terça-feira, 14 de agosto de 2018

Entrevista: fluoromodafinil, com Nessa Carson


Nessa Carson é formada em Química Orgânica e trabalha no Reino Unido na área de Química Medicinal. Ela tem vasta experiência na fabricação de novas moléculas - cada uma delas uma substância com potencial para um dia chegar às prateleiras de uma farmácia. Mas não é simples.

É um trabalho estilo Thomas Edison. O inventor da lâmpada elétrica tentou mais de 700 vezes até obter sucesso. Na área de Nessa Carson, uma enorme fatia de substâncias fabricadas não se torna um fármaco. Mas cada uma dessas moléculas é importante: entrega alguma informação útil, completando as peças de um quebra-cabeça.

Eu encontrei Nessa num grupo em inglês sobre melhoramento cognitivo. Ela examinava e comentava acerca de um certificado de análise da New Mind - empresa estrangeira que vende nootrópicos. O produto em questão era o fluoromodafinil - versão '2.0' do modafinil, usado off-label para aumentar a concentração e o alerta - e Nessa Carson foi bem crítica à qualidade da amostra. Ela apontou falhas e problemas em potencial identificados na análise da amostra.

Nos Estados Unidos, os revendedores exploram uma brecha legal: não é ilícito vender esses produtos, desde que seja explícito que eles "não são para consumo humano" e que são "para fins de pesquisa em laboratório". Na prática, essa área cinzenta da legislação possibilita que mesmo substâncias nunca submetidas ao escrutínio de ensaios clínicos cheguem a milhares de consumidores.

Nessa entrevista, ela comenta um pouco sobre as propriedades do fluoromodafinil e sobre sua interpretação desse mercado de nootrópicos.


Da onde vem a ideia de adicionar átomos de flúor na estrutura do modafinil? É um procedimento comum?
A fluorinação de moléculas de drogas (já existentes ou naquelas ainda em desenvolvimento) é incrivelmente comum. Eu trabalhei na síntese de compostos em Química Medicinal por um tempo, e a maioria das moléculas que eu criei tinha um átomo de flúor em algum lugar [de sua estrutura]

Como isso torna o fluoromodafinil diferente?
Um bom aspecto do flúor é que ele é muito pequeno, então colocá-lo no lugar de um hidrogênio na molécula não muda tanto a estrutura tridimensional.

No entanto, ele pode mudar as propriedades do composto de modo significativo. Além de mudar a lipofilicidade [afinidade por gorduras, que geralmente facilita a passagem pela barreira hematoencefálica] e solubilidade, o flúor faz ligações muito fortes com os esqueletos de carbono. As fortes ligações entre o carbono e flúor tornam o composto muito mais difícil de ser metabolizado - ou seja: a droga irá ficar ativa no seu organismo por mais tempo.

E quais as consequências dessas mudanças?
Isso pode tanto ser útil quanto prejudicial! Mas eu penso que o objetivo, em se tratando de nootrópicos legais mas não regulados, é que a fluorinação é uma boa aposta a fim de não mudar totalmente as propriedades de um composto, e ao mesmo tempo torná-lo tecnicamente diferente.

E quanto à segurança desses compostos experimentais fluorinados?
Uma aposta nunca é suficiente para garantir a segurança. E se não há ensaios clínicos e farmacovigilância após a introdução da droga no mercado, nós não podemos ter certeza de sua segurança.

Fluroomodafinil (CRL-40,940) da New Mind
Você foi crítica a respeito de um certificado de análise da New Mind. O que lembra da ocasião?
Lembro-me muito bem daquela análise da New Mind. Eu mencionei com alguns dos meus colegas e eles ficaram chocados ao saber que as pessoas estavam explorando aquela brecha legal de forma tão amadora e perigosa. É possível que aquela amostra, em particular, não fosse perigosa para consumo humano. 

No entanto, eu fiquei completamente em choque com a incompetência arrogante da New Mind, eles não tinham ideia de quais eram as outras substâncias nas cápsulas/pó. Quem quer que seja que estava produzindo e analisando os produtos deles não tinha qualquer ideia do que estava fazendo.

Qual a impressão que teve, com sua expertise?
Me parece que eles estavam apenas seguindo uma fórmula e reproduzindo-a mal. Quando você está fabricando drogas de verdade para consumo humano, você segue uma fórmula ('receita'). Mas é um processo muito intenso e cada análise é escrutinada para confirmar que não há nenhuma discrepância.

Não apenas isso, mas deixar solvente extra no produto final é incrivelmente amador - eu lembro de ver um graduando demitido de um laboratório de pesquisa porque ele repetidamente cometia esse erro. Isso em compostos que nem mesmo eram para fins medicinais. Tão logo percebessem isso, eles deveriam ter ficado constrangidos, removido todo o solvente, refeito a análise e mudado os procedimentos, em vez de apenas exportar os compostos para consumidores incautos

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