terça-feira, 19 de novembro de 2019

Piracetam: droga promissora no estresse pós-traumático



Pesquisa revela que piracetam pode facilitar recuperação de traumas

O piracetam é a vedete do mundo dos nootrópicos. A boa fama pouco tem a ver com estudos mostrando benefícios à cognição: poucas pesquisas avaliaram os efeitos da droga em pessoas saudáveis. Tal popularidade é melhor explicada pela tonelada de relatos pregando que o piracetam melhora o aprendizado. Funciona ou não?

Estamos longe de um consenso. Porém, uma pesquisa recém-publicada, em outubro de 2019 - feita em ratos - reforça um pouco a crença de internautas. Cientistas do Instituto de Tecnologia da Índia concluíram que o piracetam facilita a consolidação de novas informações. Mais do que isso - o piracetam "substitui" memórias traumáticas por novos aprendizados, apagando registros de medo.


Os cientistas verificaram que o nootrópico desarmou toda a cascata de efeitos moleculares de modelos animais de Transtorno de Estresse Pós-Traumático - O que se traduziu em melhoras no comportamento dos ratos. Será a deixa para novos estudos em humanos com o piracetam?

O estudo: "jogos mortais"

Exemplo de experimento com restrição de movimentos, com
objetivo de provocar 'traumas' em ratos
Para criar animais "representativos" de Transtorno de Estresse Pós-Traumática, os cientistas usaram um roteiro sádico: imobilizam os ratos num tubo (claustrofobia, alguém?) por duas horas e, logo depois, deixou-os a nadar por 20 minutos em água fria. Os cientistas repetiram outros estímulos de estresse na semana seguinte, para fixar memórias de medo, ainda antes do piracetam entrar em cena.

É claro que o resultado foram ratos assustados e inseguros - e portanto, exibiam isolamento,  resguardavam-se em cantos, exibiam comportamentos ansiosos, sempre vigilantes, em busca de sinais ameaçadores. Tal como alguém com o Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Reparação de danos com o piracetam

Piracetam "apagou" as memórias negativas, desarmando toda a cascata molecular que levava ao modelo de Transtorno por Estresse Pós-Traumático

Durante 14 dias após os requintes de crueldade, alguns ratos passaram a receber piracetam, outros placebo. Todos passaram por  uma "terapia de exposição" - técnica usada também em humanos - em que retornam aos locais que geraram trauma, mas dessa vez sem qualquer perigo.

Apenas os animais que receberam piracetam conseguiram reaprender que o ambiente era seguro - dando novo significando às experiências anteriores e superando o trauma. O piracetam ajudou a deletar as memórias perturbadoras, através da formação de novos aprendizados. E, como consequência, os roedores ficaram mais zen, exploradores e socializando melhor. Os colegas do placebo, não.

Mecanismos: fertilizante cerebral e anti-inflamatório
O piracetam provavelmente ajudou o cérebro a manter sua capacidade de ser uma metamorfose ambulante. Sim: tudo que você lê, vive ou experimenta muda seu cérebro - produz efeitos até em nível molecular. O cérebro processa seu ambiente externo e interno - e daí, neurônios fortalecem ou enfraquecem suas conexões. E tudo muda. Chama-se neuroplasticidade. Aonde o piracetam entra nisso?


O piracetam intensifica a ativação do receptor AMPA - envolvido com vias de memória, por aumentar a produção de um "fertilizante" cerebral. O tal fertilizante, chamado BDNF, promove a sobrevivência de neurônios e contribui para que o cérebro não fique rígido feito panela Inox. É um super aliado do aprendizado. Coerentemente, o piracetam também é capaz de aumentar os níveis de BDNF - o que explicaria efeitos benéficos para o intelecto.

Há pouco tempo, também foi descoberto que o piracetam tem ação anti-inflamatória no cérebro. A neuroinflamação exagerada é raiz de várias doenças que prejudicam o humor e as funções intelectuais - e está envolvida com o Transtorno de Estresse Pós-Tramático.

Nesse experimento que vimos, os ratos traumatizados tiveram inflamação indo às alturas, com ampla concentração de agentes nocivos (oxidantes). É como se, após o estresse, soltassem pequenas fagulhas. De início, envenena o BDNF, a proteína da plasticidade, por exemplo.

Depois, sem freios, as fagulhas inflamatórias transforma-se num incêndio - estresse oxidativo, degeneração de neurônios e até mesmo a morte neuronal e atrofia do cérebro - como foi verificado no estudo. Fogo apagado pelo piracetam: o nootrópico teve ação antioxidante e resguardou o cérebro da neuroinflamação exagerada e de todos os seus efeitos maléficos, "letais" e pirotécnicos.

Trilhando novos caminhos

E, claro, piracetam, preservou os níveis de BDNF - o que é crítico para a memorização. "Apagar memórias de medo é, na verdade, um processo de (re)aprendizado", como dizem os autores. O aumento de BDNF pode ser o X da questão no modo que o piracetam opera: tornaria o cérebro mais flexível, capaz de processar melhor informações e, daí, construir novos mapas mentais.

Extrapolando para um paciente com Transtorno do Estresse Pós-Traumático, como especulam os próprios autores, o piracetam poderia auxiliar na "destruição" de memórias traumáticas - em conjunto com a terapia de exposição.

É a possibilidade de viver com menor irritabilidade, insônia, isolamento social e medo - e, num nível microscópio, salvar neurônios e manter preservada a valiosa capacidade do cérebro de fazer novas conexões.

Aguardemos mais estudos...

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