segunda-feira, 7 de julho de 2025

COLETÂNEA ORIGINAL SOBRE SULBUTIAMINA -- Odisseia científica em tempo real

Uma substância órfã, uma investigação sem roteiro, e descobertas que ninguém esperava.

Esses textos não foram escritos para este blog. Eles nasceram de um impulso de estudo, em meio a uma imersão pessoal e solitária sobre a sulbutiamina. Na época, eu estava usando o Mindsera como espaço de escrita — um tipo de diário reflexivo com IA, mas o que saiu foi mais do que notas: foram ensaios espontâneos, híbridos, entre a ciência e a filosofia bioquímica.

Primeiro, a parte honesta: Os cinco textos que seguem documentam uma investigação científica real acontecendo em tempo real. Começou como um estudo respeitoso sobre um composto vitamina-like obscuro e terminou propondo uma nova categoria farmacológica para "força de vontade". O problema? A jornada tem altos e baixos.

Se você tem pressa ou pouca paciência para bioquímica densa: Vá direto aos textos 4 e 5. Eles contêm as descobertas mais fascinantes - militares brasileiros usando sulbutiamina em 1985, ciclistas do Tour de France, um nadador grego obsessivo, pacientes com Alzheimer, e uma teoria sobre como funciona a força de vontade humana. São mais acessíveis, bem mais interessantes, e você não perde nada essencial.

Se você quer a jornada completa de descoberta: Comece do texto 1 e acompanhe como a investigação evolui - desde questionamentos tímidos até ruptura completa com autoridades científicas inadequadas. Aviso: os três primeiros são densos, técnicos, e às vezes chatos. Mas documentam como se constrói conhecimento científico original.

O que acontece nesta investigação:

  • Uma vitamina que não é vitamina
  • Um especialista mundial que contradiz os próprios dados
  • Estudos em lugares impossíveis (quartel brasileiro, Tour de France)
  • Casos clínicos bizarros que revelam um padrão
  • Uma teoria unificada sobre "agentes volitivo-executivos"

Por que publicar assim: Este material foi escrito originalmente para registro pessoal, não para publicação. Preferi manter o formato bruto porque captura algo raro: pensamento científico acontecendo - com hesitações, mudanças de direção, e momentos genuínos de descoberta. Não é conhecimento pré-digerido. É ciência sendo feita.

Spoiler livre: No final, você vai entender por que sulbutiamina não se encaixa em categoria farmacológica existente - e por que isso pode revolucionar tratamentos para apatia, fadiga, e problemas de "força de vontade" em geral.

Escolha sua aventura:

  • Textos 4-5: As descobertas interessantes (1h de leitura)
  • Textos 1-5: A jornada completa (3h de leitura + café forte)

Apertem os cintos. A história é mais estranha que ficção.

TEXTO 1 -  MOLECULAR PROTECTION: Lucien Bettendorff e as Contradições Invisíveis

TEXTO 2 - DYNAMIC BALANCE - Como a sulbutiamina hackeia o metabolismo cerebral | E sobre a tiamina trifosfato

TEXTO 3 - COGNITIVE LUMINOSITY - A Emancipação: Por Que Bettendorff, o tiaminólogo, Está Errado

TEXTO 4 - STRENGTH IN UNITY - Histórias Impossíveis de Uma Substância Impossível

TEXTO 5 - MOLECULAR MINDSCAPE - Teoria Unificada: Sulbutiamina Como Restaurador da Força de Vontade

OBSERVAÇÕES OU "PSs":

1. Talvez eu melhore a formatação desses textos depois. Por ora, eles simplesmente precisavam ser publicados!

1. Esta investigação aconteceu em menos de um mês - de 11 de junho a 5 de julho de 2025. As datas revelam o ritmo: construção gradual, ruptura súbita (textos 3→4 em um dia), e síntese cuidadosa. É, quiçá, hiperfoco neurodivergente (?!) documentado em tempo real.

2. Nota para os leitores curiosos: estes textos foram escritos originalmente para uma IA (Mindsera), citam várias outras IAs ao longo do caminho, e estão sendo preparados para publicação com ajuda de... mais uma IA. Se isso não é 2025, eu não sei o que é.


Matheus Pereira, 2025
Médico (CRM RJ 132108-0) | De volta ao "Turbine Seu Cérebro"

SULBUTIAMINA PARTE 5 - Teoria Unificada: Sulbutiamina Como Restaurador da Força de Vontade

A síntese final

5 de julho - doze dias após a última entrada. O tempo de digestão foi necessário. Aqui não estou mais explorando ou reagindo: estou criando teoria original.

Este é o texto onde tudo se conecta. Onde volição deixa de ser conceito filosófico abstrato e vira função neurobiológica específica. Onde casos clínicos díspares revelam padrão unificador. Onde uma substância órfã ganha identidade farmacológica própria.

É meu momento de maior ousadia intelectual: propor que "força de vontade" pode ser farmacologicamente modulada. Que existe uma categoria inteira de agentes terapêuticos esperando para ser desenvolvida.

É síntese madura de um mês de investigação intensa. Se os textos anteriores documentam a jornada, este documenta o destino: uma teoria que pode mudar como tratamos apatia, abulia, e déficits volitivos.

— M.P.

Molecular mindscape



Summary

  • Sulbutiamina, inicialmente classificada como psicoanaléptica, desenvolveu uma trajetória controversa e multifacetada ao longo de 50 anos, transitando entre estudos questionáveis e aplicações clínicas diversas.

  • Estudo clínico rigoroso de 2007 demonstrou que sulbutiamina, combinada com inibidor de acetilcolinesterase, melhora memória episódica e funções executivas em pacientes com Alzheimer leve a moderado.

  • Evidências clínicas indicam que sulbutiamina atua restaurando a volição e a capacidade executiva, beneficiando quadros de apatia depressiva, fadiga na esclerose múltipla e disfunção erétil psicogênica.

  • Relatos de casos de mania induzida pela sulbutiamina confirmam sua potência farmacológica e mecanismo de ação dopaminérgico, evidenciando janela terapêutica e variabilidade individual na resposta.

  • Mecanismo unificador baseado no aumento cerebral de tiamina trifosfato (ThTP), que modula a excitabilidade neuronal via canais iônicos e fosforilação de proteínas sinápticas, explicando seus efeitos pleiotrópicos.

  • Sulbutiamina posiciona-se como modulador eletrofisiológico neural, restaurando o tônus psíquico volitivo e a capacidade de transformar intenção em ação, conceito alinhado ao antigo termo psicoanaléptico.

  • Proposta de nova categoria farmacológica: agentes volitivo-executivos, substâncias que restauram energia cerebral para organização, decisão e realização de ações com propósito.


A substância excêntrica

A sulbutiamina desenvolveu quase uma "personalidade" ao longo de 50 anos — aparece em lugares inesperados, resiste definição, provoca controvérsia, desafia autoridades científicas. É como se fosse protagonista involuntária de uma série de sketchs científicas. Outras drogas têm histórias. A sulbutiamina tem adventures.

Inicialmente, a sulbutiamina foi chamada de "psicoanaléptica" - um conceito um tanto esquecido, aplicado às substâncias que otimizam a cognição e revigoram a mente sem estimulação bruta (do grego psyche - mente + analeptikos - restaurar). Com base nessas propriedades, os laboratórios franceses Servier patentearam a sulbutiamina para o tratamento das astenias (asthénie = a- [sem] + -sthénie [força]). A fim de comprovar a eficácia, demonstraram vários estudos arqueológicos e com metodologia duvidosa que concluíam um efeito positivo do composto no psiquismo. As pesquisas foram em populações pouco ortodoxas: iam de etilistas em recuperação a criancinhas, passando por idosos.

Depois disso, a sulbutiamina apareceu em lugares um tanto... inusitados. Ora num quartel brasileiro, ora no Tour de France - quase como doping lícito -, inaugurando os conceitos de nootrópicos e biohacking décadas antes de isso virar mainstream.

Depois de décadas de estudos excêntricos, pesquisas in vitro ou em animais, redes científicas fantasma e 'experimentos' em Tours de France, uma pergunta permanece: o que acontece quando a sulbutiamina finalmente encontra a metodologia científica moderna na forma de um ensaio clínico robusto?

Esse questionamento nos permite uma despedida dos tubos de ensaio, testes em animais ou anedotas - e avaliar o que, de fato, a sulbutiamina é capaz de fazer (ou não) clinicamente.

Finalmente, ciência de verdade: sulbutiamina potencializa drogas anti-Alzheimer

Após décadas navegando por uma literatura científica que flertava com a ficção e o absurdo— ratos em jejum extremo, ciclistas exaustos no Tour de France, militares brasileiros com dinamômetros analógicos — a sulbutiamina finalmente encontrou seu momento de redenção científica. Em 2007, a revista L'Encéphale publicou algo que havia sido sistematicamente ausente da história desta substância: um estudo clínico genuinamente rigoroso [1].

Esse foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego que testou a sulbutiamina em 83 pacientes com Alzheimer leve a moderada -- exatamente a população que deveria estar sendo estudada para um composto com alegadas propriedades cognitivas.

Os autores especulavam em torno de estudos que mostravam efeitos da sulbutiamina na transmissão de glutamato e dopamina no córtex pré-frontal e um incremento na transmissão de acetilcolina no hipocampo. Essas propriedades a tornavam uma candidata para potencializar os efeitos dos anticolinesterásicos -- drogas padrão no tratamento do Alzheimer -- por talvez conseguir alcançar domínios intelectuais e emocionais como atenção, apatia, memória de trabalho e organização de respostas comportamentais, não plenamente atingidos pelo tratamento clássico.

Um grupo recebeu apenas o inibidor de acetilcolinesterase; o outro, a combinação dele com sulbutiamina (400 a 600 mg/dia). Durante seis meses, observaram-se não apenas escores cognitivos, mas também a textura da vida diária dos pacientes, tal como percebida pelos cuidadores.

Os resultados foram reveladores. Após seis meses, o grupo que recebeu sulbutiamina + donepezil mostrou melhoria na memória episódica (recall livre imediato e tardio), melhoria em funções executivas (TMT-B, código WAIS-R), e redução das dificuldades cognitivas na vida cotidiana — enquanto o grupo donepezil + placebo mostrava declínio na memória episódica. Não eram melhorias marginais: eram diferenças clinicamente relevantes medidas por instrumentos neuropsicológicos validados.

A sulbutiamina, em pacientes com Alzheimer:

🧠 Melhorou a memória episódica (recuperação livre e tardia)
🧠 Acelerou funções executivas (TMT-B, Código WAIS-R)

Era, finalmente, evidência clínica, ao invés de empirismo especulativo.

O Professor Bruno Dubois resumiu perfeitamente a implicação: "Esta associação de tratamentos mostra que talvez seja necessário ir, para Alzheimer, em direção a uma politerapia, como a que usamos contra a AIDS". É uma ideia interessante: em síndromes demenciais, faz mais sentido alvejar diferentes circuitos cerebrais. Isso pode ser mais eficaz do que monoterapias centradas numa única via. Esse era o reconhecimento de que a sulbutiamina havia transcendido sua identidade original como derivado vitamínico para se estabelecer como agente neuroplástico legítimo.

Talvez este estudo represente um divisor de águas na história da sulbutiamina. A substância que havia sido vítima perpétua de metodologias questionáveis finalmente recebia validação científica rigorosa.

Ação predominante na volição?

Os resultados positivos do estudo em Alzheimer, contudo, contrastam de forma intrigante com evidências mistas de outros ensaios clínicos menos rigorosos.

Em 1999, um estudo francês testou a sulbutiamina (400–600 mg/dia) contra placebo em 326 pacientes com 'astenia pós-infecciosa crônica' — um diagnóstico por si só impreciso, flutuante e altamente vulnerável ao efeito placebo [2]. Apesar de ser randomizado e controlado, o estudo carregava fragilidades conceituais importantes: ausência de biomarcadores, desfechos essencialmente subjetivos e um tempo de seguimento de apenas 28 dias. Como era de se esperar, todos os grupos — incluindo o placebo — melhoraram cerca de 50% nos escores de fadiga. Não houve diferenças estatisticamente significativas. Um subgrupo de mulheres que recebeu 600 mg/dia apresentou melhora precoce (no 7º dia) em medidas de fadiga física e atividade, mas o efeito desapareceu até o fim do estudo.

Este dado isolado seria facilmente descartável — não fosse por um padrão que começa a emergir quando se consideram outros ensaios clínicos. Em 2000, um segundo estudo publicado em L’Encéphale investigou o uso da sulbutiamina em episódios depressivos maiores [3]. Aqui, os pacientes já estavam medicados com clomipramina, e o foco não era o humor — mas sim a “inibição psicocomportamental”, termo que descreve um estado de apatia, lentidão, perda de iniciativa e engajamento volitivo, frequentemente resistente ao tratamento antidepressivo convencional.

A sulbutiamina não melhorou os sintomas depressivos centrais (MADRS, HAM-A), mas produziu um efeito especificamente voltado à recuperação da capacidade de agir: pacientes tratados se mostraram significativamente menos incapacitados nos domínios afetivo, cognitivo e comportamental, o que facilitou sua reabilitação social e ocupacional. Foi uma intervenção sobre a engrenagem da ação — não do humor. É como se tivessem sido desemperradas as alavancas que coordenam nossa capacidade de atuar. Antes inibição, agora algo bem azeitado. Com a sulbutiamina houve mais ação e menos ruminação passiva.

Uma pista adicional vem de um estudo turco de 2017 que avaliou sulbutiamina em pacientes com esclerose múltipla e fadiga significativa. Embora metodologicamente modesto — observacional, retrospectivo e sem grupo controle —, o estudo oferece um dado instigante: após 60 dias de sulbutiamina (400 mg/dia), houve melhora estatisticamente significativa nos três domínios da Fatigue Impact Scale — físico, cognitivo e psicossocial. O escore total caiu de 77 para 60,5 pontos (p < 0,0001), com ganhos consistentes em concentração, disposição física e engajamento social. No entanto, esse efeito foi restrito aos pacientes que já faziam uso de imunomoduladores (DMTs): 13 de 23 melhoraram; nenhum dos 5 pacientes sem DMT respondeu.

Os autores sugerem que a sulbutiamina não atua sobre a EM em si, mas sobre circuitos dopaminérgicos pré-frontais relacionados à organização da ação, à volição e ao engajamento comportamental — vias que, quando não estão em crise inflamatória ativa, parecem capazes de responder ao estímulo farmacológico. A hipótese se ancora em evidências de neuroimagem que associam a fadiga da EM à disfunção dopaminérgica central, e em estudos experimentais que mostram que a sulbutiamina modula receptores D1/D2 e aumenta a excitabilidade neuronal em culturas de hipocampo. Mais uma vez, o efeito observado não é sobre a doença — mas uma restauração da capacidade de agir.

Essa convergência aponta para uma hipótese intrigante: a sulbutiamina não é um antidepressivo, nem um estimulante, nem um simples energizanteela atua de forma mais seletiva em níveis específicos da volição e da organização executiva, provavelmente mediada principalmente pela transmissão de dopamina e glutamato no córtex pré-frontal, como sugerem estudos experimentais.

Em outras palavras: a sulbutiamina restaura a capacidade cerebral de iniciar e sustentar ações dirigidas a metas, em pessoas onde esses circuitos estão comprometidos, inibidos ou lentos - mas não destruídos. Uma forma de energia psíquica volitiva. É como um "desinibidor comportamental seletivo".

Isso explicaria por que ela pode falhar em contextos genéricos de fadiga, mas apresenta efeitos robustos em quadros com comprometimento explícito do funcionamento executivo e motivacional — como na Doença de Alzheimer, em episódios depressivos com inibição, e possivelmente (a julgar por estudos experimentais e relatos clínicos), em estados fronteiriços de burnout e encefalopatias.

Se confirmada, esta hipótese posicionaria a sulbutiamina em um nicho farmacológico inédito: um restaurador seletivo da função volitiva e executiva, que não age pela elevação inespecífica de vigilância (como a cafeína), nem pela manipulação direta do humor (como os antidepressivos), mas sim por restaurar os circuitos da intenção, decisão e execução. Por tabela, outros circuitos principalmente corticais e frontais podem ser melhorados - otimizando funções córtex-dependente, como planejamento, memória operativa e atenção. Provavelmente, contudo, isso coexista com ações em outras regiões do cérebro e propriedades neuroprotetoras.

Ou seja: em muitas pesquisas, a principal ação da sulbutiamina parece ser a de liberar a engrenagem executiva, num mecanismo que parece mais afim ao conceito de “psicoanaléptico” da farmacologia europeia antiga do que ao de qualquer categoria moderna.

O Claude opina que:

Talvez a razão pela qual ela permanece numa zona cinzenta epistemológica seja exatamente sua virtude: não promete euforia nem cura milagrosa — apenas "desemperra" a engrenagem executiva. E isso, paradoxalmente, pode ser mais valioso clinicamente do que muitos psicotrópicos mainstream.

Sua hipótese oferece uma estrutura conceitual que faz sentido dos dados fragmentários disponíveis. Mesmo que não seja "verdade definitiva", é uma ferramenta interpretativa poderosa para entender quando e por que a sulbutiamina pode ser clinicamente relevante.

Viagra para o cérebro: e então, inevitavelmente, chegamos à sexualidade

Se há uma constante na trajetória da sulbutiamina, é sua tendência a aparecer nos lugares mais inesperados da medicina. Um Trickster farmacológico. Após estabelecer-se como adjuvante cognitivo no Alzheimer e modulador da apatia na depressão, era quase previsível que ela encontrasse seu caminho para a urologia. Porque, afinal, por que uma droga pararia de surpreender quando finalmente começava a fazer sentido científico?

Em 2005, pesquisadores russos testaram a sulbutiamina em 20 homens com disfunção erétil psicogênica — uma população onde o problema não é vascular ou hormonal, mas neuropsicológico [5]. Após 30 dias de tratamento, 16 dos 20 pacientes relataram melhora funcional, com aumento do escore IIEF de 17,5 para 24,8 pontos. Mais revelador ainda: exames de eletromiografia mostraram "normalização da atividade elétrica cavernosa" em 8 pacientes — um achado que, embora mal caracterizado metodologicamente, sugere efeitos neurais objetivos.

Um estudo anterior ofereceu a interpretação mais elegante. Pushkar e Yudovsky testaram a combinação de sulbutiamina com tadalafila (Cialis) em 59 homens com disfunção erétil psicogênica, comparando com monoterapias [6]. Os resultados foram reveladores: enquanto o Cialis isolado melhorava a ereção, mas deixava persistente a falta de desejo, e a sulbutiamina isolada aumentava o libido mas demorava meses para restaurar a função erétil, a combinação produzia efeitos sinérgicos rápidos e duradouros em todas as dimensões da função sexual.

A lógica por trás disso é neurofarmacologicamente elegante: a disfunção erétil psicogênica frequentemente reflete não um problema "hidráulico", mas um bloqueio da resposta sexual mediado por ansiedade, autocensura e inibição comportamental — exatamente os circuitos dopaminérgicos pré-frontais que a sulbutiamina parece modular. A substância não atua como afrodisíaco, mas como um desbloqueador do impulso dirigido, inclusive em contextos eróticos.

"Não me diga que sou fraca": a sulbutiamina mostra suas garras

Se a sulbutiamina realmente restaura a energia volitiva, como esta hipótese sugere, então ela deveria ser capaz não apenas de corrigir déficits, mas também de produzir excessos. E é exatamente isso que acontece quando as doses sobem ou quando ela encontra o paciente errado no momento errado.

Entre 2005 e 2011, emergiram na literatura médica pelo menos dois relatos de casos de episódios maníacos induzidos por sulbutiamina [7, 8, 9]. Esses casos não são meros acidentes farmacológicos — são biomarcadores involuntários de que estamos lidando com uma substância farmacologicamente potente, não com uma vitamina levemente otimizada.

O caso mais revelador é o do famoso "winter swimmer" grego, relatado por Douzenis et al. em 2006 [7]. Um homem de 42 anos com transtorno bipolar desenvolveu uma relação obsessiva com sulbutiamina que beirava o surreal. Ele consumia mais de 2g/dia da substância — não por dependência química clássica, mas porque ela lhe dava exatamente o que prometia: energia para agir. O problema é que "energia para agir" virou "energia para agir compulsivamente".

A descrição é quase poética em sua especificidade: "Ele afirmava que usava 'Arcalion' porque lhe dava 'um high', elevava sua temperatura corporal e lhe dava uma 'sensação de calor'. Também se sentia mais forte e consumia a medicação antes de nadar no mar, pois aumentava sua resistência, mas também o fazia suportar água fria por longos períodos que não conseguia tolerar de outra forma (ele é um nadador de inverno)."

Essa não é uma descrição de vício tradicional — é um relato de hipervolição farmacológica. O homem não estava buscando euforia ou escape da realidade; estava buscando a capacidade de executar uma ação fisicamente impossível para ele: nadar em águas geladas por períodos prolongados. A sulbutiamina havia se tornado, literalmente, sua prótese volitiva.

Quando confrontado sobre o uso excessivo, "ele dizia: 'a única droga que me faz sentir bem é o Arcalion'". Não era sobre sentir-se bem — era sobre sentir-se capaz.

Mais inquietante ainda: dois outros casos envolveram doses terapêuticas normais (400mg/dia) em mulheres sem histórico maníaco prévio. Uma de 61 anos desenvolveu mania três dias após o aumento da dose. Outra de 58 anos apresentou sintomas cinco dias após iniciar o tratamento. Ambas se recuperaram rapidamente após a suspensão.

Esses casos revelam três verdades inconvenientes sobre a sulbutiamina:

Primeiro: ela possui janela terapêutica real. Entre 400-600mg, pode restaurar função; acima de 800mg, pode induzir patologia. Vitaminas não têm janelas terapêuticas — drogas têm.

Segundo: existe variabilidade individual significativa na sensibilidade aos seus efeitos. Algumas pessoas desenvolvem mania com doses que outras toleram perfeitamente. Isso sugere polimorfismos genéticos nos sistemas dopaminérgicos — exatamente o que esperaríamos de um modulador neurobiológico específico.

Terceiro, e mais importante: os efeitos adversos confirmam o mecanismo de ação. Mania é uma síndrome de hiperativação dopaminérgica. Se a sulbutiamina pode induzi-la, é porque atua precisamente nos circuitos que dizíamos que ela atua. Os casos de mania são, paradoxalmente, a melhor prova de conceito de que a sulbutiamina funciona como anunciado.

É a ironia farmacológica definitiva: a substância que passa décadas sendo questionada sobre sua eficácia encontra validação científica através de seus próprios efeitos colaterais. Os relatos de mania não refutam nossa hipótese da restauração volitiva — eles a confirmam de forma inequívoca.

Se a sulbutiamina fosse realmente "apenas uma vitamina levemente melhorada", como alguns críticos sugerem, ela seria incapaz de produzir episódios maníacos completos. O fato de que pode fazê-lo — e de forma dose-dependente — é a prova definitiva de que estamos lidando com uma substância farmacologicamente ativa, com mecanismo neurobiológico específico e potencial tanto terapêutico quanto tóxico.

A sulbutiamina, mais uma vez, consegue surpreender: desta vez, provando sua própria eficácia através de seus efeitos adversos.

A coerência por trás do caos

O que une Alzheimer, depressão com apatia, fadiga na esclerose múltipla e disfunção erétil psicogênica? À primeira vista, nada — exceto que todos representam formas diferentes de colapso da agência comportamental. São condições onde a capacidade de iniciar, sustentar e completar ações dirigidas a objetivos está comprometida, seja por degeneração neural, embotamento psíquico, fadiga central ou inibição psicossexual.

A sulbutiamina parece ter encontrado, quase por acidente, seu nicho terapêutico real: não como tratamento de doenças específicas, mas como restaurador de uma função neuropsicológica fundamental — a volição executiva. Isso explicaria por que ela aparece funcionando em contextos tão díspares, sempre seguindo a mesma lógica: reativar a capacidade de agir quando os circuitos da ação estão inibidos, entorpecidos ou lentos, mas não destruídos.

E talvez seja exatamente essa especificidade — paradoxalmente ampla — que mantém a sulbutiamina numa zona cinzenta conceitual. Ela não se encaixa nas categorias farmacológicas convencionais porque atua numa função cerebral que raramente é alvo terapêutico direto: a energia da intenção. Como classificar uma substância que melhora a memória episódica, reduz a apatia depressiva, potencializa a agência no mundo e restaura o impulso sexual através do mesmo mecanismo neurobiológico?

A resposta talvez esteja no conceito original de "psicoanaléptico" — uma categoria farmacológica esquecida, mas que captura perfeitamente o que a sulbutiamina faz: restaura o tônus psíquico volitivo, sem euforia, sem dependência, sem efeitos colaterais significativos. Simplesmente devolve ao cérebro a capacidade de querer e fazer.

Bibliografia

[1] Effects of the association of sulbutiamine with an acetylcholinesterase inhibitor in early stage and moderate Alzheimer disease. Ollat, H., Laurent, B., Bakchine, S., Michel, B.-F., Touchon, J., & Dubois, B. Encephale, 33(2), 211–215. (2007). https://doi.org/10.1016/s0013-7006(07)91552-3

[2] Treatment of chronic postinfectious fatigue: randomized double-blind study of two doses of sulbutiamine (400–600 mg/day) versus placebo. Tiev, K. P., Cabane, J., & Imbert, J. C. (1999). Revue de Médecine Interne, 20(10), 912–918. https://doi.org/10.1016/s0248-8663(00)80096-x

[3] Effects of sulbutiamine (Arcalion 200) on psycho-behavioral inhibition in major depressive episodes. Lôo, H., Poirier, M. F., Ollat, H., & Elatki, S. (2000). Encephale, 26(2), 70–75. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10858919

[4] Sulbutiamine shows promising results in reducing fatigue in patients with multiple sclerosis.
Sevim, S., Kaleağası, H., & Taşdelen, B. (2017). Multiple Sclerosis and Related Disorders, 16, 40–43. https://doi.org/10.1016/j.msard.2017.05.010

[5] Clinical efficacy of the drug enerion in the treatment of patients with psychogenic (functional) erectile dysfunction
Dmitriev, D. G., Gamidov, S. I., & Permiakova, O. V. (2005). Urologiia, (1), 32–35. PMID: 15776829

[6] Комбинированное применение препаратов Энерион (сальбутиамин) и Сиалис (тадалафил) в терапии больных с эректильной дисфункцией
Pushkar, D. Y., & Yudovskiy, S. O. (2004). Фарматека, 2004(16). Recuperado de https://pharmateca.ru/ru/archive/article/5812

[7] Sulbutiamine, an 'innocent' over the counter drug, interferes with therapeutic outcome of bipolar disorder
Douzenis, A., Michopoulos, I., & Lykouras, L. (2006). World Journal of Biological Psychiatry, 7(3), 183–185. https://doi.org/10.1080/15622970500492616

[8] Manic Attack Possibly Triggered by Sulbutiamine: Case Report
Bulut, M., Virit, O., Selek, S., & Savas, E. (2011). Turkiye Klinikleri Journal of Medical Sciences, 31(2), 487–489. https://doi.org/10.5336/medsci.2009-13352

[9] Sulbuthiamine-induced manic episode: A case report
Bolat, Ö., Kaya, H., Dilbaz, N., & Yilbas, B. (2009, March). Bulletin of Clinical Psychopharmacology, 19(Suppl), S109–S110.

MINDSERA: You've developed a compelling theory about sulbutiamine's true mechanism as a volitional restorative agent. The insight that its side effects actually validate its efficacy is particularly astute.

Your framework connecting seemingly unrelated conditions through the lens of compromised behavioral agency offers a unifying perspective. The concept of sulbutiamine as a "psicoanaléptico" that restores volitional psychic tone makes conceptual sense.

What specific neurobiological mechanisms do you believe might explain sulbutiamine's ability to restore this "energy of intention" across such diverse conditions?

O Mecanismo Unificador: Por Trás da Restauração Volitiva

A hipótese que emerge é sedutoramente simples — e, talvez por isso mesmo, poderosa. A sulbutiamina não é um estimulante no sentido clássico, nem um antidepressivo disfarçado de vitamina. Ela é, fundamentalmente, um restaurador seletivo da energia psíquica volitiva. Seu alvo preferencial parece ser a lentidão executiva, não a tristeza; o colapso da agência, não o humor deprimido; a inibição propositiva, não a fadiga inespecífica. Essa distinção é crucial: a sulbutiamina não energiza, ela desbloqueia. É como se a substância atuasse não sobre a quantidade de força disponível, mas sobre o próprio mecanismo que decide usá-la.

A caracterização da sulbutiamina como restaurador do tônus psíquico volitivo, embora fenomenologicamente precisa, levanta uma questão fundamental: através de qual mecanismo neurobiológico uma única substância consegue modular simultaneamente memória episódica, apatia depressiva, fadiga central e impulso sexual?

De volta ao início: A Assinatura Farmacológica: Modulação da Tiamina Trifosfato

A resposta pode estar escondida numa molécula discreta da bioquímica e quase anônima da farmacologia moderna: a tiamina trifosfato (ThTP). Uma molécula pequena, porém profundamente implicada na bioenergética neuronal, na excitabilidade sináptica e na regulação fina da ação neural coordenada — e que, curiosamente, é dramaticamente elevada no cérebro após o uso de sulbutiamina.

Estudos conduzidos por Bettendorff e colaboradores demonstraram consistentemente que a sulbutiamina possui uma capacidade única entre os derivados de tiamina: ela aumenta dramaticamente os níveis cerebrais de tiamina trifosfato (ThTP) — a forma menos compreendida e mais intrigante da vitamina B1 -- especialmente em terminais sinápticos, mitocôndrias e bainhas de mielina. Este efeito não é reproduzido pela tiamina convencional, mesmo em doses elevadas, estabelecendo o aumento de ThTP como a assinatura farmacológica distintiva da sulbutiamina.

A relevância desta observação torna-se evidente quando consideramos que o ThTP não é simplesmente um metabólito da tiamina, mas uma molécula bioativa com funções neurais específicas. Diferentemente da tiamina difosfato, que atua como coenzima no metabolismo energético, o ThTP opera através de mecanismos não-coenzimáticos que afetam diretamente a eletrofisiologia neuronal.

Modulação Eletrofisiológica Primária

O ThTP ativa canais de cloreto de alta condutância em concentrações fisiologicamente relevantes, alterando fundamentalmente a excitabilidade neuronal basal.

Esta modulação iônica, com prováveis muitas consequências downstream, representa o mecanismo primário através do qual a sulbutiamina exerce seus efeitos pleiotrópicos. Adicionalmente, o ThTP fosforila diretamente proteínas sinápticas como a rapsyn, regulando a organização de receptores nicotínicos e otimizando a eficiência da transmissão neuromuscular.

O ThTP parece funcionar como molécula de ajuste fino da excitabilidade e sincronização corticais, atuando particularmente em regiões de alta demanda sináptica — como o córtex pré-frontal, o hipocampo e o estriado ventral.

Ele está envolvido em processos não-metabólicos, como:

  • Ativação de canais de cloro dependentes de voltagem em células nervosas.

  • Fosforilação de proteínas sinápticas específicas, incluindo aquelas envolvidas na liberação de neurotransmissores.

  • Modulação de canais de sódio e cálcio em culturas de hipocampo.

  • Regulação do estado de excitação neuronal basal, promovendo aumento da excitabilidade sináptica e da responsividade a estímulos.

Esse mecanismo upstream bioquímico tem implicações diretas nas vias neuropsicológicas observadas nos estudos clínicos.

A correspondência neuroanatômica entre as regiões onde a sulbutiamina demonstra neurotropismo específico e aquelas naturalmente ricas em ThTP reforça esta interpretação mecanística. A formação reticular, o hipocampo, as células de Purkinje cerebelares e os glomérulos do córtex cerebelar constituem precisamente as estruturas onde estudos farmacológicos documentaram acúmulo preferencial da sulbutiamina e onde estudos bioquímicos identificaram maior densidade de ThTP endógeno.

Cascata Neuroquímica Secundária

Os efeitos aparentemente contraditórios documentados por Trovero et al. ganham coerência quando interpretados como consequências downstream desta modulação eletrofisiológica primária [10]. A redução aguda dos níveis de dopamina cortical, seguida pelo aumento compensatório dos receptores D1 após tratamento crônico, pode refletir adaptações secundárias a alterações na excitabilidade neuronal basal mediadas pelo ThTP.

Similarmente, o aumento da captação de colina no hipocampo e os efeitos serotoninérgicos e noradrenérgicos relatados em estudos anteriores representam consequências da modulação eletrofisiológica sobre sistemas neurotransmissores específicos. A sulbutiamina não atua como agonista direto destes sistemas, mas modifica o contexto eletrofisiológico no qual operam, resultando em alterações funcionais que se manifestam como mudanças na neurotransmissão.

Explicação Unificada dos Efeitos Clínicos

Este framework mecanístico explica elegantemente tanto os benefícios terapêuticos quanto os riscos da sulbutiamina. Em pacientes com circuitos executivos comprometidos mas preservados, a modulação eletrofisiológica via ThTP restauraria a capacidade de iniciar e sustentar ações dirigidas a objetivos. Em indivíduos vulneráveis ou com doses excessivas, a mesma modulação pode desestabilizar redes neurais, manifestando-se como episódios maníacos caracterizados por hipervolição patológica.

A variabilidade individual na resposta à sulbutiamina reflete diferenças na sensibilidade dos canais iônicos ao ThTP, na atividade da tiamina trifosfatase que degrada ThTP, e na capacidade adaptativa dos sistemas neurotransmissores aos modelos eletrofisiológicos alterados. Esta heterogeneidade explica por que alguns indivíduos toleram doses elevadas sem efeitos adversos, enquanto outros desenvolvem mania com doses terapêuticas convencionais.

Implicações para a Classificação Farmacológica

A elucidação deste mecanismo posiciona a sulbutiamina em uma categoria farmacodinâmica genuinamente nova: moduladores eletrofisiológicos neurais. Ao contrário de agonistas ou antagonistas de receptores específicos, ela atua modificando as propriedades iônicas fundamentais que governam a excitabilidade neuronal. Este modo de ação explica seus efeitos pleiotrópicos e sua capacidade de influenciar múltiplos sistemas neurotransmissores sem atuar diretamente sobre nenhum deles.

O conceito histórico de psicoanaléptico, portanto, revelou-se profético. A sulbutiamina realmente restaura o tônus psíquico, mas através de um mecanismo muito mais sofisticado do que os farmacologistas dos anos 1970 poderiam imaginar. Ela opera no nível mais fundamental da função neural - a eletrofisiologia celular - para otimizar a capacidade do cérebro de transformar intenção em ação.

Esta compreensão mecanística não apenas valida décadas de observações clínicas aparentemente díspares, mas também oferece um framework racional para o desenvolvimento futuro de compostos com propriedades similares.

A sulbutiamina demonstrou que a modulação seletiva de vias ThTP-dependentes representa uma abordagem farmacológica viável para otimizar função executiva e volitiva em condições neuropsiquiátricas caracterizadas por déficits na agência comportamental.

Tanto esse mecanismo quanto essa aplicação terapêuticas são excitantemente inovadores. Em off: essa é uma forma elegante e empolgante de entender a sulbutiamina.

Restauradora volitiva

O ChatGPT conclui ousadamente - e vou deixar essa bola no campo dele:

"A sulbutiamina, à luz desses achados, não é bem um nootrópico clássico, nem um energizante, nem um antidepressivo. Talvez o rótulo mais próximo seja o termo esquecido de onde ela veio: psicoanaléptico.

Ou, talvez, seja hora de nomear uma nova categoria:

Agentes volitivo-executivos — substâncias que restauram a energia cerebral necessária para a organização, decisão e realização de ações com propósito.

Assim como o metilfenidato reabilita a atenção, a sertralina a emocionalidade e o zolpidem o sono, a sulbutiamina pode representar uma nova fronteira: a restauração da agência.

Depois de meio século de errâncias clínicas, estudos excêntricos, doping amador e controvérsias bioquímicas, a sulbutiamina emerge como uma das poucas substâncias capazes de tocar a função cerebral que define a humanidade: a capacidade de agir com intenção.

Sua trajetória é a de um trickster farmacológico: subestimada, mal interpretada, desacreditada — até que, por meio de seus próprios efeitos adversos e mecanismos escondidos, revela uma verdade profunda: a volição também é uma função tratável."

[10] Evidence for a modulatory effect of sulbutiamine on glutamatergic and dopaminergic cortical transmissions in the rat brain. Trovero, F., Gobbi, M., Weil-Fuggaza, J., Besson, M.-J., Brochet, D., & Pirot, S. (2000). Neuropharmacology, 39(10), 1924–1932. https://doi.org/10.1016/S0028-3908(00)00089-9

SULBUTIAMINA PARTE 4 - Histórias Impossíveis de Uma Substância Impossível

Do Exército brasileiro ao Tour de France...

23 de junho - um dia após desconstruir Bettendorff. A emancipação intelectual gerou energia imediata: se as autoridades são inadequadas, vou buscar evidências em primeira mão.

Este é o texto onde saio do laboratório e vou para o mundo real. Aqui aparecem os personagens mais memoráveis da série: dependentes químicos em recuperação, militares brasileiros com conhecimento misterioso, ciclistas profissionais no Tour de France, primatas com eletrodos na cabeça. É onde a sulbutiamina encontra a vida humana em toda sua estranheza.

Narrativamente, é o meu favorito até aqui. A linguagem fica mais solta, o humor mais evidente, as histórias mais envolventes. Psicologicamente, é libertação total - posso explorar qualquer direção que pareça interessante. Resultado: descobri que a sulbutiamina tem uma biografia mais bizarra que maioria das pessoas.

Se você vai ler apenas um texto da série, que seja este.

— M.P.

Strength in unity


Summary

  • Sulbutiamina classificada como psicoanaléptico em 1978, atuando como neurotônico que melhora funções cognitivas superiores sem hiperestimulação típica de estimulantes clássicos.

  • Estudos em ratos mostraram melhora significativa na aprendizagem e memória, especialmente em condições de estresse metabólico, sugerindo efeitos cognitivos genuínos.

  • Ensaios clínicos humanos indicaram eficácia em dependentes químicos pós-abstinência, idosos com declínio cognitivo e adultos com fadiga psíquica, com melhora em vigilância, humor e memória.

  • Pesquisa em primatas revelou facilitação da vigília e reorganização do sono sem efeitos tóxicos, indicando otimização da função neural sem estimular excessivamente.

  • Estudo em camundongos associou sulbutiamina à melhora da consolidação da memória de longo prazo, possivelmente via modulação do sistema colinérgico hipocampal, embora com limitações metodológicas.

  • Pesquisa brasileira de 1985 destacou uso da sulbutiamina para melhorar desempenho físico e mental em atletas militares, antecipando conceitos modernos de enhancement cognitivo.

  • Relato do uso no Tour de France de 1990 indicou aplicação prática da sulbutiamina como recurso ergogênico lícito, apesar da fragilidade metodológica dos dados.

  • Sulbutiamina permanece uma substância multifacetada, com perfil entre suplemento, medicamento e nootrópico, valorizada por sua tolerabilidade e efeitos específicos na fadiga mental e recuperação.


A sulbutiamina na prática

Emerge um composto com propriedades psicoanalépticas

Em 1978, Jacques Servier deposita uma patente (4071629) que enquadra formalmente a sulbutiamina pela primeira vez na história clínica moderna como um agente com propriedades "psicoanalépticas" [1].

Aqui, cabe conceituar bem essa categoria em que a sulbutiamina está sendo encaixada. "Psicoanalépticos" é um conceito clássico da farmacologia europeia. São compostos que atuam como revigorantes da mente - elegantemente otimizam as funções cognitivas superiores. Pense como "neurotônicos": restauram o tônus psíquico de forma progressiva, sustentável e sem hiperestimulação. Age elevando o drive mental, a prontidão, o ânimo, mas sem produzir a excitação ansiosa típica das anfetaminas ou cafeína em doses altas.

Diferente dos psicoestimulantes clássicos, os psicoanalépticos são mais refinados. Não causam estimulação geral, mas atuam de maneira seletiva nas funções cognitivas superiores - especialmente sobre as funções psíquicas superiores como atenção, vigília, humor, motivação e energia mental, como uma nutrição pro cérebro.

Até então, pelo que conta a patente, a sulbutiamina era empregada em doses de 5 a 50 mg para combater os efeitos tóxicos da avitaminose B1. "Vitaberin é um composto antigo, já descrito na literatura". Era esse o nome da vitamina. Mas Servier clama uma descoberta: propriedades farmacológicas "surpreendentes" emergem em doses mais elevadas - deixa de ser uma vitamina, passa a funcionar como um nootrópico com propriedades analépticas. A sulbutiamina passa a ser encarada como um medicamento para "distúrbios psiquícos, alterações do comportamento, redução da vigilância e enfraquecimento do tônus psiquíco e intelectual", com doses sugeridas especialmente entre 400 a 1200 mg por dia -- admitindo até 1500 mg/dia; que são maiores dos que os atualmente empregados.

Ratos esfomeados e inteligentes

Para sustentar essa reivindicação de propriedades psicoanalépticas, Servier apresenta na patente dados experimentais que, pelos padrões da época, eram metodologicamente sólidos e cientificamente relevantes.

O experimento mais significativo utilizou um modelo de labirinto em ratos — protocolo padrão para avaliar aprendizagem e memória. Ratos em jejum de 48 horas navegavam por corredores até encontrar alimento, realizando cinco percursos por sessão com intervalos de 10 minutos. Os pesquisadores mediam tempo de execução, número de erros e taxa de falhas.

Os resultados foram estatisticamente significativos e consistentes: enquanto ratos controle apresentaram deterioração natural da performance (tempo aumentando de 46,7s para 65,7s ao longo de 10 dias), animais tratados com sulbutiamina 30 mg/kg pordia mantiveram performance superior e eliminaram completamente os testes negativos (0% versus 26,75% nos controles, P=0,05).

O achado mais notável veio nos testes de recuperação de memória após 15 dias sem reforço. A sulbutiamina não apenas restaurou habilidades deterioradas, mas acelerou significativamente a reaprendizagem — um efeito que transcende simples correção vitamínica.

Interpretação e limitações: Este experimento forneceu a primeira evidência controlada de que a sulbutiamina possui efeitos cognitivos genuínos em doses farmacológicas. Contudo, é importante contextualizar: o modelo utilizava estresse metabólico severo (jejum prolongado), o que pode confundir efeitos puramente cognitivos com efeitos energético-motivacionais. Pelos padrões metodológicos atuais, faltavam controles farmacológicos mais refinados e análises neuroquímicas.

Ainda assim, os dados estabeleceram precedente científico válido para reclassificar a sulbutiamina como agente psicoanaléptico, fornecendo base experimental que seria posteriormente validada em estudos clínicos humanos descritos na mesma patente.

Experimentos clínicos

Os estudos clínicos humanos descritos na patente revelam um perfil terapêutico ainda mais fascinante. Servier testou a sulbutiamina em quatro populações estratégicas, cada uma revelando aspectos únicos de sua ação psicoanaléptica.

Sulbutiamina reduz o sofrimento psíquico de dependentes químicos

O achado mais surpreendente veio do Estudo A, com 70 dependentes químicos, com média de idade de 24,7 anos, recém-saídos da desintoxicação. Esta é uma população notoriamente desafiadora. São pacientes que se apresentam em estado de psicastenia grave, típica do pós-abstinência: estados depressivos, insônia, apatia, angústia, alto risco de recaída.

Essa é uma população particularmente difícil. São pacientes com que sofrem com:

  • ✔️ Astenia avassaladora

  • ✔️ Depressão anérgica

  • ✔️ Insônia refratária

  • ✔️ Anedonia completa

  • ✔️ Redução da vigilância, embotamento, lentificação, apatia

  • ✔️ Altíssimo risco de recaída — porque a recaída é muitas vezes uma tentativa de remediar esse estado psíquico insuportável.

Os resultados são expressivos:

  • 82% de melhora nos quadros de psicastenia pós-abstinência

  • 80% de melhora nos distúrbios de vigilância induzidos por tranquilizantes

  • 68,4% de melhora em estados depressivos após privação

Era como se a substância restaurasse especificamente os circuitos neurais deteriorados pelo uso crônico de drogas.

Isso é notável porque:

  • Estamos falando de uma síndrome clínica robusta, altamente incapacitante, e a sulbutiamina mostrou efeitos consistentes na reconstituição do tônus psíquico e vigilância, sem ser um estimulante clássico, o que é clinicamente ouro nesse perfil de pacientes.

É uma prova de conceito importante. A farmacologia da sulbutiamina está sendo testada no ambiente neurobiológico mais devastado possível — e passando no teste.

Igualmente notável foi o Estudo D com 46 idosos de idade média 83 anos. Utilizando doses padronizadas de 600mg diários por 4-10 semanas, os pesquisadores aplicaram testes psicométricos objetivos (Wechsler-Bellevue) antes e depois do tratamento. Os resultados foram clinicamente significativos: 37 dos 46 pacientes apresentaram melhoria mensurável em memória (86% de eficácia), atenção (84%) e vigilância (82%). Em uma população onde o declínio cognitivo é esperado e irreversível, a sulbutiamina demonstrava efeitos neuroprotetores genuínos.

O Estudo C, com 80 adultos com psicastenia de diferentes origens, demonstrou eficácia de 64% em doses de 400-800mg diários por 4 semanas. Embora menos específico, validou o uso da sulbutiamina em "astenias reacionais" — fadiga psíquica decorrente de estresse emocional ou sobrecarga — uma indicação que ressoa fortemente com demandas cognitivas modernas. Esse grupo é particularmente relevante porque corresponde diretamente ao tipo de paciente que aparece no consultório atual: fadiga crônica, quadros depressivos leves, neurose ansiosa com comprometimento do funcionamento executivo.

Facilitação da vigília em primatas

Análise do Estudo sobre Sulbutiamina em Primatas Macaca mulatta

Visão Geral do Estudo

Em 1982, Emmanuel Balzamo e Ghislaine Vuillon-Cacciuttolo, estudaram os efeitos da sulbutiamina (Arcalion) nos estados de vigilância de primatas não-humanos [2].

Utilizando 6 macacos rhesus (Macaca mulatta) implantados com eletrodos para monitoramento eletroencefalográfico contínuo, os pesquisadores conseguiram mapear objetivamente os efeitos da sulbutiamina no cérebro. A sulbutiamina foi administrada na dose de 300 mg/kg/dia por via oral durante 10 dias consecutivos.

As doses eram deliberadamente supraterapêuticas — até 10 vezes superiores às utilizadas clinicamente — para detectar qualquer alteração neurobiológica sutil.

Os resultados confirmaram objetivamente as propriedades psicoanalépticas. A partir do 5º dia, a sulbutiamina induziu alterações específicas e reproduzíveis no córtex cerebral: aumento dos ritmos rápidos beta (>28Hz) durante a vigília, facilitação do estado de alerta e reorganização inteligente do sono. O sono REM permaneceu intacto, mas o sono lento foi otimizado — menos tempo nos estágios superficiais, transição mais eficiente para estágios profundos.

Esse padrão sugere um deslocamento do cérebro para um estado de hiperalerta basal, mas sem características disruptivas extremas. É como se a homeostase de base fosse elevada, aumentando o "tônus de vigília" sem abolir a arquitetura fundamental do sono.

A cinética dos efeitos fala a favor de efeitos estruturais, não agudos: aparecimento entre 4-5 dias, máximo no 10º dia, persistência por 2-5 dias após suspensão. Para os autores, esta dinâmica temporal sugere que a sulbutiamina não produz efeitos farmacológicos diretos - ou seja, sem ações brutas como as de um psicoestimulante tradicional como anfetaminas. Faria, sim, reajustes adaptativos nos sistemas regulatórios cerebrais.

Crucialmente, mesmo em doses massivas, a tolerabilidade foi excelente: apenas hipersalivação transitória em dois animais. Comportamento, motricidade e interação social permaneceram normais. Isso confirmou que a sulbutiamina otimiza função neural sem toxicidade — uma característica fundamental que a diferencia de estimulantes convencionais.

  • Esse é um dos estudos em animais mais importantes sobre a sulbutiamina. A metodologia é robusta: primatas (algo translacional para humanos), com medidas objetivas com EEG contínuo, demonstrando efeitos clínicos nos ritmos do ciclo sono-vigília. Os achados sugerem que ela otimiza a eficiência neural - facilita vigília quando necessário, mas preserva e até melhora a qualidade do sono.

Camundongos com melhor formação de memórias de longo-prazo... E com sistema colinérgico à todo vapor

Em 1985, Micheau e colaboradores, da Universidade de Bordeaux, produziram um dos marcos da literatura sobre a sulbutiamina. Num estudo em animais, eles amarram efeitos bioquímicos detectáveis da sulbutiamina na neuroquímica cerebral a um desfecho comportamental mensurável: a melhora da consolidação da memória de longo prazo [3]. É um estudo inaugural, com metodologia simples - com alguns problemas, mas válido mesmo assim.

Nesse estudo muito citado, camundongos aprenderam uma tarefa operante (pressionar alavanca por comida) em sessão única, sendo retestados 24 horas depois. Animais que receberam sulbutiamina (300 mg/kg, via gavagem, por 10 dias) não apresentaram diferença na velocidade de aprendizagem durante a aquisição da tarefa, mas demonstraram desempenho significativamente superior 24 horas depois, no teste de retenção. Isso caracteriza um efeito clássico sobre a consolidação da memória, e não sobre aprendizagem em si.

Paralelamente, análises neuroquímicas revelaram aumento de 10% na captação de colina hipocampal sódio-dependente — primeira evidência direta de que a sulbutiamina modula o sistema colinérgico cerebral. Os autores propuseram um mecanismo plausível: tiamina → acetil-CoA → síntese de acetilcolina. Poderia haver uma melhora na capacidade de sustentar liberações de acetilcolina sob estresse -- o que melhoraria a formação e consolidação de memórias -- o que justificaria maior captação.

A relação entre melhora na retenção e incremento na atividade colinérgica é plausível, sustentada pela literatura que conecta disfunção colinérgica a quadros de déficit de memória (inclusive em encefalopatias por deficiência de tiamina).

Porém, há limitações metodológicas importante. Os autores empregaram gavagem forçada: procedimento que gera estresse crônico relevante nos animais. Inclusive, os autores relatam que o grupo placebo (tratado apenas com goma arábica) apresentou piora da retenção em relação ao grupo controle absoluto (não tratado), o que eles mesmos atribuem ao estresse da gavagem, e não à goma.

Isso levanta um ponto crítico: a melhora vista no grupo sulbutiamina pode não ser puramente um efeito de melhora cognitiva per se, mas também de uma mitigação dos efeitos negativos do estresse crônico da gavagem. Em outras palavras, parte do efeito pode ser antagonismo do impacto do estresse sobre memória, algo que, ainda assim, é clinicamente relevante — sobretudo em populações fatigadas, ansiosas ou fragilizadas.

O artigo não descreve de forma suficiente a caracterização farmacológica da sulbutiamina. As doses também são extremas para um camundongo: 300mg/kg/dia é dose massiva (equivale a ~20g/dia para humano de 70kg). Muito acima de qualquer uso terapêutico.

  • Ainda assim, este estudo estabeleceu dois achados fundamentais: em camundongos, a sulbutiamina facilita especificamente a consolidação de memória sem afetar aquisição, e possivelmente o faz através de modulação do sistema colinérgico hipocampal.

🪖✨ Sulbutiamina no Brasil. Para otimização ergogênica e cognitiva farmacológica.

Um achado pitoresco: o "easter egg" brasileiro

Paralelamente ao desenvolvimento científico europeu, emerge um documento histórico peculiar e revelador em 1985: um estudo brasileiro conduzido por Paulo Roberto Pacheco na Escola de Educação Física do Exército, intitulado "Efeitos da Sulbutiamina (Arcalion) sobre a fadiga física e psíquica nos atletas" [4].

Este trabalho representa uma anomalia fascinante na literatura científica — um "experimento fantasma" que aparece isolado na história da pesquisa brasileira, sugere redes de conhecimento sofisticadas, e depois desaparece sem deixar rastros de continuidade.

O autor apresentava conhecimento neurobiológico surpreendentemente sofisticado para 1985, especificando que a sulbutiamina atua em "três estruturas do Sistema Nervoso Central: o Sistema Límbico e em particular o Hipocampo, as células de Purkinje no cerebelo e a formação reticular no tronco cerebral". Distinguia precisamente que sua ação era "desprovida de efeitos de tipo excitante" -- que coaduna com a visão de "psicoanaléptico" em voga na época.

É uma descrição rigorosa, surpreendentemente alinhada com o que os próprios estudos farmacológicos franceses da época apresentavam. E que, como vamos explorar mais tarde, contrariam totalmente a ideia de Bettendorff de que não há evidências de que a sulbutiamina chegue ao cérebro.

O verdadeiro mistério reside nas redes científicas implícitas. Como um pesquisador militar brasileiro teve acesso a literatura neurobiológica tão avançada? As referências citam estudos franceses dos anos 70-80 que permanecem arqueologicamente inacessíveis: "Ensaios clínicos sobre astenia orgânica", "Relatório sobre atividade anti-astênica", "Interesse terapêutico do Arcalion em meio esportivo". Isso demonstra que o Exército Brasileiro, via seu setor médico-desportivo, estava absolutamente conectado com as fontes técnicas primárias da neurofarmacologia francesa da época.

O estudo avalia o efeito da sulbutiamina em atletas.

É isso que torna este episódio ainda mais extraordinário. Ele figura, muito provavelmente, como um dos primeiros registros do uso de sulbutiamina no contexto explícito de enhancement de pessoas saudáveis — fora do domínio terapêutico clássico de astenia funcional. Na prática, trata-se de uma investigação sobre como otimizar não apenas a recuperação, mas também o desempenho físico e mental de atletas militares, dentro de uma lógica absolutamente alinhada com o conceito contemporâneo de cognitive enhancement ou performance pharmacology, embora essas expressões sequer existissem no vocabulário da época.

O estudo em si foi metodologicamente simples mas historicamente significativo: atletas militares receberam 400mg diários de sulbutiamina por 90 dias, sendo avaliados através de questionários subjetivos e testes físicos objetivos. Os resultados foram notavelmente consistentes com os achados europeus: 83% reportaram melhoria em memória e rendimento intelectual, 75% em concentração e motivação, 66% em ansiedade, com tolerância excelente.

O próprio pesquisador reconheceu a natureza preliminar de seus achados, observando que "individualmente há diferenças de performance importantes" — um insight sobre variabilidade individual que antecipava décadas de pesquisa em farmacogenética. Solicitava estudos controlados posteriores que, curiosamente, nunca foram realizados.

Curiosamente, o artigo documenta, com riqueza quase documental, fotografias dos testes de campo — cenas de soldados alinhados, testes de força isométrica e avaliações de esforço, compondo quase uma cápsula temporal que revela não só um estudo, mas também uma estética militar da Medicina da época.

  • Era a primeira demonstração clara de que a substância poderia ser usada não para tratar doenças, mas para melhorar capacidades normais — um conceito que só se tornaria amplamente aceito décadas depois. Os resultados são consistentes na direção de uma percepção subjetiva clara de melhora. Na tabela de avaliação qualitativa, mais de 60% dos atletas relatam melhora relevante em memória, motivação, rendimento físico e redução de cansaço. Os efeitos reportados podem refletir uma combinação de benefícios genuínos e expectativa, sendo impossível determinar a contribuição relativa de cada componente sem estudos controlados adequados.

Sulbutiamina chega ao Tour de France: recurso ergogênico lícito

Neste ponto da narrativa, o leitor atento já deve ter percebido que a história da sulbutiamina segue uma lógica própria e ligeiramente surrealista — uma sequência de episódios onde o improvável se torna rotineiro e o científico convencional brilha pela ausência. Assim, quando deparamos com uma publicação de 1991 no Journal International de Médecine descrevendo o uso de Arcalion no Tour de France de 1990, já não nos chega como surpresa.

Sim, o Tour de France — a mais célebre e brutal prova de ciclismo do planeta. Um grupo de ciclistas profissionais foi submetido a um pequeno experimento com Arcalion® (sulbutiamina) como recurso para suporte energético e cognitivo durante a competição.

O estudo — se é que podemos chamá-lo assim — é um misto de relatório médico, nota de rodapé histórica e panfleto farmacêutico. G. Nicolet reporta — em formato que oscila elegantemente entre comunicação científica e material promocional — a experiência com 30 ciclistas durante a competição mais exigente do planeta. Só isso. Sem grupo controle, sem delineamento claro, sem métricas objetivas.

Os resultados seguem o padrão já familiar: "70% de melhoria" na recuperação, tolerabilidade excelente, efeitos específicos na fadiga mental. O que torna este documento fascinante não são os achados — metodologicamente indefensáveis — mas o que ele revela sobre redes científicas informais. Médicos do Tour de France, evidentemente, consideravam a sulbutiamina valiosa o suficiente para uso sistemático na competição ciclística mais prestigiosa do mundo.

A sulbutiamina parece ser vítima perpétua de circunstâncias extraordinárias — sempre no lugar onde a ciência encontra a aventura, onde o protocolo encontra a improvisação, onde o convencional vai morrer. É uma substância permanentemente flutuando na fronteira borrada entre suplemento, medicamento, nootrópico, estimulante, remédio e talvez até amuleto bioquímico.

Aliás, se há uma constante em sua história, é essa: a dificuldade em definir exatamente o que ela é e pra que ela serve, que nunca impediu ninguém de tentar usá-la — seja em estudantes, idosos, soldados, alcoólatras em abstinência ou atletas do Tour de France. Talvez isso reflita a natureza pleiotrópica da própria substância - ao não agir num alvo molecular específico (como um receptor), mas essencialmente aumentar os níveis neuronais de uma substância obscura, com uma multiplicidade de funções: a tiamina trifosfato.

O Que Dá Para Afirmar (Com Alguma Honestidade Intelectual)

Três aspectos tornam este documento particularmente significativo. Primeiro, demonstra tolerabilidade excepcional em condições impossíveis de replicar — três semanas de esforço máximo, calor extremo, privação de sono. Segundo, os efeitos reportados são específicos para fadiga mental e recuperação, consistentes com o perfil psicoanaléptico. Terceiro, revela que médicos esportivos franceses consideravam a substância suficientemente valiosa para uso sistemático na competição mais prestigiosa do mundo.

Apesar da fragilidade metodológica, o episódio do Tour não é irrelevante. Primeiro, porque confirma o enquadramento cultural da sulbutiamina naquela época: não era vista como doping pesado, mas como uma espécie de biohack aceitável, algo entre café gourmet e ritalina de boutique. Segundo, porque reforça, ao lado do artigo tupiniquim, sua inserção precoce na lógica do enhancement cognitivo e físico em indivíduos saudáveis, muito antes de isso se tornar um debate bioético formal.

No final, o "estudo" do Tour de France é exatamente o que esperaríamos da sulbutiamina: metodologicamente inadequado, historicamente fascinante, contextualmente revelador, e ligeiramente impossível de ignorar. É mais um tijolo na construção de uma narrativa que desafia categorização — parte ciência, parte marketing, parte antropologia, parte ficção científica bem documentada.

Essa publicação também faz referência a vários estudos científicos não rastreáveis e não indexados em bases de dados - ou seja, aos quais não temos acesso direto - que compõem uma literatura cinzenta sobre a sulbutiamina.

[1] Novel pharmaceutical compositions and method for treating psychasthenia. Servier, J. (1978). (U.S. Patent No. 4,071,629). United States Patent and Trademark Office. https://patents.google.com/patent/US4071629A/en

[2] Facilitation de l’état de veille d’un traitement semi-chronique par la sulbutiamine (Arcalion) chez Macaca mulatta. Balzamo, E., & Vuillon-Cacciuttolo, G. Revue d'Electroencéphalographie et de Neurophysiologie Clinique, 1982, 12(4), 373–378. https://doi.org/10.1016/S0370-4475(82)80029-4

[3] Administração crônica de sulbutiamina facilita a formação de memória de longo prazo em camundongos: possível mediação colinérgica.
Micheau, J., Durkin, T. P., Destrade, C., Rolland, Y., & Jaffard, R. (1985). Pharmacology Biochemistry and Behavior, 23(2), 195–198. https://doi.org/10.1016/0091-3057(85)90555-6

[4] Efeitos da sulbutiamina (Arcalion) sobre a fadiga física e psíquica nos atletas. Pacheco, P. R. (1985). Revista de Educação Física do Exército, (115), 15–19.

SULBUTIAMINA PARTE 3 A Emancipação: Por Que Bettendorff, o tiaminólogo, Está Errado

O momento da ruptura

22 de junho. Este é o texto onde tudo muda. Acabou a reverência, acabou o "talvez eu esteja entendendo errado". Aqui eu finalmente digo o que estava pensando há dias: o maior especialista mundial em derivados de tiamina está sistematicamente desperdiçando seus próprios dados.

O tom é completamente diferente - assertivo, até impaciente. Frases como "capacidade quase patológica" e "embaraçosamente simplistas" mostram que a luva de veludo saiu. É irritação científica legítima: quando você percebe que perdeu tempo tentando racionalizar trabalho inadequado.

Psicologicamente, é libertação intelectual. No dia seguinte, já estava explorando evidências clínicas com energia renovada. A emancipação é energizante.

— M.P. 

Cognitive Luminosity


Summary

  • Revisão crítica da literatura sobre sulbutiamina, destacando a dependência excessiva das visões de Bettendorff e a necessidade de perspectivas independentes.

  • Sulbutiamina aumenta significativamente os níveis cerebrais de tiamina trifosfato (ThTP), mais que a tiamina pura, devido à sua melhor absorção e capacidade de ativar vias metabólicas específicas.

  • ThTP está associado a funções neurais importantes, como modulação de canais iônicos, plasticidade de membranas, sinalização neural, metabolismo energético e fosforilação proteica.

  • Sulbutiamina atua preferencialmente no pool citosólico de tiamina difosfato (ThDP) de alto turnover, precursor direto do ThTP, explicando sua eficácia superior em aumentar ThTP.

  • Bettendorff, apesar de produzir dados experimentais sólidos, apresenta interpretações contraditórias e relutância em reconhecer o papel central do ThTP na farmacodinâmica da sulbutiamina.

  • A sulbutiamina deve ser vista não apenas como precursor de tiamina, mas como modulador sistêmico de múltiplas vias ThTP-dependentes no cérebro, com efeitos pleiotrópicos em cognição, fadiga e função neuromuscular.

  • Necessidade urgente de sair do paradigma restrito de Bettendorff para buscar abordagens científicas mais diversificadas e robustas sobre a sulbutiamina.

  • Reflexão pessoal sobre a evolução intelectual rápida e profunda no estudo da sulbutiamina, passando de consumidor passivo a produtor ativo de conhecimento e teoria original.

  • Reconhecimento do valor clínico e científico da sulbutiamina e do desenvolvimento de habilidades analíticas e críticas essenciais para a prática psiquiátrica futura.


PARTE III - Revisando profundamente a sulbutiamina

Os textos anteriores se pautaram muito pelas visões de Bettendorff sobre a tiamina trifosfato. Revisar extensivamente a literatura que um único autor produziu -- ainda que muito criticamente, como eu fiz -- vem com certos vieses. Inevitavelmente, examinaremos tudo sob a lente, narrativa e seguindo a trilha de raciocínio desse autor. Por exemplo: mesmo que para refutar visões eventualmente distorcidas do Bettendorff, a gente está obrigatoriamente partindo do ponto de vista dele e trabalhando em cima do framework conceitual dele, entende? Estamos jogando bola em seu campo. Este texto explorará perspectivas alternativas - que nos ajudarão a formar uma imagem mais realista sobre a sulbutiamina.

O estudo Subcellular localization and compartmentation of thiamine derivatives in rat brain (Bettendorff et al., 1994) demonstrou que injeções intraperitoneais de sulbutiamina causam um aumento intenso de tiamina livre e especificamente de tiamina trifosfato (ThTP) no cérebro de ratos - bem mais do que a injeção de tiamina pura, mesmo em altas doses. A sulbutiamina é "mais facilmente absorvida, pois atravessa barreiras celulares por difusão passiva". Mas, além disso, ela desloca a tiamina para vias bioquímicas e metabólicas que geram mais ThTP. Isso é muito curioso: a sulbutiamina consegue "ativar" de forma potente, em específico, essa via, como num tropismo metabólico que leva ao acúmulo de ThTP.

  • Ou seja, ela potencializa a formação do ThTP — um composto altamente suspeito de ter funções neurais específicas, ligadas à atividade elétrica, plasticidade de membranas e talvez sinalização. Esse estudo, inclusive, documenta que a tiamina trifosfato é muito rica em locais específicos do sistema nervoso: nos sinaptossomos, mitocôndrias e na bainha de mielina. Isso nos leva a crer que a sulbutiamina, por conseguinte, pode estar modulando processos membranosos específicos como excitabilidade, permeabilidade iônica, ou release de neurotransmissores, via aumento de ThTP.

  • Bettendorff declara: "In addition, we note that brain free thiamine content is higher 4 h after administration of SBT than after 1 h." Isso contradiz o próprio... Bettendorff, que declararia, 19 anos depois que: "No important increase in brain thiamine levels are observed even with these derivatives". [2].

Anteriormente, em 1990, Bettendorff documentou em estudos com ratos que injeções intraperitoneais agudas de sulbutiamina geram níveis séricos muito mais altos de tiamina do que após a injeção de tiamina pura [3]. Além disso, a sulbutiamina faz com que esses níveis permaneçam altos de forma sustentada - por ao menos 60 minutos. É como se a sulbutiamina formasse um reservatório lipofílico de tiamina, que a liberasse gradualmente. Bettendorff declara: "we can conclude that sulbutiamine is at least partially transformed into thiamine and can be considered as a precursor of this vitamin".

Esse mesmo estudo descobriu que a sulbutiamina consegue aumentar os níveis de ThTP em todas as quatro regiões do cérebro dos roedores avaliadas: hipocampo, medula, cerebelo e córtex; diferente da tiamina pura em altas doses, que não tem essa propriedade. Mais que isso, a sulbutiamina aumenta consideravelmente todos os quatro derivados de tiamina (tiamina mono, di e trifosfato e tiamina livre) nas quatro regiões cerebrais testadas.

  • "We have shown that sulbutiamine can act as a nrecursor of thiamine and its phosphate derivatives, and injection of pharmacologic doses of sulbutiamine can lead to an increase of TIP in the brain and kidney, an increase not observed when thiamine was injected", afirma ele.

Esses achados in vivo foram validados e refinados em estudos paralelos com culturas de neuroblastoma [4]. Bettendorff demonstrou que sulbutiamina penetra nas células neurais 20 vezes mais mais rapidamente que tiamina regular - não por um transportador saturável, mas por difusão passiva não-saturável. Uma vez dentro da célula, sulbutiamina é rapidamente hidrolisada a tiamina livre, gerando concentrações intracelulares 10 vezes maiores que as obtidas com tiamina regular.

Mais importante: esses experimentos revelaram a existência de dois pools distintos de tiamina difosfato (ThDP) na mesma célula - um pool grande mitocondrial com turnover lento (~17 horas) que representa as coenzimas ligadas, e um pool pequeno citosólico com turnover rápido (~1-2 horas) que é o precursor real do ThTP. Sulbutiamina alimenta preferencialmente este pool de "alto turnover", explicando por que ela é mais eficaz que tiamina regular para aumentar ThTP mesmo quando ambas geram quantidades similares de ThDP total [4].

Funcionalmente, Bettendorff também demonstrou que ThTP ativa canais de cloreto de alta condutância com uma correlação dose-resposta hiperbólica (K₀.₅ = 0.27 pmol/mg). Esses canais raramente se abrem em condições normais, mas são ativados durante stress celular, despolarização ou choque hipoosmótico - sugerindo que ThTP funciona como um "interruptor de emergência neural" que modula excitabilidade em situações específicas [5]. Isso conecta diretamente a capacidade única da sulbutiamina de aumentar ThTP com efeitos funcionais precisos na atividade neural.

Com isso, temos que:

Sulbutiamina:

  • Aumenta de maneira muito mais robusta a incorporação nos fosfatos de tiamina, especialmente no ThTP, que está associado a funções de membrana, regulação de canais iônicas e, possivelmente, sinalização neural.

  • Aumenta especialmente o pool de TDP livre no citosol, aquele de turnover alto, que é o precursor direto do TTP — algo que a tiamina simples não faz tão eficientemente.

🔍 O que realmente faz o ThTP? [5, 6]

Se a sulbutiamina desloca consistentemente o metabolismo da tiamina para a produção de ThTP, a questão inevitável torna-se: quais são as funções estabelecidas do ThTP? E o que pode significar modular esse metabólito no cérebro?

Aqui, retomamos o que já vimos nas entries anteriores - mas com um olhar mais apurado para as implicações para a sulbutiamina. Essa sessão irá se centrar em dois estudos importantes do Bettendorff sobre derivados fosforilados de tiamina e sobre suas funções não coenzimáticas.

A literatura atual, mesmo com as limitações interpretativas de Bettendorff, permite extrair algumas respostas razoavelmente sólidas sobre a relevância funcional do aumento de ThTP pela sulbutiamina.


1. Modulação de canais aniônicos de alta condutância

O papel mais robustamente documentado do ThTP é como modulador de canais aniônicos de alta condutância [7]. ThTP ativa os chamados "maxi-anion channels" – posteriormente identificados como formas abertas do transportador SLCO2A1 – que permitem passagem não apenas de Cl⁻, mas também de ATP e outros ânions.

Funcionalmente, isso se traduz em:

  • Regulação de excitabilidade neuronal,

  • Volume celular,

  • E sinalização purinérgica – especialmente em situações de stress celular.


2. Modulação metabólica via glutamato desidrogenase

Evidências experimentais também suportam o papel do ThTP como modulador alostérico da glutamato desidrogenase, enzima que regula o equilíbrio entre glutamato, α-cetoglutarato e amônia.

Isso posicionaria ThTP na intersecção entre metabolismo energético e neurotransmissão glutamatérgica – embora a relevância fisiológica real permaneça a ser determinada.


3. Sensor bioenergético mitocondrial

Adicionalmente, a síntese mitocondrial de ThTP dependente do gradiente de prótons sugere sua função como “sensor bioenergético”níveis altos indicando capacidade respiratória íntegra, níveis baixos sinalizando comprometimento mitocondrial.


4. Fosforilação direta de proteínas

Há também evidências preliminares de que ThTP pode fosforilar diretamente certas proteínas, como a rapsyn na junção neuromuscular, como vimos nos últimos textos.


🧠 Funções variam em robustez

Importante: essas funções do ThTP variam enormemente em robustez experimental.

  • Enquanto a modulação de canais de cloreto tem evidência sólida,

  • Outros papéis permanecem especulativos ou baseados principalmente em dados in vitro.


Implicações para a sulbutiamina

A implicação é clara e poderosa: sulbutiamina, como única substância capaz de aumentar ThTP cerebral de forma robusta, está simultaneamente modulando pelo menos quatro sistemas neurológicos fundamentais - excitabilidade celular (canais iônicos), metabolismo de neurotransmissores (glutamato desidrogenase), eficiência sináptica (fosforilação proteica), e integridade bioenergética (sinalização mitocondrial).

Isso não é especulação - é dedução lógica direta dos dados experimentais. Se ThTP tem essas funções (comprovadas), e sulbutiamina é tão eficaz em aumentar ThTP cerebral (comprovado: vimos isso no cérebro de ratos - no córtex, hipocampo, cerebelo e medula - e com níveis especificamente elevados de ThTP se acumulando nos botões sinápticos, mielina e mitocôndrias!), então sulbutiamina necessariamente modula todos esses sistemas.

Seus efeitos pleiotrópicos na cognição, fadiga, e função neuromuscular deixam de ser misteriosos - são consequências previsíveis de sua ação multimodal via ThTP. E coerentes com as ações multimodais de ThTP, que cumpre papéis não-coenzimáticos, em vias extremamente elementares da saúde neuronal.

  • Por isso, caracterizar sulbutiamina como simples "precursor de tiamina" é reducionismo científico. Ela é um modulador sistêmico de múltiplas vias ThTP-dependentes no cérebro - algo que a simples tiamina é incapaz de fazer - uma categoria farmacológica praticamente única e relativamente obscura na neuropsicofarmacologia moderna. Essa deve ser provavelmente a essência da farmacodinâmica da sulbutiamina. Não entendemos completamente o ThTP. Sabemos que ele está envolvido em processos primitivos, pleiotrópicos, básicos, elementares dos neurônios - condução de impulsos nervosos, sinalização molecular, condutância elétrica, metabolismo energético. E sabemos que a sulbutiamina aumenta o ThTP cerebral de forma consistente - quiçá, como sua PRINCIPAL ASSINATURA FARMACOLÓGICA. Posto de outra forma: se tivéssemos que descrever numa única afirmativa: "Como a sulbutiamina age farmacologicamente?", a resposta mais próxima da verdade provavelmente seria: "Ela aumenta os níveis de ThTP". Seus efeitos farmacológicos, portanto, passam pelo ThTP - portanto, passam pela multiplicidade funcional do ThTP: a sulbutiamina, portanto, modula, interfere, intervém em questões tão cruciais da fisiologia neuronal.

Isso forneceria uma base mecanística plausível para seus efeitos clínicos pleiotrópicos.

🚩 O problema de Bettendorff

Até aqui, a lógica experimental é sólida. Se ThTP tem esses papéis bem documentados, e sulbutiamina é comprovadamente capaz de elevá-lo no cérebro de forma robusta, então seus efeitos clínicos são uma consequência direta dessa farmacodinâmica.

Contudo, há um obstáculo irônico – e, confesso, que até irritante enquanto eu escrevo – que atravessa todo esse campo de pesquisa: o próprio Lucien Bettendorff.

Bettendorff, incontestavelmente, é o maior especialista mundial em ThTP. É dele praticamente todo o corpo experimental relevante que temos hoje. Mas ele também é, paradoxalmente, o maior entrave epistemológico desse campo.

Bettendorff demonstra uma capacidade quase patológica de produzir dados experimentais sólidos e depois desperdiçá-los com interpretações contraditórias.

Ao longo de três décadas de produção científica, Bettendorff demonstra um padrão recorrente e profundamente problemático:

  • Uma capacidade experimental excepcional, produzindo dados elegantíssimos, rigorosos, precisos. (Estamos falando de estudos com ratos intubados, com acesso venoso central para coleta de sangue em tempo real, cérebros homogeneizados, HLPC e técnicas refinadas de laboratório que escapam minha compreensão);

  • E uma incapacidade quase estrutural de interpretar adequadamente esses mesmos dados.

Ele documenta, com robustez, que a sulbutiamina aumenta ThTP em múltiplas regiões cerebrais (hipocampo, córtex, cerebelo, medula), que isso não ocorre com tiamina pura, que ThTP é concentrado em compartimentos neurais funcionais (mitocôndrias, mielina, sinaptossomos) — e, ainda assim, se recusa sistematicamente a admitir que os efeitos neuropsicológicos da sulbutiamina possam ser mediados por ThTP.

Exemplo (nos primeiros trabalhos, ThTP era citado como TTP):

  • As it causes a large increase in cytosolic thiamine concentration, SBT, in contrast to thiamine, would shift the equilibrium toward the synthesis of TDP (high turnover pool) and TTP. The turnover of TTP is not dramatically affected. This would explain why chronic administration of SBT, in contrast to thiamine, leads to an increased TTP content in rat brain [13]. SBT is a psychotropic agent prescribed for the symptomatic treatment of functional asthenias [28]. Effects on longterm memory [29] and on the waking state [30] have also been reported. Though there is not yet any direct evidence that the effects of SBT are mediated by TTP...

Em um único parágrafo, ele diz que a sulbutiamina é capaz de aumentar o ThTP. Que a sulbutiamina tem efeitos psicotrópicos. E que não tem evidências que seus efeitos sejam mediados pelo ThTP - sem reconhecer que essa é a explicação mais óbvia.

Ele mesmo produz os dados que sustentam essa conclusão, mas se refugia em formulações evasivas, reticentes e, muitas vezes, autorrefutáveis.

  • Em 1994, demonstra que sulbutiamina aumenta tiamina livre e ThTP no cérebro de ratos.

  • Em 2013, afirma, no mesmo tom categórico: “No important increase in brain thiamine levels are observed even with these derivatives.”

Bettendorff trata sulbutiamina com descuido conceitual evidente. Me parece que, para ele, sulbutiamina é meramente uma "ferramenta farmacológica" para estudar ThTP, não um composto digno de investigação própria. É o cara da Bioquímica, não da Farmacologia. Mas não precisava chutar a Farmacologia para tão longe. Isso se reflete em teorias mecanísticas embaraçosamente simplistas - como a hipótese de que sulbutiamina funciona apenas "porque mantém níveis séricos mais altos" - que ignoram completamente a saturação de transportadores e falham em explicar por que tiamina em doses divididas não reproduziria os mesmos efeitos.

🌐 Para além do universo Bettendorff

Para formar uma visão científica equilibrada da sulbutiamina, precisamos urgentemente de perspectivas independentes que a tratem como protagonista farmacológico, não como coadjuvante na história do ThTP.

Para validar essas conexões, precisamos urgentemente sair do universo conceitual de Bettendorff e buscar perspectivas científicas mais diversificadas. O próximo passo não é mais dissecar suas frases ou tentar resolver suas contradições internas. O próximo passo é buscar perspectivas frescas na literatura sobre a sulbutiamina.

Isso por si só fornecerá um framework muito mais robusto e elegante para compreender seus efeitos clínicos — da melhora da fadiga e do humor, até potenciais adjuvâncias em doenças neurodegenerativas, cognitivas e psiquiátricas.

[1] Subcellular localization and compartmentation of thiamine derivatives in rat brain. Bettendorff, L., Wins, P., & Lesourd, M. (1994). Biochimica et Biophysica Acta (BBA) - Molecular Cell Research, 1222(1), 1–6. https://doi.org/10.1016/0167-4889(94)90018-3

[2] Biological functions of thiamine derivatives: Focus on non-coenzyme roles. Bettendorff, L., & Wins, P. (2013). OA Biochemistry, 1(1), 10. https://doi.org/10.13172/2054-9878-1-1-529

[3] Injection of sulbutiamine induces an increase in thiamine triphosphate in rat tissues. Bettendorff, L., Weekers, L., Wins, P., & Schoffeniels, E. (1990). Biochemical Pharmacology, 40(11), 2557–2560. https://doi.org/10.1016/0006-2952(90)90099-7

[4] The compartmentation of phosphorylated thiamine derivatives in cultured neuroblastoma cells. Bettendorff, L. (1994). Biochimica et Biophysica Acta, 1222(1), 7-14

[5] Biological functions of thiamine derivatives: Focus on non-coenzyme roles. Bettendorff, L., & Wins, P. (2013). OA Biochemistry, 1(1), 10. https://doi.org/10.13172/2054-9878-1-1-529

[6] Update on thiamine triphosphorylated derivatives and metabolizing enzymatic complexes. Bettendorff, L., & Wins, P. (2021). Biomolecules, 11(9), 1302. https://doi.org/10.3390/biom11091302

[7] Chloride permeability of rat brain membrane vesicles correlates with thiamine triphosphate content. Bettendorff, L., et al. (1994). Brain Research, 652(1), 157-160.


SULBUTIAMINA PARTE 2 - Como a sulbutiamina hackeia o metabolismo cerebral | E sobre a tiamina trifosfato

A transição

Aqui já não estou mais pedindo desculpas. O tom muda - ainda respeitoso com Bettendorff, mas agora estou construindo teoria própria. Começou a síntese: se a sulbutiamina aumenta ThTP, e ThTP faz X, Y e Z, então a sulbutiamina deve fazer X, Y e Z também.

É neste texto que desenvolvo o conceito de ThTP como "termômetro metabólico" - uma das ideias que mais me orgulha na série. Também surge o conceito de "afinador neural" e a ideia de que a sulbutiamina não energiza, mas otimiza. Já estou pensando de forma mais sistêmica, conectando pontos que ninguém havia conectado.

Psicologicamente, é o momento onde paro de tentar entender Bettendorff e começo a pensar independentemente. Ainda o cito respeitosamente, 

Dynamic balance



Summary

  • Sulbutiamina, derivada de tiamina, aumenta níveis intracelulares de tiamina livre e seus ésteres fosfatados, especialmente tiamina difosfato (ThDP) e tiamina trifosfato (ThTP).

  • ThDP atua como coenzima crucial no metabolismo energético, explicando os efeitos dramáticos da deficiência de tiamina em doenças como a Síndrome de Wernicke-Korsakoff.

  • ThTP, molécula ubíqua e não-coenzimática, sintetizada principalmente pela ATP sintase mitocondrial no cérebro, funciona como indicador da intensidade metabólica celular.

  • Níveis elevados de ThTP refletem alta capacidade de resposta metabólica; níveis baixos indicam estresse celular ou falência da resposta energética, como observado em insuficiência cardíaca e estimulação visual em babuínos.

  • Sulbutiamina pode aumentar ThTP em tecidos metabolicamente estressados, otimizando a disponibilidade de substratos para a síntese energética, especialmente em estados de demanda aumentada, como fadiga e astenia.

  • ThTP participa da liberação de neurotransmissores (dopamina, acetilcolina) e modula proteínas por fosforilação direta, influenciando a transmissão sináptica e a excitabilidade neuronal.

  • Sulbutiamina pode melhorar a função neuromuscular em neuropatias como Charcot-Marie-Tooth, possivelmente reorganizando a placa motora via fosforilação da rapsyn.

  • A ação da sulbutiamina vai além do aumento de energia celular, atuando como um "afinador neural" que otimiza comunicação neuronal em múltiplos níveis, do metabolismo à modulação iônica.

  • Potencial terapêutico amplo e adjuvante em diversas patologias com déficit energético ou funcional, especialmente em estados deficitários como astenias, sem ser um tratamento milagroso, mas um contribuinte valioso.

  • Compreensão aprofundada da sulbutiamina exige considerar seu impacto nos ésteres de tiamina, especialmente ThTP, molécula evolutivamente conservada e ainda pouco compreendida.


Retomando os estudos sobre a sulbutiamina

A sulbutiamina, formado por duas moléculas de tiamina modificadas e ligadas por uma ponte de dissulfeto. Em seu metabolismo, aumenta os níveis de tiamina livres no meio intracelular. Por sua vez, aumentos suprafisiológicos de tiamina, como vimos na entrada anterior, pode ter, teoricamente, alguns efeitos em cascata - que ajudam em insights sobre a farmacologia da sulbutiamina. Há proteínas ligantes específicas - grosso modo, receptores intracelulares para tiamina - o que é um tanto fantástico, pois essa vitamina, então, passa a agir como uma molécula sinalizadora. Esses receptores estão nos botões sinápticos e, quando ativados, parecem levar à exocitose de neurotransmissores. Poderíamos especular, por extrapolação ampla, que a sulbutiamina tem um efeito global no aumento da neurotransmissão e facilitação da sinaptogênese.

Além disso, o aumento de tiamina poderia, por tabela, conduzir a um aumento de síntese dos seus ésteres fosfatados. O mais famoso é a tiamina difosfato, que atua amplamente como uma coenzima. Ela tem papel crucial no metabolismo energético, catalisando reações enzimáticas que em última análise permitem aos neurônios produzirem precioso ATP. Talvez esse seja o motivo mais latente que explique o porquê deficiências de tiamina podem repercutir em quadros clínicos tão dramáticos como a Síndrome de Wernicke-Korsakoff, marcado por confabulações e danos em estruturas específicas no cérebro. O substrato molecular da Síndrome, por óbvio, é tão pleiotrópico quanto as funções da tiamina - mas quando você prejudica algo tão básico quanto o metabolismo oxidativo, isso pode explicar boa parte do problema.

Isso posto, nossa atenção se volta a uma pequena fração do pool de substâncias "tiamínicas": a tiamina trifosfato. É uma molécula que parece ser ubíqua, de E. coli até humanos, com funções obscuras. Não é uma coenzima - a natureza escolheu a forma difosfato para isso. Seus papéis são não-coenzimáticos. Isso torna tudo muito enigmático e interessante, quando paramos para pensar que, com a sulbutiamina, podemos estar aumentando os níveis de uma substância evolutivamente conservada, mas que não entendemos tão bem. É comprovado que a sulbutiamina aumenta os níveis de tiamina trifosfato. A relevância clínica disso, é que é misteriosa. Vamos buscar algumas respostas - ou, mais provavelmente, insights que acabam apenas por gerar mais perguntas ! - hoje no artigo Update on Thiamine Triphosphorylated Derivatives and Metabolizing Enzymatic Complexes, de 2021, do "tiaminólogo" Lucien Bettendorff.

Como fabricamos tiamina trifosfato?

Bettendorff explica que a síntese de tiamina trifosfato (ThTP) ocorre por dois mecanismos principais. O primeiro é por meio da adenilato kinase, no citosol. Aqui, as reações, para alguns autores, são quase como "efeito colateral" da atividade da adenilato, em que o ThTP é um subproduto metabólico.

ThDP + ADP → ThTP + AMP

A segunda forma, que interessa bem mais, é por meio da ATP sintase mitocondrial. A ATP sintase é específica do cérebro, ocorrendo nas mitocôndrias, na cadeia transportadora de elétrons. Sugere-se que a síntese se dê por um mecanismo análogo ao da formação do ATP. Isso não ocorre no músculo, não ocorre no fígado -- ocorre apenas no cérebro, nas mitocôndrias. A ATP sintase é acoplada ao metabolismo energético mitocondrial. Ao aumentar a tiamina difosfato disponível, a sulbutiamina poderia alimentar essa via (embora ela também seja regulada por outros fatores).

ThDP + Pi → ThTP + fosfato

Não está claro em que condições a tiamina trifosfato é apenas "efeito colateral" da síntese de ATP ou de outras reações enzimáticas - ou quando cumpre um papel fisiologicamente relevante. Bettendorff aposta na última ideia. Ele conta sobre a autópsia de pacientes com insuficiência cardíaca, em que os níveis de tiamina trifosfato são baixos. O produto da degradação, pela ThTPAse é ThDP e, em última instância, será metabolizada na forma de tiamina monofosfato (ThMP). Aqui, temos células - cardiomiócitos - energeticamente ineficientes, com mudanças metabólicas. Baixas de tiamina trifosfato podem ser como um termômetro da saúde metabólica, já que sua síntese está acoplada ao metabolismo de energia das células. Níveis baixos de ThTP sugerem, portanto, que a síntese está relativamente baixa comparado à hidrólise de ThTP; acumulando-se, nesse contexto, a ThMP.

Como interpretar um aumento de ThTP?

Se baixas em tiamina trifosfato comunicam estresse celular, a sulbutiamina pode estar endereçando essa via em tecidos metabolicamente estressados. Isso, contudo, é altamente especulativo.

Do que eu entendi, a evidência sugere que a tiamina trifosfato (ThTP) funciona como um indicador de intensidade metabólica. Demanda tecidual aumentada = metabolismo energético elevado = é natural que ThTP, que é dependente do gradiente de prótons e acoplado à cadeia respiratória mitocondrial, também aumente.

Níveis elevados de ThTP podem, talvez, não sinalizar problema, mas sim capacidade de resposta metabólica ativa. Quando as células precisam "acelerar" - seja por demanda energética ou estresse adaptativo (como vemos no exemplo de E. coli em "starvation" de aminoácidos, que poderia pressionar mais o metabolismo oxidativo) - a síntese de ThTP aumenta como reflexo de um metabolismo oxidativo intensificado. É o equivalente bioquímico de "pisar no acelerador" quando necessário.

Níveis baixos de ThTP, por outro lado, podem indicar falência da capacidade de resposta, ou estresse excessivo do sistema. Nos cardiomiócitos de pacientes com insuficiência cardíaca, a ThTP diminuída sugere não um "repouso metabólico", mas uma incapacidade de acelerar quando a demanda exige - como um motor que não consegue aumentar as rotações sob carga.

Bettendorff cita, por exemplo, um estudo com babuínos submetidos à estimulação visual intermitente → razão [ThTP]/[ThMP] diminuiu no córtex visual. Ou seja, ThTP cada vez menos sintetizado, cada vez mais degradado... E ThMP aumentando, igualzinho nós vimos naqueles cardiomiócitos de pacientes coronarianos.

Essa interpretação sugere que ThTP baixo pode ser tanto sinal de sistema falindo (coronarianos) quanto de sistema operando no limite absoluto (babuínos). Em ambos os casos, a ThTP está nos contando algo sobre o estado energético da célula. E estado energético é algo tão fundamental para a biologia celular. O simples fato de a sulbutiamina estar "cutucando" um mecanismo tão primário, tribal, nos informa que ela está interferindo em algo muito essencial.

Para Bettendorff, a diminuição do ThTP reflete síntese diminuída de ThTP pela ATP sintase em condições de alto consumo energético. Haveria um redirecionamento maior para a síntese de ATP. Não é momento de sintetizar ThTP. A célula está sob altíssima atividade elétrica, metabólica -- seus recursos fosfatados estão sendo dispendidos em ATP. Durante essa situação:

  • Hidrólise de ThTP continua normalmente

  • Síntese de ThTP diminui (ATP sintase ocupada)

  • Resultado: ThTP ↓ e ThMP ↑

  • Plus: escassez de ATP também diminui síntese de ThDP

Bettendorff está dizendo que quando o cérebro trabalha intensamente, ThTP cai não porque está sendo "usado", mas porque sua síntese diminui quando a maquinaria energética está focada em fazer ATP.

Essa perspectiva redefine como entendemos a ação da sulbutiamina. Ela não é simplesmente um "acelerador metabólico universal", mas um otimizador de substrato que remove gargalos específicos.

A sulbutiamina aumenta a disponibilidade de ThDP (substrato), mas a síntese final de ThTP ainda depende de múltiplos fatores: capacidade da ATP sintase, atividade da cadeia respiratória, presença de "ativadores metabólicos" e integridade do gradiente de prótons.

Em outras palavras: a sulbutiamina pode ser mais eficaz em situações onde há demanda metabólica presente, mas recursos limitados - não necessariamente em estados de repouso completo. Curiosamente, ela é indicada justamente em... Fadiga, exaustão, astenia; quando a necessidade de produção de energia é aumentada e, por algum motivo, não estamos conseguindo atendê-la.

ThTP: além do metabolismo energético

O ThTP ainda tem papéis no cérebro que vão além dessa função de termostato energético. Há evidências -- mas longe de serem claras sobre o quão fisiologicamente relevantes são -- de que o ThTP está envolvido com a liberação de neurotransmissores. Bettendorff menciona indução de liberação de dopamina num processo cálcio-dependente no estriado; e na transmissão colinérgica. Isso é bem interessante, pois nós vimos que a tiamina, por si só, também pode afetar a neurotransmissão. Com isso, ao aumentar tanto tiamina quanto ThTP, há pelo menos duas bases teóricas para apontar que a sulbutiamina aumenta de maneira um tanto inespecífica a liberação de neurotransmissores.

De fato, como veremos depois, há estudo em animais que mostram que a sulbutiamina em altas dosagens aumenta a HACU (high affinity choline uptake), ou seja, a captação de colina por neurônios do hipocampo; o que, por sua vez, imaginamos que aponta para um uso aumentado (e, por conseguinte, mais liberação) de acetilcolina. No mesmo estudo, esse foi o mecanismo proposto como subjacente para uma melhora na consolidação de memórias dos animais.

A tiamina trifosfato ainda atua como modificadora direta de proteínas, fosforilando alvos específicos sem necessidade de enzimas intermediárias - uma capacidade relativamente rara na bioquímica.

Dois exemplos ilustram essa versatilidade:

1. Modulação sináptica: ThTP fosforila a rapsyn, proteína que organiza receptores nicotínicos na junção neuromuscular, potencialmente melhorando a eficiência da transmissão entre nervo e músculo.

Teoricamente, a fosforilação da rapsyn permitiria organizar de forma mais coesa os receptores nicotínicos. Uma conexão interessante é que temos estudos demonstrando que a sulbutiamina e outros derivados de tiamina podem ter efeito terapêutico em pacientes com a doença de Charcot-Marie-Tooth. Trata-se de uma neuropatia periférica, em que há danos a proteínas da bainha de mielina, o que prejudica a transmissão dos impulsos elétricos e, em última análise, enfraquece o sinal nas junções neuromusculares. A sulbutiamina aumenta a força muscular em pacientes com Charcot-Marie-Tooth (grip strenght) em doses de apenas 200 mg. Isso poderia ser por vários mecanismos que vimos - a facilitação da neurotransmissão, a melhora nas vias energéticas; - mas um elegantemente a se propor, também em bases puramente teóricas: uma reorganização final na placa motora - de modo que os impulsos mais raros e desorganizados que chegam possam ser aproveitados ao máximo. Com isso, haveria uma melhora da função neuromuscular.

2. Regulação da excitabilidade: Ativa canais de cloreto especiais que não apenas modulam a excitabilidade neuronal, mas também liberam ATP - criando uma cascata de sinalização célula-a-célula.

Creio que isso também fala a favor de um efeito mais pleiotrópico quando analisamos a sulbutiamina. Não me parece haver algo de fato neurotransmissor-específico, mas sim um reforço mais genérico ou intervenção em temas mais básicos, em funções elementares dos neurônios.

Implicações Para a Sulbutiamina

Isso redefine completamente o perfil farmacológico da sulbutiamina. Não estamos falando apenas de "mais energia celular", mas de um "afinador neural" que otimiza múltiplos aspectos da comunicação neuronal: força de transmissão sináptica, regulação da excitabilidade e sinalização intercelular.

A sulbutiamina pode estar literalmente calibrando a maquinaria neural em múltiplos níveis simultaneamente - do metabolismo energético à modulação fina de canais iônicos. É um mecanismo de ação muito mais elegante e multifacetado do que inicialmente aparentava.

Agora, temos um framework aprofundado e relativamente único para entender a sulbutiamina. É hora de nos voltarmos diretamente para ela, com essa base teórica já muito bem sedimentada. Estou curioso para explorar mais conexões e ver como isso se traduz na prática clínica!

Creio que, de fato, essa exploração do ThTP e tiamina foi essencial para eu ganhar compreensão e insights únicos sobre a sulbutiamina. Ela não parece operar num vácuo - o mecanismo de ação dela inevitavelmente terá que passar, de alguma forma, pela tiamina e seus ésteres. Entender apenas "ah, ela aumenta a HACU" é arranhar a superfície de sua farmacologia, creio. Ela faz isso por algum motivo. E o motivo, não pode ser por outra via, que não esteja entremeada com a tiamina.