sábado, 11 de agosto de 2018

Azul de metileno: um melhorador cognitivo (?) pouco convencional

O que um corante industrial tem a ver com nootrópicos?


Atenção: o azul de metileno não parece estar disponível, isoladamente, para consumo humano em nenhuma apresentação farmacêutica confiável ou acessível. O seu uso inadequado pode trazer riscos. Esse artigo tem fim informativo - e não prescritivo - e condena a automedicação.

Quando o assunto são substâncias para otimizar o desempenho intelectual, o que lhe vem à cabeça? Talvez você pense na cafeína, Panax ginseng, modafinil... Mas provavelmente não num corante sintético, usado também como tintura para cabelo e medicamento anti-malária.

Com utilidades tão variadas quanto um Bombril, falo do azul de metileno (cloreto de metiltionínio, se preferir). Não é novidade alguma. Ele já está por aí há um bom tempo - foram-se 142 aninhos desde que foi criado como corante. Não demorou tanto para despertar o interesse da Medicina [R].

Já em 1886, o cientista Paul Elrich injetou o azul de metileno em ratos pela primeira vez, e observou que ele tinha endereço certo: acumulava-se seletivamente em neurônios com alta atividade metabólica. Já foi investigado na esquizofrenia. Recentemente foi redescoberto como um candidato promissor no combate do Alzheimer - e como um nootrópico [R].

Cortando o mal pela raiz: efeitos no Alzheimer
No Alzheimer, a proteína tau tem uma configuração defeituosa, que a impede de estabilizar os microtúbulos - 'trilhos' por onde trafegam neurotransmissores e nutrientes
No Alzheimer, parece atuar na raiz do problema: o acúmulo de proteínas tau. Essas proteínas são comuns no cérebro sadio - sustentam 'trilhos' por onde passam neurotransmissores e nutrientes vitais aos neurônios. Mas, no Alzheimer, elas tem um defeito que as levam a se aglomerar num novelo de fibras espessas irremovível. Acumulam-se e levam à demência, disfunção e morte neuronal. 

E cientistas observaram que, justamente, o azul de metileno dissolve esses emaranhados tóxicos. A substância e derivados estão sendo avaliados em ensaios clínicos para verificar o seu poder em atrasar a progressão da doença [R].

Antioxidante e 'neuroprotetor mitocondrial'
Com o avançar das pesquisas, o azul de metileno "foi reconhecido como um dos mais potentes antioxidantes bloqueadores de cadeia", isto é, uma substância capaz de interromper as reações em cadeia disparadas pelos radicais livres, agentes naturalmente produzidos pelo metabolismo e nocivos às estruturas neuronais [R].

O pesquisador Francisco Gonzalez-Lima, que trabalha na Universidade do Texas em Austin, estuda o azul de metileno há anos e publicou vários artigos a seu respeito. Ele o chama de "agente nootrópico e neuroprotetor" [R].

Gonzalez-Lima tem especial interesse no papel do azul de metileno como neuroprotetor mitocondrial. É provável que você já tenha ouvido falar das mitocôndrias. Elas andam na moda. Não totalmente à toa: a disfunção mitocondrial tem sido revelada no cerne de doenças neurodegenerativas. 

As mitocôndrias (imagem abaixo) importam tanto aos neurônios porque, para usar uma analogia batida, são como pequenas usinas geradoras de energia. Sabe a energia que os neurônios usam para se comunicar, formar sinapses, fabricar neurotransmissores ou para qualquer outra coisa? 

Prazer, mitocôndria
Toda ela é gerada nessas mini Itaipus intracelulares. Mas, em vez de água, mitocôndrias geram energia a partir de nutrientes (de preferência, glicose) e oxigênio. E o azul de metileno dá uma mãozinha nesse processo, acelerando as reações que conduzem à formação da energia.

Como o azul de metileno alimenta as mitocôndrias
Ao doar elétrons, o azul de metileno aumenta a atividade de enzimas mitocondriais
"O azul de metileno pode doar elétrons (partículas elétricas, usadas no processo de geração de energia na forma de ATP) e aumentar o consumo de oxigênio", diz Gonzalez, num podcast do Smart Drug Smarts [R]. Todo esse jargão bioquímico é para dizer, em português claro: o efeito final do azul de metileno é o de acelerar as turbinas mitocondriais, permitindo produzir mais energia (ATP). 

Em condições normais, isso poderia aumentar a formação de radicais livres - um subproduto natural das reações formadoras de energia. ,Mas, como vimos, o azul de metileno consegue neutralizá-los, o que parece cair como uma luva.

"Uma ação crucial do azul de metileno parece ser melhorar a função mitocondrial", concorda outro artigo publicado no Journal of Alzheimer's Disease [R]. Os pesquisadores chamam atenção para a capacidade do composto de aumentar a atividade de uma enzima, a citocromo c oxidase - que é uma importante 'operária' na usina mitocondrial.

E o resultado de uma mitocôndria mega funcional, operando a toda e bem longe do volume morto? "Um alto nível de citocromo c oxidase associa-se com (...) o desempenho cognitivo", escrevem autores [R]. Pelo menos na teoria. E Gonzalez-Lima decidiu investigar.

"A grande pergunta que tínhamos era: será que melhorando a energia celular poderíamos melhorar a memória?", relembra o pesquisador Gonzalez-Lima. "A partir daí, fizemos vários estudos diferentes, mostrando que o azul de metileno pode otimizar a memória e também é neuroprotetor", conclui [R].

Efeitos na memória
Num recente, de 2016, Gonzalez-Lima e colaboradores demonstraram que o azul de metileno em "pequenas dosagens" (280 mg - aproximadamente 4 mg/kg) tem efeitos positivos na memória em humanos. O estudo contou com 26 pessoas saudáveis - que receberam azul de metileno ou placebo [R].

Os pesquisadores usaram ressonância magnética a fim de verificar quais áreas cerebrais eram ativadas durante o esforço cognitivo. Por exemplo, durante uma tarefa de vigilância psicomotora, houve um aumento da atividade nervosa no córtex da ínsula - região que, justamente, contribui para manter a atenção.

Ocorre que a atividade no córtex da ínsula foi significativamente maior entre aqueles que receberam o azul de metileno - o que significa que o composto melhorou a atividade metabólica naquela área que estava sendo requisitada durante a tarefa.

Da mesma forma, as imagens da ressonância mostraram que o suplemento, durante uma tarefa de memória, aumentou a atividade justamente em circuitos neuronais necessários à essa função - envolvidos na codificação, consolidação e recordação de informações. Ou seja: o azul de metileno foi capaz de aumentar a produção de energia em áreas que tinham maior demanda, 'recrutadas' pelos exercícios intelectuais.

O azul de metileno também aumentou significativamente, em 7%, o número de respostas corretas numa tarefa de memória, que envolvia a recordação de informações recebidas anteriormente. "Em suma, nossos resultados sugerem que, em humanos, baixas doses de azul de metileno podem melhorar o processamento da memória operativa no cérebro", concluíram os pesquisadores.

Outros efeitos
Apesar de outros efeitos serem relatados empiricamente - humor, energia, motivação - eles não parecem ter sido alvo de investigações científicas em pessoas saudáveis.

Além disso, outros efeitos em neurotransmissão - inibição da monoamina oxidase (levando a aumento da transmissão de dopamina e noradrenalina), da colinesterase (aumentando a acetilcolina), entre outros - foram observados in vitro, ou seja, em tubo de ensaio. É possível que não ocorram de modo relevante após administração via oral em doses baixas.

Os problemas do azul de metileno
Efeito hormético

Esse efeito melhorador da memória já havia sido demonstrado em pessoas com claustrofobia [R] e também em vários estudos com roedores saudáveis [R, R, R, R, R, R]. Porém, ocorre somente de acordo com a dose. Segue um princípio conhecido como hormese: altas dosagens tem um efeito prejudicial à memória e podem mesmo ser tóxicas - o oposto de pequenas dosagens (consideradas como 0.5 - 4 mg/kg) [R]. Dosagens intermediárias não tem qualquer efeito [R].

"Isso soa estranho para as pessoas que dizem que, quanto mais, melhor. Não é esse o caso, de forma alguma, com o azul de metileno", afirma Gonzalez-Lima [R]. "A dosagem de 4 mg/kg foi a mais confiável em melhorar a memória após uma única administração", diz, em seu artigo [R].

Dificuldades em precisar a dose

Como dosagens elevadas podem ser tóxicas e mesmo fatais, é um composto que deveria ser usado de forma bem controlada - em doses bem precisas. Isso não parece ser viável hoje. Até onde pesquisei, não há nenhuma apresentação farmacêutica (ou seja - apropriada para consumo humano) de azul de metileno isolado, com dosagens claras (que diga: x mg/cápsula ou mL, por exemplo).

Além disso, como não é nem mesmo aprovado como melhorador cognitivo - apenas para outras indicações bem diferentes - a sua prescrição médica para tal fim soa fantasiosa.

Não sei quanto à manipulação do composto na prática - se é feita e sobre a qualidade da mesma. O que nos leva a mais um ponto:
Impurezas
Péssima ideia...
Pode ser meio intuitivo, mas que fique claro: o azul de metileno que se usa para tingir tecidos ou fios de cabelo não é apropriado para consumo humano. Pelo contrário, podem ser tóxicas, devido ao acúmulo de contaminantes. 

"Mesmo quando produzido de acordo com normas sanitárias para consumo humano, o azul de metileno contém impurezas, como arsênio, alumínio, cádmio, mercúrio e chumbo Em pequenas doses, a presença desses contaminantes não é de muita preocupação (...). O azul de metileno vendido para a indústria e laboratórios pode consistir demais de 8 ou 11% de vários contaminantes e não devem ser administrados para humanos ou animais", diz Gonzalez-Lima [R].

Como não há (aparentemente) nenhum medicamento de azul de metileno isolado disponível, a impureza é um ponto de preocupação e que impede o consumo por humanos.

Segurança
Em estudos usando o azul de metileno em humanos, os efeitos colaterais mais comuns foram dores para urinar e  vômitos - isso especialmente em dosagens elevadas. Outro efeito muito comum é a mudança para a cor da urina para azul ou verde (!) [R].

Para o artigo publicado no Journal of Alzheimer's Disease, o azul de metileno tem a seu favor o fator de "ser reconhecido para uso em humanos". Isso porque, pontuam, há registros de longa-data sobre a segurança do seu uso em diversas doenças [R].

Aprenda mais
Uma ferramenta indispensável para aprender sobre o universo dos nootrópicos é o livro digital Turbine seu Cérebro. Lá, você encontra informações em detalhes - incluindo pesquisas científicas e relatos - sobre diversas dessas substâncias.

E mais: o livro aborda amplamente sobre peças cruciais para manter a mente afiada, como a qualidade do sono, da nutrição e a prática de exercícios.


O livro tem fins informativos, não sendo destinado a prescrição de qualquer substância para fins terapêutico.

2 comentários:

  1. Acho que hoje em dia já tem informações suficientes para atualizar esse post. Principalmente sobre a forma de uso que é possível encontrarmos em doses de 1-5% USP, perfeita para uso sublingual.

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  2. Olá, como converter esses valores em % para mg?
    Obrigada!
    P.s.: tenho TDAH

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