sábado, 26 de novembro de 2016

Como aumentar os níveis de dopamina - parte 1

Alguns suplementos e nootrópicos são capazes de aumentar a dopamina. Conheça as funções e os reais efeitos desse neurotransmissor




Se você, caro leitor, está me lendo agora, então - muito obviamente - você quer turbinar os seus níveis de dopamina. Não se preocupe: essa série de artigos cumpre o que o título promete. Eu lhe contarei as artimanhas químicas de como deixar esse neuroquímico nas alturas (embora, fique claro, para fins de conhecimento científico).

Mas, respire fundo, pegue um cafezinho e volte à leitura do blog. Antes de papearmos sobre como aumentar a dopamina, é do seu melhor interesse entender quais são os reais efeitos da dopamina (será que você realmente sabe?). Parece bobo. Mas é que proliferam-se os conceitos errados que se tem sobre esse mensageiro químico. Então, vamos conhecer aquilo com o que estamos lidando.

Neurotransmissor do prazer? Calma lá!
Pelo ponto de vista de um bioquímico:
A dopamina (DA) é um neurotransmissor monoaminérgico, da família das catecolaminas, produzido pela descarbonização de dihidroxifenilalanina (DOPA).
Ok, essa não foi uma apresentação das mais agradáveis. Bom, deixa para lá. Vamos falar do que ela pode fazer.

dopaminabailandopelocerebro.jpg
Primeiro: a dopamina atua como um neurotransmissor. Neuro-transmissor: isso é, ela é que nem um pombo-correio. Peregrina pelo cérebro e levando uma mensagem de um ponto a outro. A arte acima retrata isso. Os botões em verde são dois neurônios - células nervosas. As bolinhas vermelhas que dançam no espaço entre os dois poderiam ser a dopamina, que medeia a conversa entre os dois neurônios.

Essa daí de cima é a molécula de dopamina. E, abaixo dela, uma legenda errônea: a dopamina tem pouco a ver com o seu "feel-good"!
Mas qual mensagem é essa que a dopamina leva? Euforia, júbilo e muito bem-estar, certo? Er... Não! Se era esse o seu objetivo com mais dopamina, más notícias!

É verdade que a mídia adora chamar a dopamina de "neurotransmissor do prazer". Apesar de o apelido já estar tão inculcado no saber popular, a dopamina não merece o título. Mas de onde surgiu essa história?

Bom, você pode dizer que o "culpado" é esse senhor norte-americano da foto. O cientista Roy Wise foi quem originalmente propôs a hipótese, lá em 1980.

Em um trabalho, Wise defendeu que, quando dois neurônios usam a dopamina para se comunicar, isso é "traduzido em mensagens hedônicas que nós experimentamos como prazer, euforia ou 'gostosura'" [1]. Mal Wise sabia, na época, que as coisas não são tão simples assim (quem dera!).

Roy Wise, em 1990, reconhecendo seu erro: "Eu não acredito mais que a quantidade de prazer sentido seja proporcional à quantidade de dopamina disponível".

E, mais tarde, em meados de 1990, Wise fez um curioso mea culpa, em que o próprio retirou a própria hipótese de que "dopamina indica prazer" que ele havia proposto. Um outro pesquisador registrou a seguinte declaração de Wise: "Eu não acredito mais que a quantidade de prazer sentido seja proporcional à quantidade de dopamina flutuando pelo cérebro" [1]. Mais recentemente, em 2008, ele concluiu: "O prazer não é, necessariamente, um correlato de elevações da dopamina" [2].

Para a defesa do cientista, Wise é, até hoje, um grande pesquisador dos papéis da dopamina. Entre erros e acertos, ele nos legou uma maior compreensão sobre ela. Mas então, se a alcunha "neurotransmissor do prazer" é mais que ultrapassada, então qual é a função da dopamina? "Confundir neurocientistas" - é a resposta que Kent Berridge - ele próprio, um neurocientista - dá a essa pergunta [3].

O que a dopamina faz? Boa pergunta...

A piada de Berridge tem muito fundamento. Nós tentamos encaixar a dopamina - que é um neurotransmissor parte da complexa linguagem biomolecular do cérebro - em conceitos vagos e de construção social: o querer, gostar, entre outros. É muita ingenuidade achar que um código neuroquímico se encaixará precisamente a conceitos abstratos como se as duas ideias fossem peças de Lego.

Para a nossa sanidade mental - e para não tornar esse artigo excessivamente longo - entenda que eu serei simplista ao pincelar sobre os papéis da dopamina. Cada linha desse texto será rasa. Corro o risco de dar a entender que tudo sobre esse neurotransmissor já está devidamente mastigado e entregue numa bandeja. Na verdade, a dopamina é motivo de dor de cabeça para muito neurocientista até hoje!

O que é que a dopamina tem?
Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), em "O Lobo de Wall Street": provavelmente alguém com a dopamina altíssima
Apesar de não ter muito a ver com o "sentir prazer" - o gostar, a dopamina está intimamente atrelada ao "buscar prazer" - o desejar. A dopamina tem a ver com a propulsão, o ímpeto e a vontade para ir atrás das coisas que nos fazem bem (ou que nosso cérebro acredita que fazem bem - como álcool e drogas).

Desse modo, em vez de você ser arrebatado por uma torrente dopaminérgica ao passar no vestibular ou conseguir um emprego, a dopamina é o químico que lhe motiva a conquistar essas recompensas [4].


Uma visão mais realista da dopamina - a sua animadora de torcida
Usada para o "bem", a dopamina é a molécula que determina a sua força de vontade. Quanta motivação e persistência você tem para conquistar aquilo que dá prazer, como a realização de um objetivo? Conte-me dos seus níveis de dopamina que eu lhe responderei.

Fica bem mais fácil entender essa distinção quando olhamos para alguns exemplos. Quando cientistas criam camundongos mutantes - e "deletam" o gene para a enzima tirosina hidroxilase (que é fundamental para a produção de dopamina) do DNA de camundongos, esses animais se tornam extremamente preguiçosos e apáticos [5].

São animais sem dopamina e sem energia para nada. Nada mesmo: esses roedores perdem muito peso. E, mesmo quando famintos - e com um pedaço de suas comidas favoritas na frente do nariz - eles não se sentem motivados o suficiente para comer.

Também mal se movimentam, quando são colocados em uma jaula grande. Eles praticamente não saem do lugar onde você os colocar. Nesses ratos, não há ânimo para fazer qualquer tarefa.

Outro experimento também ilustra muito bem os verdadeiros papéis da dopamina. Dessa vez, com humanos e fumantes. Metade do grupo de voluntários tinha uma dieta sem os blocos construtores de dopamina: os aminoácidos tirosina e fenilalanina [6]. Sem essas moléculas, o cérebro não é capaz de fabricar a dopamina. A outra metade das cobaias tinha uma dieta normal. 

O estudo exigia que os fumantes passassem por um período de abstinência
Como já era esperado, os que tiveram a dieta restrita, sem tirosina e fenilalanina, apresentavam baixos níveis de dopamina. Já o grupo de fumantes com a dieta normal possuía níveis considerados normais de dopamina. Todos esses fumantes passaram por um período de abstinência, quando tiveram que deixar de lado os seus queridos cigarros.

No experimento, havia um câmbio entre tragadas de cigarro e
apertar os botões de um teclado. Os resultados mostraram que
os que tinham níveis maiores de dopamina tinham maiores
chances de desenvolver LER.
Depois disso, foram submetidos a um teste. Funcionava assim: eles tinham a chance de acabar com a abstinência. Para conseguir uma "tragada", eles tinham que apertar certas teclas, em um teclado, por 50 vezes. E então, para mais prazer nicotínico, mais 100 vezes, depois mais 200 vezes, depois mais 400 vezes... E, por aí vai: durante duas horas, com uma dificuldade cada vez maior. Muitos saíram com uma LER ao fim do estudo.

O resultado: todos os fumantes - seja aqueles que tinham muita dopamina ou os com pouca dopamina - sentiam vontade de fumar. Independente da quantidade de dopamina que viajava pelo cérebro desses fumantes, ninguém havia perdido o entusiasmo pelos cigarros nem o regozijo que acompanhava as tragadas.

No entanto, tinha algo que havia mudado entre os grupos. Aqueles que estavam com os níveis de dopamina normais se empenhavam mais em apertar as teclas centenas ou mesmo milhares de vezes. Quem tinha pouca dopamina não conseguia se esforçar tanto assim para receber a recompensa - mesmo que, como vimos, ainda a desejassem e gostassem da recompensa.

Grupo não-deficiente em dopamina
O que isso quer dizer é que a dopamina não é tão determinante para a sua sensação e percepção de prazer, como pensava o neurocientista Roy Wise nos anos 1980. Mas ela é responsável, sim, por quanto você está determinado a trabalhar para desfrutar do tal prazer. Ela comanda o seu "just do it" - sua motivação, seu fôlego, sua vontade.

Pouca dopamina é você num domingo frio, de manhã, deitado na cama, descendo infinitamente pelo feed de notícias do Facebook, sem pensar muito. É você com preguiça de até mesmo levantar para comer algo. Pouca dopamina tem um pouco a ver com a cantora Lana del Rey (foto ao lado), nesta entrevista ao jornalista do The Guardian Tim Jonze:

"Queria estar morta. Não quero continuar fazendo isso. Mas estou." 
"Fazendo isso o quê? Música?", pergunta Jonze. 
"Tudo", responde ela.

O "queria estar morta" virou meme. Deprê? Bom, a depressão tem uma série de agentes e circuitos bioquímicos como causadores - muita coisa ainda está a ser investigada. Alguns circuitos neurais governados pela dopamina, porém, são um dos possíveis motivos para alguns casos de depressão [5, 6]. E a apatia da cantora não poderia representar melhor, ainda que de modo caricato, os efeitos de dopamina baixa.

Já mais dopamina - até certo ponto - já é quando você acorda numa segunda-feira em que você quer "mudar a sua vida". Está pronto para começar uma nova dieta ou iniciar a prática de exercícios físicos. É aquela motivação e ânimo inicial. E, se os níveis dessa molécula tão importante se mantiverem em alta, você conseguirá trabalhar para atingir a sua recompensa.

Dopamina: o combustível da concentração
Uma disfunção no lobo frontal - essa parte do cérebro destacada na imagem acima - é um dos pivôs do TDAH.
Além de governar a motivação, a dopamina também é fundamental para o foco. Que digam os sofredores do Transtorno de Déficit de Atenção, o TDA, que exibem, pela definição da doença, um "comportamento desatencional".

Não é consenso, mas, para alguns médicos, o que acontece com esses pacientes é um defeito numa parte do cérebro chamada de lobo frontal (dica: lê-se lóbo, não lôbo). Convenientemente, está localizada na parte de frente do cérebro (surpresa). Toque a sua testa. Logo atrás dela, mora seu lobo frontal .

O lobo frontal é o grande estrategista do cérebro
Ele é o chefe do cérebro. Controla tudo, como um gerente executivo. Ele reconhece as suas ambições e elabora um plano com o passo-a-passo para você atingir seus sonhos. É um chefe estrategista, que está focado em atingir os planos da empresa. Ele também controla os funcionários barulhentos: o lobo frontal silencia as distrações e garante que toda a equipe está trabalhando ativamente (em vez de papeando ao léu) [9, 10].

Vamos esmiuçar um pouco mais sobre essa parte do cérebro que, adianto, é como é por causa da dopamina - um dos seus principais pombos-correio.

Se você tem uma prova amanhã - e, claro, deseja muito passar nela - então o seu lobo frontal estará trabalhando a mil. Ele irá lhe dar a ordem de iniciar os estudos e parar de empurrá-los com a barriga. O lobo frontal inibirá os estímulos que podem distrai-lo do trabalho e permitirá que você fique com os olhos grudados nos livros (e não mais no feed do Facebook).

O lobo frontal, o chefão, é fundamental para que você se organize, administre bem o seu tempo e, enfim, é um baita de uma ajuda para que você tenha sucesso em atingir os seus objetivos [910].

A empresa com a dopamina alta
Como todo chefe, o lobo frontal quer dinheiro. E a sua moeda é a dopamina. A saraivada de impulsos nervosos que percorrem os circuitos nervosos do lobo frontal depende desse químico. Se há dopamina, então o chefe está conduzindo bem todos os membros da equipe ao sucesso [910].

Isso é o normal. O cérebro dos que sofrem de TDA é como uma empresa em que o chefe está de viagem. Há pouca dopamina: as ordens não vão de um ponto a outro. A firma vira uma anarquia: toda a confiança foi depositada nos funcionários e eles fazem o que bem entender. Em meio a tanto escarcéu, muito pouco é produzido. A empresa vai para à falência [910].

A empresa com a dopamina baixa

Ritalina, um dos medicamentos
usados no controle do TDA/H
Os medicamentos para o TDA/H restauram os níveis de dopamina no lobo frontal. Isso garante que o chefe volte ao trabalho e cuspa ordens para todos os funcionários. O executivo, o técnico-gerenciador pisa de novo na empresa. E, agora, tudo fica bem organizado. Toda a equipe foca em torno do objetivo comum [10].

A dopamina é o combustível para que os neurônios do lobo frontal se comuniquem. Ela permite que você ignore informações não relevante para uma tarefa que você esteja realizando.

Por suprimir os circuitos neurais que podem distrai-lo, as vias dopaminérgicas do lobo frontal são imprescindíveis para o foco. Estudos mostram que níveis maiores de dopamina no lobo frontal, em adultos, reduzem a impulsividade [11].

Paul Erdöz e seu amigo inseparável: o cafezinho (que, muitas vezes, ele usava para ajudar a engolir os comprimidos de anfetamina...)

Um conto interessante que deixa bem claro os efeitos de hiperfoco e produtividade da dopamina é a história do matemático Paul Erdöz. Quase um monge aritmético, Erdöz trabalhava cerca de 19 horas por dia e só precisava de 3 horas de sono.

O combustível de tanta estamina numérica chamava-se anfetamina, uma droga que aumenta a liberação de dopamina no cérebro.

Erdöz tomava seus comprimidos de Benzedrine - o nome comercial da anfetamina - com goles de café. Esse combo foi a centelha que deu vida a teoremas matemáticos ousados e permitiu que Erdöz deixasse um longo legado ao mundo.

Dopamina e libido

Também é bem reconhecido que outro papel da dopamina é a regulação da libido, especialmente no homem. Se a sua memória não estiver falhando, então irá lembrar o quanto esse neurotransmissor é importante para a busca dos estímulos que desatam prazer. E um desses estímulos é justamente o sexo [12].

Com a dopamina baixa, é previsível uma apatia pelo sexo, um desinteresse pelos estímulos sexuais e uma falta de iniciativa. O cérebro não terá motivação suficiente para buscar dar umas fugidinhas.

Diga-se de passagem que isso pouco interfere na capacidade de sentir prazer com um orgasmo. A dopamina baixa, mais uma vez, impacta é a busca por essa sensação prazerosa [13].

Já com a dopamina alta, é o oposto. A libido fica nas alturas. Caso não se ocupe a mente com outras atividades que envolvem motivação (um projeto de trabalho, por exemplo), o ócio é ocupado por sacanagem. Dopamina alta, mente vazia, oficina do diabo.

Um bom exemplo é o excêntrico Freud, pai da Psicanálise e ávido (prescritor e) usuário da cocaína. A cocaína age turbinando os níveis de dopamina no cérebro.

Freud não cheirava cocaína, mas a diluía em água e usava tal como um elixir para tratar as suas "neurastenias" - nome que ele dava ao cansaço mental. Resultado? Freud sentia que a cocaína o retirava da "depressão, lassitude e sofrimento neurótico", restaurando os seus níveis de energia. A cocaína dava-o "contentamento e euforia". 

E também um apetite sexual voraz. Conta-se que Freud era atingido por um vagalhão de ímpeto sexual ao fazer uso da cocaína. Usava a coca como uma turbina química para a sua libido (ou, ainda, para torná-lo mais tagarela e extrovertido). Freud reverenciava os poderes da cocaína - uma droga notadamente dopaminérgica. As cartinhas que ele escrevia à noiva não deixam espaço para dúvidas:
Ai de você, minha Princesa, quando eu chegar. Beijar-te-ei até que voltes a ter as tuas cores rosadas e alimentar-te-ei até que estejas roliça. E se te mostrares rebelde, verá quem é o mais forte, uma delicada mocinha que não come o suficiente ou um homem grande e brutamontes que tem cocaína no corpo. Em minha última depressão grave, tomei coca novamente, e uma pequena dose elevou-me às alturas de maneira maravilhosa. Estou neste exato momento ocupado em colecionar a literatura necessária para uma canção de louvor a essa substância mágica [14].
Mais tarde, conta a história, notando a dependência que a droga provocava, Freud decepcionou-se. Absteve-se do seu afrodisíaco preferido, parou de prescrevê-lo. E, daí, surgiu a Psicanálise.

Outro exemplo notável é a selegilina, droga que impede a quebra da dopamina e, com isso, aumentando a sua quantidade no cérebro. Como é típico de drogas dopaminérgicas, a selegilina já foi motivo de encanto para muitos. O médico que a desenvolveu, Joseph Knoll, se referiu a sua nova droga como um "energizador psíquico". Relata-se que a droga aumenta a vitalidade e tem a "capacidade de ativar o impulso sexual". Os pesquisadores Dharma Singh Khalsa e Cameron Stauth contam em seu livro Um Programa Médico Revolucionário que Aprimora a Mente e a Memória:
Na verdade, há 20 anos, alguns de meus primeiros relatórios sobre a selegilina publicados num jornal não especializado em medicina enfocava seus efeitos no impulso sexual. O primeiro artigo sobre a droga, amplamente divulgado, contava sobre o efeito causado num senhor de 80 anos, com doença de Parkinson, que “correu atrás de sua enfermeira em volta da cama”.
Dopamina e humor


Humor azedo? Talvez você sofra de uma deficiência de dopamina. A dopamina exerce efeitos revigorantes no humor - podendo elevar a sensação de bem-estar. Isso parece ser um desdobramento da sua capacidade de aumentar a motivação e a busca por sensações prazerosas. Nem sempre "sensação prazerosa" significará o orgulho de tirar dez na sua prova ou a satisfação de publicar vários teoremas matemáticos como fez Erdöz. 

O convívio social - e aí, falamos de estar entre amigos ou mesmo com uma "pessoa especial" - são experiências que naturalmente desatam prazer. Daí, é natural que quem tenha níveis de dopamina mais altos busque tais coisas e, ao encontrá-las, sinta seu humor rejuvenescido [15]. Por essa ótica, drogas dopaminérgicas podem até mesmo ser entendidas como muletas químicas para quem tem pouco interesse na interação social.


Hitler é um bom exemplo - embora extremo - dos efeitos da dopamina no comportamento social e no humor. Alguns livros dão conta de que o ditador megalomaníaco recebia injeções diárias de anfetamina.

Os efeitos no humor do Führer eram notados enquanto a agulha ainda estava em seu braço. Após as injeções, "ele se sentia vivo, alerta, ativo e imediatamente pronto para o dia", "extremamente alerta e tagarela", "risonho, mais falante, fisicamente ativo e costumava ficar acordado até as altas horas da noite", dizem aqueles que acompanharam Hitler durante a guerra [16].

Mais dopamina é melhor?
Então, com a dopamina, mais é sempre melhor? Pelo contrário. Nós já vimos os efeitos devastadores da falta de dopamina nos níveis de energia. Mas o outro extremo do espectro, isto é, o excesso de dopamina, também pode causar lançar o comportamento humano ao caos. Duvida? Pois embarque comigo numa historinha que ilustra bem o quanto mais dopamina pode também ser perigoso.

No início dos anos 1920, o mundo foi tomado por uma epidemia de encefalite letárgica,  uma doença terrível e de causas misteriosas. Os acometidos por essa doença mal se moviam. Conta-se que eles sentavam parados o dia todo, como se estivessem congelados num estado de transe hipnótico. 

Mas eles compreendiam tudo ao seu redor. Eram como zumbis, mortos, adormecidos, sem comportamento. Espectadores da vida, assistindo ao mundo com a mente perfeitamente lúcida, sem poder interagir com os outros personagens.

Oliver Sacks (Robin Williams) e Leonard (Robert De Niro) no filme Tempo de Despertar, que retrata a aventura da L-Dopa
A doença, justamente, comprometia as áreas do cérebro que fabricavam a dopamina. Registra-se que os pacientes eram "absolutamente sem energia, ímpeto, iniciativa, motivação, apetite, tono emocional ou desejo; registravam o que se passava sem uma atenção ativa e com profunda indiferença" [17]. Inferno? Quase isso. Um dos pacientes, Leonard, descreveu, penosamente soletrando em um sistema de tabuleiro de letras: "este corpo estúpido é uma prisão com janelas mas sem portas".

L-Dopa: o milagre do fim dos anos 1960
Os pacientes ficaram assim por anos. Até que, em 1969, um médico, o doutor Oliver Sacks começou a testar neles um composto chamado de L-Dopa, que no cérebro, transforma-se em dopamina. É como um substituto artificial da dopamina. Foi um milagre, uma conversão: os pacientes recobraram os movimentos e a independência. Leonard, por exemplo, "sentiu-se invadido por uma onda de energia e força, tornou-se capaz de escrever e datilografar novamente".


A L-Dopa, capaz de reabastecer as reservas de dopamina, deu nova vida a Leonard. Ele agora havia saído de sua prisão e apreciava o mundo que descobriu ao seu redor. Sacks conta, em seu livro, que tudo enchia Leonard de alegria e prazer. O paciente chegava a ir ao jardim do hospital para beijar as flores. Enebriado, registra-se que Leonard falou: "Sinto-me como um homem apaixonado (...). Não quero mais nada". Ele estava pleno. Num diário, Leonard escreveu:
“A L-Dopa é uma droga abençoada, devolveu-me a possibilidade da vida. Libertou-me de onde eu antes estava trancado a sete chaves” e “Se todos se sentissem tão bem quanto eu, ninguém pensaria em disputas ou guerras. Ninguém pensaria em dominação ou posse. Simplesmente apreciariam a si mesmos e uns aos outros. Perceberiam que o céu é aqui mesmo na terra”
Só que, dias depois, a lua-de-mel acabou. A energia, alegria e motivação de Leonard se tornaram excessivas. A sensação de harmonia e satisfação que ele sentia foi substituída por ambições e desejos impossíveis de satisfazer, uma sede insaciável pelo poder e uma sensação de grandeza e superioridade. Leonard achava que era um Messias. 
Antes e depois da L-Dopa

Ele escrevia profusamente uma tonelada de cartas a jornais e até para a Casa Branca. Ele argumentava que queria fazer uma turnê evangélica por todos os Estados Unidos, onde iria contar a sua história e o "Evangelho da Vida segundo a L-Dopa". A serenidade foi substituída por uma quadro de superexcitação geral. Nessa fase, Leonard escreveu:
“Com levodopa em meu sangue, não existe nada no mundo que eu não possa fazer se quiser. L-Dopa é poder e força irresistível. L-Dopa é poder devasso, egoísta. A L-Dopa deu-me o poder pelo qual eu ansiava. Tenho esperado pela levodopa há trinta anos.” 
Com o passar dos dias, Leonard decidiu-se a escrever uma autobiografia. O doutor Sacks relata que Leonard datilografa quase sem pausas, fazendo-o de doze a quinze horas por dia. Sem quase desgrudar da sua máquina de escrever, Leonard completou sua autobiografia de 50 mil palavras em menos de um mês. A sua produtividade incrível era acompanhada, porém, por uma fala veloz e incontrolada. 

Leonard, ao fim do experimento com a L-Dopa
Leonard foi tomado por uma libido desenfreada. Assediava as enfermeiras e tinha "pesadelos eróticos". Ele masturbava-se violentamente, por horas. Progressivamente, foi ficando cada vez mais psicótico. As alucinações que se seguiram, nas próximas semanas, obrigaram o desmame da droga. Leonard retornou ao seu estado inicial - paralítico. Resignou-se, dizendo:
“A princípio, dr. Sacks, achei que a L-Dopa era a coisa mais maravilhosa do mundo, e abençoei você por dar-me o Elixir da Vida. Depois, quando tudo ficou ruim, achei que era a pior coisa do mundo, um veneno mortal, uma droga que mandava a pessoa às profundezas do inferno, e amaldiçoei você porque a deu para mim (...). 
Agora aceito toda a situação (...). No final... é triste, e nada mais. O melhor para mim é que não se faça coisa alguma — chega de drogas. Aprendi muito nos três últimos anos. Ultrapassei barreiras que tive toda a minha vida. E agora continuarei sendo eu mesmo, e você pode guardar sua L-Dopa”.
A importância do neuroequilíbrio

Leonard morreu em 1981. A lição da sua história - brilhantemente contada no livro e no filme Tempo de Despertar é de que o cérebro ama o equilíbrio. Pouca dopamina pode ser terrível: é a apatia, a preguiça, a lassitude, o desinteresse, a frieza, a falta de ânimo avassaladora, a perda de vontade pela vida. As pessoas sem dopamina tornam-se zumbis. 

O excesso, porém, não é nem um pouco melhor: é o excesso, é um carro veloz sem os freios, o Fausto, a ilusão da grandiosidade, os desejos pujantes, as ambições desmedidas, a vontade insaciável de poderio. As pessoas com excesso de dopamina podem ser incrivelmente prolíficas e com uma produtividade a mil. Parece ótimo - mas, muitas vezes, isso significa esquecer de todo o mundo ao seu redor, como se tais pessoas estivessem em um túnel, onde só podem olhar para frente. 

Essa é a melhor das hipóteses. Muitas vezes, ocorre o extremo oposto: tais pessoas são dominadas por uma energia tão arrebatadora que tornam-se maníacas, com mil desejos. A superexcitação e a ansiedade não as permitem focar em nada. Sim, a dopamina é importante para o foco, como falamos antes. No entanto, tanto sua falta quanto o seu excesso são ruins. O primeiro significa desinteresse, enquanto o último significa uma sensação de mente acelerada, que não combina em nada com a concentração.

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Referências
[1] Pleasure systems in the brain, 2015
[2] Dopamine and Reward: The Anhedonia Hypothesis 30 years on, 2008
[3] Dopamine and desire, 2005
[4] The mysterious motivational functions of mesolimbic dopamine, 2012
[5] Feeding behavior in dopamine-deficient mice, 1999
[6] Acute Phenylalanine/Tyrosine Depletion Reduces Motivation to Smoke Cigarettes Across Stages of Addiction, 2011
[9] Funções executivas e alterações no lobo frontal: reflexos e influência no diagnóstico do TDAH , 2012
[10] A Review of Executive Function Deficits and Pharmacological Management in Children and Adolescents, 2012

20 comentários:

  1. Excelente texto, como sempre. Já estava me perguntando se você não postaria mais nada esse ano, mas entendo e imagino sua correria no curso de medicina, nos projetos pessoais e profissionais, na vida em si e mesmo assim encontrou tempo pra compartilhar o que sabe. Gratidão.

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    1. Christin, muito obrigado a você pelo seu comentário. O curso é realmente bem corrido, mas tenho grande satisfação em publicar aqui no blog. Faço sempre que posso e fico feliz em saber que esses posts são aguardados pelos leitores. Um abraço

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  2. Boa tarde,
    otimo texto, seria interessante você falar da hydergine numa eventual continuação dele

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    1. O Hydergine é pouco estudado hoje em dia, apesar de ainda ser utilizado e prescrito. Não há nada novo a seu respeito, mas certamente uma revirada na literatura poderia resgatar algo interessante. Irei vasculhar o fundo do baú nas férias. Havendo algo, postarei aqui.

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  3. E o Benzendrine? Ele é a Ritalina?
    Estou iniciando uma rotina forte de estudos,
    Vou usar o que for preciso para aumentar minha performance:
    1- Nootropil (800mg) + Colina (100mg, manipulada em farmácia)
    2- bulletproof coffee ( Café + manteiga ghee + oleo de coco) + L Teanina (100mg)
    3- ômega 3

    Tudo isso 1 vez ao dia.
    Vou complementar minha dieta com castanhas (1 por dia).
    E quero garantir minha dopamina com Benzendrine.
    Benzendrine precisa de receita?
    Thanks!
    O que achou da minha dieta? ehehe
    Thanks

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    1. Olá, Caroline, o Benzedrine era o nome antigo para a anfetamina. No Brasil, a anfetamina é ilegal, mas existe uma droga chamada de Venvanse (nome fantasia) que, no corpo, se metaboliza em anfetamina. É prescrita para TDAH e, numa pessoa saudável, sua longa lista de efeitos colaterais não compensaria os potenciais benefícios (discutíveis...).

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  4. Olá! Primeiramente, parabéns pelo blog, ele é muito completo!
    Eu faço tratamento para depressão com cloridrato de sertralina 100mg e cloridrato de bupropiona 300mg. No início, senti muita diferença, pois me ajudou muito com a indisposição, desânimo e irritabilidade, e ansiedade (que gerava principalmente uma compulsão alimentar), que eram os sintomas que mais me incomodavam. Porém , com o passar do tempos, parece que o efeito do medicamento foi estabilizando...sei lá, já não me sinto tão bem quanto antes. Me sinto cansada, não consigo fazer nada, não tenho iniciativa e não consigo estudar, pois além da falta de inciativa, tem a dificuldade de concentração... Estou quase do mesmo jeito que antes de tomar medicamentos. Tentei algumas trocas, mas não ajudaram muito. Enfim, gostaria de uma indicação de suplemento, ou medicamento fitoterápico que me ajudasse com isso, mas são tantas opções, que estou completamente perdida. Você poderia me ajudar, me indicando algo que não seja muito arriscado de tomar junto com os medicamentos que eu já tomo? Grata!

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    1. Tente tomar nootropil 3 vezes ao dia. 2 comprimidos de manha, 2 de tarde e 2 de noite. A cada 5 horas.
      Durante 3 meses. Com certeza ira melhorar.

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    2. Olá, Letícia. Sinto pela demora em respondê-la. A bupropiona tem efeito estimulante mais intenso durante as primeiras semanas de uso. Tanto é que os manuais de Psicofarmacologia chamam atenção para a necessidade de tatear um pouco a dose, a fim de minimizar efeitos ansiogênicos (ou seja, uma estimulação excessiva que causa ansiedade). Com o uso contínuo, tais efeitos diminuem - para a tristeza dos que apreciam a ação estimulante da bupropiona. Esses dizem, anedoticamente, que o período de "lua-de-mel" chegou ao fim.

      De qualquer forma, os efeitos da bupropiona derivam basicamente da sua atividade pró-dopaminérgica. Suplementos dopaminérgicos incluem a l-tirosina e a S-adenosilmetionina (ou Same). Já fitoterápicos dopaminérgicos incluem a Rhodiola rosea, marapuama (Ptychophetalum olacoides), catuaba (Trichilia catigua) e açafrão (Curcuma longa). O uso de qualquer um desses deve ser orientado pelo seu médico, porém, que é o profissional capaz de determinar o custo/benefício do uso de terapias coadjuvantes e conhece o seu histórico pessoal. Infelizmente, não posso indicar qualquer suplemento ou medicamento fitoterápico, pois não sou médico e não conheço seu histórico médico.

      Obrigado pelo entendimento

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  5. Interessante, como saber este equilíbrio?

    Um estudo recente sobre pornografia, notou exatamente a baixa produção de dopamina. Com o vício ao porno, condicionou o cérebro a sentir prazer apenas no estímulo visual da pornografia, o resultado foi baixa liberação de dopamina qnd vai fazer sexo ao vivo.

    Qual médico correto que pode falar sobre nootropicos? Sinto uma escassez mto grande nisso.

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    1. Cleber, o equilíbrio, penso, é compreendido a partir de uma avaliação do comportamento. Há características típicas de quem possui dopamina baixa, em especial a lassitude, baixa libido (que o sr. citou), dificuldade para iniciar tarefas, desmotivação em geral e dificuldades de concentração. São sinais clássicos de uma subativação do sistema de gratificação ou de recompensa, governado pela dopamina. Por outro lado, sentimentos eufóricos, de poderio, libido confiança excessivas - e até sinais físicos, como o blefarospasmo (espasmos nas pálpebras), entre outros, indicam uma superativação dos sistemas dopaminérgico.

      Embora não haja nenhum médico "especialista em nootrópicos", eu sinto que o profissional mais capacitado a trabalhar com eles seja o médico neurologista. Não há, é claro, na faculdade de Medicina, um módulo específico para nootrópicos e melhoria cognitiva (só sobre areversão dos déficits cognitivos). Daí, os médicos certamente desconhecem muitos do assunto, naturalmente. Contudo, eles certamente são muito capacitados para pesquisar na literatura científica a respeito desses medicamentos e analisar individualmente a eficácia e a segurança deles (se assim desejarem fazê-lo...).

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  6. Podes me dizer se A Bupipropiona serve para aumentar a dopamina?? E o stavigile eh anfetamina ou tb atuaria na dopamina??

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    1. O principal mecanismo de ação da bupropriona é a inibição da recaptação de dopamina. A bupropiona impede que a dopamina seja "sequestrada" das sinapses, fazendo com que a sua ação seja intensificada e prolongada. A bupropiona faz o mesmo com outro neurotransmissor, a noradrenalina, mas não de modo tão intenso. Então, sim, a bupropiona, pode-se dizer, serviria para aumentar a dopamina, nas condições clínicas em que seja útil fazê-lo.

      O Stavigile é o nome comercial da droga modafinila. Não trata-se de uma anfetamina. Contudo, exerce um efeito dopaminérgico leve - também pelo mesmo mecanismo da bupropiona, contudo de modo menos intenso. Já as anfetaminas são drogas altamente dopaminérgicas.

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  7. Matheus, em qual area vc pretende se especializar? Quero consultar contigo rs...

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    1. Anônimo, muito cedo para decidi, mas hoje tenho grande interesse tanto pela Psiquiatria quanto pela Neurologia! Fico muito feliz em ler o seu comentário :)

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  8. Bom dia Matheus. O que terias a dizer sobre a MUCUNA PRURIENS? Aumenta a dopamina mesmo? É seguro usar? Qual a dose segura diária?

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  9. Que texto excelente e interessante! Como profissional da área da saúde e leitor assíduo de matérias do gênero, digo que essa foi uma das melhores que li e mais cativantes quanto à leitura... Continue nesse caminho e parabéns pela iniciativa.

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  10. Tive uma experiencia parecida com mucuna pruriens + cafe + jejum fiquei euforico, tarado e perdi a produtividade, no meu caso só cafe+jejum ou só mucuna funciona melhor

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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