, pesquisadores avaliaram os efeitos do Semax na ressonância magnética de 11 homens e 13 mulheres ao redor dos 43 anos. A aplicação intranasal da solução de 1% de Semax causou um aumento da atividade na rede cerebral padrão (default mode network) [6].
Essa é uma área do cérebro envolvida com a capacidade de empatia (supor ou imaginar as emoções e intenções dos outros), reflexões sobre o próprio estado emocional, raciocínio moral (refletir sobre o que é justo ou injusto) memória episódica (relembrar eventos do passado), e imaginação sobre o futuro.
Carlos Tello avalia que a relevância desses resultados não é clara. "Os resultados relatos por dois ensaios clínicos (...) e alguns estudos em animais não podem ser considerados evidência suficiente para sustentar o uso do Semax como um melhorador da memória. Ensaios clínicos mais amplos e robustos são necessários" [4].
Mecanismos de ação
Vários pesquisadores russos buscaram elucidar como o Semax age no cérebro. Porém, os detalhes dos mecanismos que explicam "a ação cognitiva do Semax", assim como de outros neuropeptídeos similares, são consideradas "amplamente desconhecidas" [1]. Trabalhos de pesquisa apontam alguns possíveis mecanismos:
Aumento dos níveis de BDNF no cérebro
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O Semax estimularia novas conexões entre neurônios, conforme pesquisas preliminares
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O BDNF é uma neurotrofina - grosso modo, um "fertilizante cerebral", que estimula e controla a criação de novos neurônios e também de novas conexões sinápticas. O BDNF é considerado vital para a memória e o aprendizado. O BDNF também tem papel importante para a recuperação neurológica após lesões no cérebro. Pesquisas ainda relacionam baixos níveis de BDNF com problemas de humor.
Pesquisa da Academia de Ciências Russa mostrou um aumento de 40% de BDNF no hipocampo (área do cérebro crucial para a memória) de ratos após uma única aplicação de Semax. Além disso, nesses animais, o Semax melhorou a aquisição de aprendizados em testes padronizados [1].
Para os autores, "é bem estabelecido que o BDNF é um poderoso modulador (...) da plasticidade sináptica" e que "processos dependentes de BDNF são essenciais para o aprendizado e a formação de memórias". Por isso, consideram ser "tentado especular que o Semax exerce seus efeitos cognitivos ao modular a via de sinalização do BDNF no hipocampo", embora reconheçam que isso ainda precise ser comprovado [1].
Outras pesquisas (em cultura de células e em animais) também demonstram que o Semax aumenta os níveis de BDNF e de outras neurotrofinas, como o NGF, também envolvido na regulação da proliferação e sobrevivência dos neurônios [7, 8, 9].
Interação com acetilcolina / neuroproteção
Pesquisadores decidiram avaliar os efeitos do Semax em neurônios de uma região do cérebro comumente afetada pela demência e o Alzheimer - o prosencéfalo basal. Essa região é rica em neurônios produtores de acetilcolina, que regulam os níveis de alerta e atenção, além de encorajar a memória e o aprendizado. Comprometimento dos neurônios dessa região pode causar amnésia.
Em cultura de células, o Semax aumentou a sobrevivência desses neurônios e também estimulou a produção de acetilcolina. Os resultados são muito preliminares, mas os autores acreditam que podem ter implicações para a doença de Alzheimer [6].
Ativação do sistema de dopamina e serotonina / humor
Pesquisa demonstrou que o Semax rapidamente "ativa os sistemas dopaminérgico e serotoninérgico" no cérebro de roedores. Ou seja, o Semax estimula a atividade dos neurotransmissores dopamina e serotonina, que tem profundos efeitos no humor.
A droga causa um aumento dos níveis de serotonina. Além disso, "dramaticamente aumenta os efeitos" da d-anfetamina. A anfetamina promove um aumento de dopamina e também da atividade locomotora - com a aplicação anterior de Semax, essas ações da anfetamina foram potencializadas [7, 8].
Na interpretação de um autor, esses resultados preliminares podem indicar o potencial terapêutico do Semax nos casos de depressão. Ele considera o Semax de um "neuropeptídeo revolucionário", que por sua ação nas neurotrofinas e "potencial efeito psicoestimuante" (devido ao aumento de dopamina), poderia ser útil no tratamento de depressão, como potencializador dos antidepressivos convencionais [9].
Também por conta desses efeitos, outros autores sugerem que o Semax tem utilidade potencial para o tratamento de TDAH [10].
Efeitos colaterais e segurança
Na Rússia, o Semax é vendido como medicamento. Poucas informações sobre a segurança em longo-prazo dessa substância estão disponíveis na literatura científica, em inglês, especialmente entre pessoas saudáveis.
No Brasil, o Semax não foi oficialmente aprovado nem regulado pela Anvisa para aplicações médicas ou uso em humanos. Não há formulações seguras disponíveis comercializadas no Brasil.
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