segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Fluoromodafinil: o despertar de um "potente estimulante da vigília"

Modafinil da Cephalon
Com vendas que somavam em torno de 1 bilhão de dólares ao ano, em 2015, o modafinil ainda é o carro-chefe da companhia farmacêutica Cephalon.

Num artigo chamado "O negócio bilionário de ser inteligente", autores revelam que 80% dessas prescrições do modafinil, porém, não foram destinadas a pacientes com narcolepsia - ataques irresistíveis de sono, que é a indicação real da droga. [R].

Na verdade, médicos mais prescreviam o modafinil como "ferramenta para manter o cérebro afiado" - no tratamento da fadiga, por exemplo. Também sabemos que há um interesse crescente pela droga motivado por relatos da sua capacidade de melhorar as funções mentais. Uma meta-análise de 2015, por exemplo, concluiu que em tarefas complexas "o modafinil aparenta de modo consistente engendrar uma melhora da atenção, funções executivas e aprendizado" [R].

O curioso é que a Cephalon promovia, em parte, esse uso não-oficial do modafinil. A prática rendeu à empresa o pagamento de uma multa vultosa por marketing ilegal - algo inédito entre as empresas farmacêuticas. Todo esse cenário mostra o quanto, nos bastidores, a saúde é tratada como mercadoria.

Corrida pelo novo 'modafinil': JZP-110
Na esteira do sucesso do modafinil, que já há alguns anos teve sua patente quebrada, pequenas companhias farmacêuticas empreendem esforços para chegar a uma versão 2.0 da droga. Querem abocanhar  sua parte nesse latifúndio. E frutos dessa empreitada por novos fármacos capazes de promover a vigília - os chamados eugeroicos - estão o fluoromodafinil e o JZP-110 (solriamfetol). 

"Solriamfetol melhora a vigília em pacientes com narcolepsia", publicação do dia 2 de agosto do Neurology Today

O último é uma droga que potencializa os níveis de noradrenalina e dopamina, dois neurotransmissores importantes nos circuitos de sono e vigília [R]. O solriamfetol, da Jazz Pharmaceuticals, mostrou-se muito eficaz em ensaios recentes: pacientes com narcolepsia que o usaram conseguem manter-se acordados por mais tempo [R].

"Parece muito promissor. Há dados sugerindo que pode ser mais eficiente do que o que usamos de praxe hoje, que é o modafinil", comentou numa entrevista a doutora Rachel Marie, que é professora de Neurologia na Universidade Johns Hopkins [R]. De tão avançadas as pesquisas, o solriamfetol já aguarda a aprovação do FDA, o órgão regulador norte-americano. No final do ano, já será decidido se a droga irá chegar às prateleiras da farmácia.

Old, but gold - fluoromodafinil volta à vida

Nessa corrida por substitutos do modafinil, quem está na lanterna é o fluoromodafinil. Não trata-se de um composto exatamente moderno: esse derivado do modafinil acumulava teias no fundo de um baú. Em 1982, o composto foi patenteado pelo mesmo laboratório que desenvolveu o modafinil. 

Na época, os pesquisadores notaram que o fluoromodafinil "especialmente em mais idosos (...) demonstrou excelentes resultados como medicamento estimulante", sem sinais "estimulação adrenérgica", como agitação psicomotora e ansiedade - o que acontece com as anfetaminas [R]. Mas o laboratório não levou essas pesquisas adiante.

Foi só 30 anos depois que o fluoromodafinil saiu do túmulo, resgatado pela empresa NLS Pharma, que o nomeou de lauflumida ou NLS-4. Ao patentearem o composto novamente, descrevem que ele "é 20 vezes mais potente que o adrafinil e 4 vezes mais potente que o modafinil" e ainda "mais eficaz que essas duas moléculas em suas indicações, com menos efeitos adversos".

O que é que o flúor tem?
Átomos de fluór na estrutura do fluoromodafinil
O fluoromodafinil - como o próprio nome pode fazê-lo suspeitar - tem a mesma estrutura do modafinil, mas com a adição de dois átomos de flúor. Esse é um elegante exemplo de como pequenas modificações numa molécula podem fazer uma grande diferença. 

Isso porque a ligação de carbono e flúor é extremamente forte - e mais difícil de ser quebrada por enzimas durante o metabolismo. A substituição pelo flúor também permite que um composto faça ligações mais fortes com os mesmos receptores que a droga que lhe deu origem. Também permite que moléculas atravessem melhor barreiras, como as membranas de células. Isso aumenta a biodisponibilidade e a potência da droga [R].

Mecanismo de ação do fluoromodafinil - adaptado de Learn Genetics
Um excelente exemplo do poder da adição do flúor é quando consideramos que o modafinil é, entre muitas outras ações, capaz de aumentar a dopamina, neurotransmissor ligado à motivação, alerta e concentração. Ele faz isso por bloquear uma proteína que retira a dopamina das sinapses. O fluoromodafinil tem a mesma ação - mas bloqueia essa proteína de forma mais eficiente [R].

Tanto que bloqueia 83% dessas proteínas - mais do que o próprio metilfenidato (Ritalina), que também tem esse efeito [R]. É bem possível que seja um agente dopaminérgico mais intenso.

É importante esclarecer uma confusão comum: potência não tem a ver com a intensidade dos efeitos. São coisas diferentes. Quando é dito que o fluoromodafinil é 4 vezes mais potente que o modafinil, isso não significa que eles seja 4 vezes mais forte. Significa que uma dosagem quatro vezes menor de fluoromodafinil tem o mesmo efeito que uma dosagem de modafinil.

De qualquer forma, como veremos adiante, parece que o fluoromodafinil, além de mais potente, também é mais forte (só não necessariamente 4 vezes mais).

Nova pesquisa: fluoromodafinil "é uma nova e potente molécula estimulante da vigília"
A NLS Pharma apresentou resultado do seu estudo, "Lauflumida (fluoromodafinil): um potente estimulante da vigília", em congresso de Miami ano passado. Os resultados foram publicados em junho.
É o que indica uma pesquisa publicada mês passado (julho/2018) pela NLS Pharma [R]. Cientistas demonstraram que uma dosagem 2,3 vezes menor de fluoromodafinil (NLS-4) manteve ratos alertas por mais tempo que o modafinil.


Nesses animais, 64mg/kg de fluoromodafinil produziu um estado de vigília que durou em média, 151 minutos; contra 109 minutos de vigília produzidos por 150 mg/kg de modafinil, nas condições de teste. A superioridade do fluoromodafinil foi estatisticamente significativa (abaixo). Interessante ainda é que doses maiores de fluoromodafinil não foram superiores - produziram o mesmo efeito.

O tempo necessário até adormecer foi maior entre ratos que receberam NLS-4 (fluoromodafinil)
Além disso, os estudiosos investigaram se alguma das drogas produzia um efeito rebote: sonolência excessiva. Esse é um problema comum com outros estimulantes, como o metilfenidato (Ritalina) e as anfetaminas. Apesar de promoverem vigília, eles cobram um preço: a necessidade de compensar esse tempo acordado com mais horas de sono.

Nem o modafinil, nem o fluoromodafinil produziram um efeito rebote significativo. Mas a necessidade de compensar o sono foi ainda menor com o fluoromodafinil - o que surpreende, considerando que ele produziu um tempo de vigília maior. "De forma intrigante, os camundongos dormiram menos após esse período após o NLS-4 (fluoromodafinil)".

Os resultados de invetigações por eletroencefalograma sugerem que a "recuperação (do sono) ocorreu mais rapidamente após o NLS-4 (fluoromodafinil)". Isso teria ocorrido por meio de um "aumento da intensidade do sono" em animais que receberam o composto. Já os ratos que receberam modafinil acumularam mais sono e tiveram que compensá-lo durante mais tempo.

Fluoromodafinil ainda é uma droga experimental

São necessários muitos anos de pesquisa para que uma nova droga chegue às prateleiras de uma farmácia. Apesar de ter resultados interessantes, o fluoromodafinil só está engatinhando no processo. Tudo o que sabemos sobre ele vem de poucas patentes, estudos in vitro (em tubo de ensaio) e em roedores.

Isso porque nenhum estudo formal em humanos avaliou sua toxicidade até hoje. E também pouco sabemos em termos científicos sobre seus efeitos na concentração, memória e outras funções intelectuais.

Adicionalmente, temos relatos de muitas drogas que passaram por rigorosos ensaios clínicos em humanos e foram usadas por milhões de pessoas até que, mais tarde, desvendaram-se riscos graves e efeitos adversos até então desconhecidos. Imagine, então, uma droga experimental jamais avaliada.

Portanto, o fluoromodafinil deve ser considerado uma molécula experimental, com riscos desconhecidos em humanos. Além disso, não há nenhum fornecedor no mundo autorizado a produzi-lo para consumo humano. Com isso, quem se arrisca a comprá-lo, além de se voluntariar como cobaia, está se sujeitando a um risco muito grande. A real procedência e a pureza do produto serão sempre desconhecidas.

Com isso, o risco de amostras com contaminantes tóxicos não é negligenciável - uma vez que não há aprovação nem inspeção do fluoromodafinil por nenhuma agência de vigilância sanitária.

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