Uma planta nascida nas montanhas frias da Sibéria assiste, meio deixada de lado nas prateleiras da farmácia, à era do contrabando tech de Ritalina e Venvanse. Enquanto estimulantes pesados são vendidos às pencas, os extratos da Rhodiola rosea parecem carregar uma sabedoria milenar sobre dosar energia. Não confunda a Rhodiola com um "calmante" - ela não é usada facilitar o sono, nem para acalmar "ataques de nervos". Sua promessa é em outro campo. A Rhodiola é tida como estrela de uma classe à parte - a de um adaptógeno, espécies de amuletos que regulam o corpo e psique, ajudando-o a encontrar equilíbrio e energia em meio ao estresse e acúmulo de exigências físicas e intelectuais.
Enquanto os estimulantes clássico ligam holofotes potentes sobre o cérebro inteiro, a Rhodiola se apresenta mais como uma luz de leitura ajustável: ilumina apenas o que você precisa ver, e só quando você realmente está tentando ler. Essa é a "pegada", ao menos.
Fato é que têm pipocado estudos recentes sobre o potencial ergogênico da Rhodiola - ou seja, sua capacidade de melhorar, em especial, o desempenho físico.
Um bom nootrópico... para os músculos
Estudiosos em 2024 testaram a Rhodiola rosea fora do circuito dos campus universitários - e mais nos campos de treinamento físico. Os dados são preliminares.
27 pessoas treinadas, duas doses diferentes (200mg e 1,5g diários), sete dias de suplementação. O protocolo foi direto ao ponto - sem firulas cognitivas, só ferro puro: teste de força máxima (1RM) no supino e leg press, seguido de resistência muscular.
Os resultados foram mais empolgantes que uma playlist de treino dos anos 2000 (alguém mais curte treinar com Can't Stop do Red Hot aqui?). A Rhodiola melhorou significativamente a força máxima em ambos os exercícios - no supino, ganhos de 3,7% com dose baixa e 5,4% com dose alta. No leg press, os números saltaram ainda mais: 11,4% e 15,2%, respectivamente. Mas o dado que fez os pesquisadores arquearem as sobrancelhas foi o volume total de treino: um aumento de 56% no grupo que tomou a dose alta.
Ou seja: a chamada "raiz de ouro", em tempo e dose suficientes, reluz também nos músculos. Não transformou ninguém em velocista de explosão — pico de potência e Wingate ficaram na mesma — mas deixou o motor mais constante, menos sujeito a falhas.
Quatro dias de Rhodiola, contudo, parecem ser insuficientes...
Ainda mais fresco é um estudo espanhol de março (2025), que colocou a Rhodiola rosea de novo no banco dos reús, digo, supino. Investigou se quatro dias de suplementação com 1,2g/dia Rhodiola rosea poderiam atenuar a fadiga mental e melhorar o desempenho de força em jovens saudáveis. O desenho foi rigoroso (randomizado, triplo-cego, placebo-controlado, cruzado) e incluiu tarefas cognitivas (Stroop e Multiple Object Tracking) seguidas de exercícios de supino e remada.
Os resultados mostraram que a Rhodiola não reduziu fadiga mental nem melhorou a cognição. (Rolando créditos finais de The Office nesse momento). Entretanto, ela promoveu pequenos ganhos físicos em condição de repouso: mais repetições no supino, velocidade maior na remada. Pequenos ganhos, mas consistentes.
Em suma, o estudo conclui que, no curto prazo, a Rhodiola age mais como ergogênico leve para força muscular do que como nootrópico, oferecendo ganhos discretos em desempenho físico, sem impacto notável na fadiga mental. Quatro dias de suplementação parecem ser insuficientes para consolidar adaptações mitocondriais e de regulação do eixo HPA - alguns dos mecanismos propostos para explicar as ações da Rhodiola. O efeito, então, aparece só como um “empurrãozinho” inicial em séries leves. Ou a qualidade do extrato é diferente, impactando os resultados - algo comum na pesquisa com fitoterápicos.
Observe que a Rhodiola mostrou-se caprichosa: só aumenta sua potência na academia quando você NÃO está mentalmente cansado. A Rhodiola, paradoxalmente, não foi melhor que placebo em quem cumpriu a bateria de testes cognitivos antes dos treinos. Então, a conclusão do estudo é: "tome sua Rhodiola e... Vá bem relaxado para a academia... Para aproveitar melhores efeitos (??!)". É claro: quatro dias podem ter sido tempo curto demais para avaliar toda a extensão dos efeitos nootrópicos da Rhodiola - diriam os seus defensores milenares, com xícara de chá (ou comprimido) em mãos.
E nos treinos aeróbicos? Capacidade de aguentar por mais tempo!
Vinte anos antes, em 2004, a Rhodiola já tinha dado as caras nos ergômetros de Leuven, na Bélgica. Foi um dos primeiros testes modernos da “raiz de ouro” em humanos - e um dos seus momentos de glória que fizeram jus ao nome.
O protocolo foi elegante na sua simplicidade: 24 pessoas saudáveis, dose baixa de 200mg, uma vez só, teste de resistência cardiovascular em bicicleta ergométrica até a exaustão. E voilà: o tempo até a exaustão em ciclismo subiu cerca de 3%. O que significava dizer que quem usou Rhodiola conseguia resistir por 24 segundos a mais pedalando. Algo pequeno, mas suficiente para empolgar os fisiologistas da época. Houve também aumento no VO₂ pico e no VCO₂ pico. Para uma substância natural, eram números respeitáveis.
O problema veio depois: quando deram a mesma dose diariamente por quatro semanas, o efeito evaporou. . Era como se a Rhodiola perdesse sua magia quando usada rotineiramente - um comportamento típico de estimulantes que geram tolerância.
Essa duplicidade inaugurou o dilema: afinal, a Rhodiola brilha só no “agora” ou também no “depois”?
O que tornou este estudo influente não foram apenas os resultados positivos, mas a honestidade dos pesquisadores: eles testaram múltiplas variáveis (força, velocidade de movimento, tempo de reação, atenção sustentada) e admitiram que apenas o desempenho cardiovascular melhorou. E ponto. Era ciência robusta, sem marketing oportunista.
Juntando as peças do quebra-cabeça: afinal, Rhodiola é um bom "moo"trópico?
Vinte anos depois, uma revisão publicada no British Journal of Nutrition tentou fazer sentido do quebra-cabeças que a literatura sobre Rhodiola havia se tornado. Analisando 16 estudos com 363 participantes entre 2000 e 2023, os pesquisadores encontraram um padrão intrigante nos resultados aparentemente caóticos.
O paradoxo central: doses baixas (~200mg) beneficiam resistência cardiovascular, doses altas (~1500mg) beneficiam força e potência. É como se a Rhodiola tivesse duas personalidades farmacológicas distintas, cada uma respondendo a protocolos completamente diferentes.
Em síntese, os autores defendem que:
Doses baixas (170–200 mg), agudas, podem favorecer provas de endurance curto, se usadas 60 minutos antes do exercício.
Doses altas (1,5–2,4 g), por uma semana ou mais, parecem impulsionar força e volume muscular, se usadas por vários dias.
Em provas de longa duração (corrida, remo, maratona), o efeito some.
Efeito cognitivo? Inconsistente. Às vezes aparece como menor percepção de esforço; na maioria, nada.
Mas aqui está o ponto crucial que a meta-análise destacou: "A literatura atual não mostra unanimemente que a Rhodiola seja ergogênica." Traduzindo do academiquês: funciona às vezes, com algumas pessoas, sob condições específicas, para certos tipos de exercício.
É variável demais na conta - um alto nível de incerteza.
A ciência da Rhodiola nos ensina algo mais amplo sobre suplementação: nossa obsessão por soluções universais ("tome isso e melhore tudo") pode estar nos cegando para substâncias que funcionam de forma mais refinada. Talvez o futuro da suplementação esportiva não seja encontrar a pílula mágica única, mas aprender a usar múltiplas ferramentas de forma precisa e contextual.
Como diria um pesquisador experiente: "A Rhodiola funciona, mas só se você souber como conversar com ela." Quando falamos de fitoterápicos, o que é uma solução para um atleta amador não será idêntica e de forma intercambiável a mesma para outro - como vemos com substâncias mais "consistentes", como creatina e cafeína.
Rhodiola é o famoso: "funciona, sim, mas depende".
REFERÊNCIAS
Acute Rhodiola Rosea Intake Can Improve Endurance Exercise Performance.
De Bock, K., Eijnde, B. O., Ramaekers, M., & Hespel, P. (2004). International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 14(3), 292–301. https://doi.org/10.1123/ijsnem.14.3.292
The Impact of Rhodiola Rosea Extract on Strength Performance in Alternative Bench-Press and Bench-Pull Exercises Under Resting and Mental Fatigue Conditions: A Randomized, Triple-Blinded, Placebo-Controlled, Crossover Trial.
Marcos-Frutos, D., Leban, Ž., Li, Z., Zhang, X., Lara, P. M., Alix-Fages, C., Jiménez-Martínez, P., Zebboudji, N., Caillet, A., Redondo, B., Vera, J., Janicijevic, D., & García-Ramos, A. (2025). Nutrients, 17(6), 940. https://doi.org/10.3390/nu17060940
Rhodiola rosea as an adaptogen to enhance exercise performance: a review of the literature.
Tinsley, G. M., Jagim, A. R., Potter, G. D. M., Garner, D., & Galpin, A. J. (2024). British Journal of Nutrition, 131(3), 461–473. https://doi.org/10.1017/S0007114523001988
Dose-Response Effects of Short-Term Rhodiola rosea Supplementation on Anaerobic Exercise Performance in Resistance-Trained Athletes: A Randomized, Crossover, Double-Blind, and Placebo-Controlled Study.
Koozehchian, M., Mabrey, G., Newton, A., & Naderi, A. (2024, May). Abstract presented at the American Physiology Summit 2024. Physiology, 39(S1), 261. https://doi.org/10.1152/physiol.2024.39.S1.261
Matheus Pereira, 17 de setembro de 2025.
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