Um "remédio pro coração" surge para alguns como arma para combater a tensão diante de provas ou de plateias
Você já deve ter enfrentado várias vezes uma montanha russa de emoções em situações como falar em público, diante de uma grande plateia, ou ao realizar uma prova ou teste cognitivo importante. A descarga de adrenalina pode deixar o rosto vermelho, o coração palpitando, as mãos trêmulas, os pés frios, a voz falha e fazê-lo suar. Isso, fisicamente.
No plano cognitivo, há uma queda na produtividade, concentração e performance devido ao estresse demasiado. Bem-vindo ao mundo da ansiedade de desempenho. É o nome dado a esse coquetel de sintomas desagradáveis disparados por situações em que estamos sendo avaliados.
Uma alternativa inusitada
Uma arma farmacológica um tanto inusitada tem despontado no combate a esse problema: o propranolol. É um remédio que é oficialmente indicado para tratar doenças cardiovasculares. Em uma pesquisa informal da revista Nature, o propranolol (ou drogas similares) mostrou-se o remedinho de escolha de 15% daqueles que usam algum fármaco para melhorar as capacidades cognitivas.
Por que um remédio para o coração atrai tanta gente? Um relato informal publicado no Reddit ajuda a entender o fascínio:
"É absolutamente uma droga maravilhosa para mim (...). A primeira vez que eu utilizei o propranolol foi para uma apresentação na universidade - o tipo de coisa que arruinaria minha semana inteira. Algo incrível aconteceu: a apresentação inteira fluiu, eu me senti ótima e sem preocupações. O propranolol efetivamente eliminou cerca de 90% dos sintomas físicos da ansiedade de desempenho. Isso me permitiu ficar de frente para a classe com a mente clara".
Como o propranolol age?
Qual é a mágica? Para entender como o propranolol age, precisamos falar da adrenalina. Numa situação entendida como "perigo", liberamos esse hormônio. Além daqueles sintomas físicos que falamos, a adrenalina faz mais. Eles nos deixa muito alertas, despertos, eufóricos e movidos pelo instinto. Toda a atenção voltada para lutar contra o estímulo perigoso. E é aí que está o problema.
"A capacidade de se concentrar apenas em sobreviver é excelente na selva, diante de um tigre. Mas é um tiro que sai pela culatra em testes cognitivos, em que o perigo é feito de papel". É o que nota o médico Harris Faigel, que realizou um estudo sobre o efeito propranolol nessas situações (veremos logo mais).
O pulo do gato é que essa droga bloqueia os efeitos da adrenalina - deixando-nos "imunes" à descarga adrenérgica dessas situações de estresse. Isso poderia nos deixar, de fato, mais relaxados e confiantes a ponto de ter um desempenho melhor? Faigel pôs isso à prova lá trás, em 1991.
Levando o propranolol ao júri
O pediatra selecionou estudantes do Ensino Médio que se queixavam de um alto grau de ansiedade em exames - a ponto de interferir no raciocínio e, por exemplo, dar o famoso "branco". Faigel chamou isso de "disfunção cognitiva induzida pelo estresse".
Para esses alunos, o pediatra deu propranolol uma hora antes deles realizarem uma prova chamada SAT, a versão americana do Enem, grosseiramente falando. Os adolescentes fizeram, em média, 130 pontos a mais do que no último teste, quando tinham ido "puros". Apenas um dos 32 estudantes queixaram-se de efeitos colaterais, nota Faigel.
Mente mais solta
Estudos mais recentes sugerem que o propranolol beneficia principalmente uma habilidade intelectual chamada flexibilidade cognitiva. É ela que nos permite "pensar fora da caixa", fazer associações inovadoras e solucionar problemas. Também melhora a fluidez verbal - nossa capacidade de acessar nosso vocabulário e utilizar com mais destreza recursos semânticos. E, justamente, é especialmente sensível ao estresse.
Em situações de estresse, ficamos mais "rígidos". Em um número de ensaios [1, 2, 3], o propranolol contrapôs os efeitos prejudiciais do estresse na flexibilidade cognitiva em pessoas saudáveis. Ele melhorou o tempo e a capacidade de solucionar anagramas - uma tarefa que exige raciocínio associativo, criativo e acesso a recursos léxico-semânticos.
Ainda mais curioso é que, em 2012, a Marinha dos Estados Unidos avaliou os efeitos do propranolol em homens saudáveis. Esse estudo militar merece destaque: adotou uma bateria de testes neurocognitivos muito sensível, capaz de detectar diferenças mínimas na capacidade intelectual. O propranolol não prejudicou a cognição - e melhorou a precisão numa das tarefas que exigia concentração e memória operativa.
Os problemas
Apesar dessa tendência de uso e do resultado das pesquisas, é importante que nenhum desses estudos avaliou o efeito do propranolol em longo-prazo por pessoas saudáveis. A droga, contraindicada para pessoas com asma, também interfere na frequência cardíaca e na regulação da pressão arterial - o que pode ser perigoso. Por tudo isso, a automedicação é desencorajada.
Pessoas com ansiedade de desempenho incapacitante devem buscar um médico para encontrar tratamento individualizado e adequado. Além disso, alternativas como a Terapia Cognitivo-Comportamental mostram-se valiosas para manejar o problema de forma definitiva.
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