terça-feira, 1 de setembro de 2015

Liberar o Stavigile para uso social? Pesquisadores debatem sobre a polêmica

A pílula da inteligência tem grande potencial para estimular a função cognitiva e tornar a humanidade mais produtiva. Mas é preciso discutir o Stavigile em sociedade

Ruairdh McLennan Battleday é Doutorando na Universidade da Califórnia, Berkeley
Anna-Katharine Brem é uma pesquisadora com Pós-Doutorado na Universidade de Oxford

Esse artigo foi originalmente publicado no The Conversation. Leia aqui o artigo original.
A tradução livre do artigo e as inserções em vermelho são do blog "Turbine Seu Cérebro".


Por Anna-Katharine Brem e Ruairidh McLennan Battleday, autores do estudo que diz que a modafinila (Stavigile) é eficaz e seguro em aumentar a inteligência de pessoas saudáveis

A extensão das nossas capacidades "naturais" por meio da tecnologia não é um fenômeno novo. Na verdade, foi um fator essencial para a evolução da sociedade humana no decorrer da história: a invenção da roda, a navegação com a bússola e a comunicação usando ondas eletromagnéticas são exemplos.

O campo da "neurocosmética" - usando o nosso entendimento de como o cérebro funciona a fim de melhorar suas capacidades - pode muito bem ser o próximo passo.

Foto: Internet (fonte)
Nossa nova pesquisa, que revisou os efeitos cognitivos da modafinila (Stavigile, no Brasil), a "pílula da inteligência", descobriu que ela pode aumentar o desempenho de pessoas saudáveis em testes cognitivos. Ou seja:a modafinila pode ser considerada, cientificamente, o primeiro remédio que turbina o cérebro.

Mas, o que também é claro é que nós precisamos melhorar radicalmente nosso jeito de analisar como essa droga afeta tanto cérebros saudáveis, quanto a sociedade como um todo.

A modafinila é uma droga estimulante, aprovada pela Anvisa para ajudar pessoas com transtornos de sono a manter a vigília. Isso significa que a sua segurança em humanos já foi confirmada em um contexto clínico, num período relativamente longo, em múltiplas doses.

Nos indivíduos com narcolepsia, além de muitos outros pacientes com doenças neuropsiquiátricas, o consumo da modafinila ajudou a melhorar um leque de funções cognitivas, trazendo suas habilidades para um nível que é considerado "normal"

Em indivíduos privados de sono, incluindo pilotos e médicos, a modafinila também demonstra o mesmo efeito.

Uma revisão da literatura científica

Porém, nós queríamos descobrir qual seria o efeito da modafinila em pessoas saudáveis, que não estavam privadas de sono. 

Analisamos 24 estudos - de 1990 até 2015 - e concluímos que a modafinila também aumentava as funções cognitivas, particularmente as funções cognitivas mais complexas e executivas, como resolução de problemas e planejamento.

Esse aumento no desempenho não foi visto em todas as pessoas, em cada estudo analisado, em todas as ocasiões; e, para algumas funções intelectuais, como atenção, aprendizado e memória, muitos estudos falharam em demonstrar qualquer diferença que fosse entre o grupo que tomou placebo e o grupo que usou a modafinila.

Nós fomos até mesmo capazes de fazer algumas inferências de como a modafinila age: por exemplo, os efeitos que nós observamos podem ser explicados por um efeito de melhorar "mais as funções mais complexas e menos as funções menos complexas" do processamento cognitivo. 

Observamos a otimização das atividades das regiões pré-frontais do cérebro, que são as que comandam as funções executivas.

Além disso, nos estudos que nós analisamos, as pessoas que usaram a modafinila reportaram um número baixo de efeitos colaterais - e todos foram vistos em proporções iguais nos grupos placebo que participavam dos mesmos testes.

O "efeito teto"

Enquanto coletávamos os dados para nosso estudo, nós ficamos surpresos com a metodologia usada pelas pesquisas anteriores sobre a modafinila.

Primeiro, o total de estudos que focavam em pessoas saudáveis era muito baixo, assim como era o número de voluntários nesses ensaios - uma média de 30 participantes por estudo.

Segundo, muitos estudos usavam testes de inteligência que pareciam inapropriados -  testes normalmente usados para determinar déficits cognitivos em pessoas com doenças neuropsiquiátricas ou transtornos neurológicos.

O problema disso é que as pessoas saudáveis tinham um desempenho ótimo mesmo quando não tomavam a droga - algo que a ciência chama de "efeito teto". Elas já atingiam o seu limite e a droga não poderia aumentar o desempenho. Com esses testes, melhoras no desempenho por causa da modafinila são mais difíceis, senão impossíveis, de detectar.

Quando colocamos ossas descobertas nesse contexto, os benefícios cognitivos da modafinila se tornaram muito mais robustos, afetando numa variedade de domínios da inteligência, incluindo a atenção, função executiva, e aprendizado e memória.

Essa foi uma das principais diferenças da nossa análise. Outras revisões de estudos sobre a modafinila anteriores não haviam examinado com mais profundidade a metodologia usada. Com isso, essas revisões concluíram que a modafinila não tinha status de melhorador cognitivo.

Nosso estudo indica que, em ambientes cientificamente controlados, o uso da modafinila para melhora cognitiva é seguro e eficiente - mantendo em mente que a maior parte dos estudos que observamos apenas usaram uma única dose de modafinila. Por isso, é difícil falar em benefícios em longo prazo.

É preciso de uma nova abordagem
É necessário continuar essa avaliação sobre a modafinila usando abordagens científicas clássicas, com exames cognitivos mais apropriados, maior número de voluntários em estudos, períodos de administração prolongados e uso comparados com outra intervenções - como treinamento cognitivo e formas de estimulação cerebral não invasivas - e monitorar as mudanças fisiológicas e diferenças da droga em cada faixa etária.

No entanto, quando consideramos o amplo uso indevido da modafinila por pessoas sem qualquer transtorno de sono, uma abordagem mais útil e ética pode ser usar testes que espelham atividades cotidianas. Desse modo, poderemos avaliar os efeitos da modafinila numa situação rotineira.

Então, talvez, a descoberta mais importante do nosso estudo é de que a infraestrutura e a metodologia que usamos atualmente para avaliar a melhora cognitiva (em indivíduos que já são saudáveis) é inadequada. 

Nós precisamos elaborar, melhorar e padronizar os regimes de testes cognitivos que são aplicados em pessoas saudáveis e que tem as faculdades intelectuais intactas.

O futuro da neurocosmética
Mesmo os problemas destacados acima não são nada quando comparados com a questão de como integrar as tecnologias e fármacos que interagem diretamente com o cérebro na vida em sociedade.

Novos agentes inevitavelmente irão chegar, e logo: considere a próxima geração de pílulas da inteligência e smartphones, Google Glass e o Microsoft HoloLens.

Esses avanços tem considerável potencial para nos alterar: a extensão da profundidade da compreensão humana pode nos permitir a apreciar mais os mistérios e a beleza do mundo ao nosso redor, modificar relacionamentos e conquistar um maior entendimento de nossas ambições e preocupações mentais. 

Da mesma forma, isso pode nos permitir ser mais produtivos, inovadores e mentalmente resistentes.

No entanto, como sempre, junto desse potencial benéfico, há também um lado negativo: quem poderá usar essas drogas, dependência e doping são questões que irão surgir. 

Mas, em vez de apresentar esses problemas como argumento para descartar as drogas da inteligência, nós devemos considerar a polêmica sob a luz dos possíveis benefícios que a modafinila poderia trazer para nós.

Para fazer isso de modo eficaz e justo, nós precisamos criar uma melhor plataforma para fazer um debate em sociedade sobre esses tópicos - onde o desenvolvimento, avaliação e regulamento de agentes nootrópicos podem ser discutidos por todos de forma igualitária, antes de que a modafinila atinja consumidores sem qualquer problema neuropsiquiátrico.

Ruairdh McLennan Battleday é Doutorando na Universidade da Califórnia, Berkeley
Anna-Katharine Brem é uma pesquisadora com Pós-Doutorado na Universidade de Oxford

Esse artigo foi originalmente publicado no The Conversation. Leia aqui o artigo original.
A tradução livre do artigo e as inserções em vermelho são do blog "Turbine Seu Cérebro".


Nenhum comentário:

Postar um comentário