quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Funciona, mas depende: lições da Rhodiola rosea (gold!)

Uma planta nascida nas montanhas frias da Sibéria assiste, meio deixada de lado nas prateleiras da farmácia, à era do contrabando tech de Ritalina e Venvanse. Enquanto estimulantes pesados são vendidos às pencas, os extratos da Rhodiola rosea parecem carregar uma sabedoria milenar sobre dosar energia. Não confunda a Rhodiola com um "calmante" - ela não é usada facilitar o sono, nem para acalmar "ataques de nervos". Sua promessa é em outro campo. A Rhodiola é tida como estrela de uma classe à parte - a de um adaptógeno, espécies de amuletos que regulam o corpo e psique, ajudando-o a encontrar equilíbrio e energia em meio ao estresse e acúmulo de exigências físicas e intelectuais.

Enquanto os estimulantes clássico ligam holofotes potentes sobre o cérebro inteiro, a Rhodiola se apresenta mais como uma luz de leitura ajustável: ilumina apenas o que você precisa ver, e só quando você realmente está tentando ler. Essa é a "pegada", ao menos.

Fato é que têm pipocado estudos recentes sobre o potencial ergogênico da Rhodiola - ou seja, sua capacidade de melhorar, em especial, o desempenho físico.

Um bom nootrópico... para os músculos

Estudiosos em 2024 testaram a Rhodiola rosea fora do circuito dos campus universitários - e mais nos campos de treinamento físico. Os dados são preliminares.

27 pessoas treinadas, duas doses diferentes (200mg e 1,5g diários), sete dias de suplementação. O protocolo foi direto ao ponto - sem firulas cognitivas, só ferro puro: teste de força máxima (1RM) no supino e leg press, seguido de resistência muscular.

Os resultados foram mais empolgantes que uma playlist de treino dos anos 2000 (alguém mais curte treinar com Can't Stop do Red Hot aqui?). A Rhodiola melhorou significativamente a força máxima em ambos os exercícios - no supino, ganhos de 3,7% com dose baixa e 5,4% com dose alta. No leg press, os números saltaram ainda mais: 11,4% e 15,2%, respectivamente. Mas o dado que fez os pesquisadores arquearem as sobrancelhas foi o volume total de treino: um aumento de 56% no grupo que tomou a dose alta.

Ou seja: a chamada "raiz de ouro", em tempo e dose suficientes, reluz também nos músculos. Não transformou ninguém em velocista de explosão — pico de potência e Wingate ficaram na mesma — mas deixou o motor mais constante, menos sujeito a falhas.

Quatro dias de Rhodiola, contudo, parecem ser insuficientes...

Ainda mais fresco é um estudo espanhol de março (2025), que colocou a Rhodiola rosea de novo no banco dos reús, digo, supino. Investigou se quatro dias de suplementação com 1,2g/dia Rhodiola rosea poderiam atenuar a fadiga mental e melhorar o desempenho de força em jovens saudáveis. O desenho foi rigoroso (randomizado, triplo-cego, placebo-controlado, cruzado) e incluiu tarefas cognitivas (Stroop e Multiple Object Tracking) seguidas de exercícios de supino e remada.

Os resultados mostraram que a Rhodiola não reduziu fadiga mental nem melhorou a cognição. (Rolando créditos finais de The Office nesse momento). Entretanto, ela promoveu pequenos ganhos físicos em condição de repouso: mais repetições no supino, velocidade maior na remada. Pequenos ganhos, mas consistentes.

Em suma, o estudo conclui que, no curto prazo, a Rhodiola age mais como ergogênico leve para força muscular do que como nootrópico, oferecendo ganhos discretos em desempenho físico, sem impacto notável na fadiga mental. Quatro dias de suplementação parecem ser insuficientes para consolidar adaptações mitocondriais e de regulação do eixo HPA - alguns dos mecanismos propostos para explicar as ações da Rhodiola. O efeito, então, aparece só como um “empurrãozinho” inicial em séries leves. Ou a qualidade do extrato é diferente, impactando os resultados - algo comum na pesquisa com fitoterápicos.

Observe que a Rhodiola mostrou-se caprichosa: só aumenta sua potência na academia quando você NÃO está mentalmente cansado. A Rhodiola, paradoxalmente, não foi melhor que placebo em quem cumpriu a bateria de testes cognitivos antes dos treinos. Então, a conclusão do estudo é: "tome sua Rhodiola e... Vá bem relaxado para a academia... Para aproveitar melhores efeitos (??!)". É claro: quatro dias podem ter sido tempo curto demais para avaliar toda a extensão dos efeitos nootrópicos da Rhodiola - diriam os seus defensores milenares, com xícara de chá (ou comprimido) em mãos.

E nos treinos aeróbicos? Capacidade de aguentar por mais tempo!

Vinte anos antes, em 2004, a Rhodiola já tinha dado as caras nos ergômetros de Leuven, na Bélgica. Foi um dos primeiros testes modernos da “raiz de ouro” em humanos - e um dos seus momentos de glória que fizeram jus ao nome.

O protocolo foi elegante na sua simplicidade: 24 pessoas saudáveis, dose baixa de 200mg, uma vez só, teste de resistência cardiovascular em bicicleta ergométrica até a exaustão. E voilà: o tempo até a exaustão em ciclismo subiu cerca de 3%. O que significava dizer que quem usou Rhodiola conseguia resistir por 24 segundos a mais pedalando. Algo pequeno, mas suficiente para empolgar os fisiologistas da época. Houve também aumento no VO₂ pico e no VCO₂ pico. Para uma substância natural, eram números respeitáveis.

O problema veio depois: quando deram a mesma dose diariamente por quatro semanas, o efeito evaporou. . Era como se a Rhodiola perdesse sua magia quando usada rotineiramente - um comportamento típico de estimulantes que geram tolerância.

Essa duplicidade inaugurou o dilema: afinal, a Rhodiola brilha só no “agora” ou também no “depois”?

O que tornou este estudo influente não foram apenas os resultados positivos, mas a honestidade dos pesquisadores: eles testaram múltiplas variáveis (força, velocidade de movimento, tempo de reação, atenção sustentada) e admitiram que apenas o desempenho cardiovascular melhorou. E ponto. Era ciência robusta, sem marketing oportunista.

Juntando as peças do quebra-cabeça: afinal, Rhodiola é um bom "moo"trópico?

Vinte anos depois, uma revisão publicada no British Journal of Nutrition tentou fazer sentido do quebra-cabeças que a literatura sobre Rhodiola havia se tornado. Analisando 16 estudos com 363 participantes entre 2000 e 2023, os pesquisadores encontraram um padrão intrigante nos resultados aparentemente caóticos.

O paradoxo central: doses baixas (~200mg) beneficiam resistência cardiovascular, doses altas (~1500mg) beneficiam força e potência. É como se a Rhodiola tivesse duas personalidades farmacológicas distintas, cada uma respondendo a protocolos completamente diferentes.

Em síntese, os autores defendem que:

  • Doses baixas (170–200 mg), agudas, podem favorecer provas de endurance curto, se usadas 60 minutos antes do exercício.

  • Doses altas (1,5–2,4 g), por uma semana ou mais, parecem impulsionar força e volume muscular, se usadas por vários dias.

  • Em provas de longa duração (corrida, remo, maratona), o efeito some.

  • Efeito cognitivo? Inconsistente. Às vezes aparece como menor percepção de esforço; na maioria, nada.

Mas aqui está o ponto crucial que a meta-análise destacou: "A literatura atual não mostra unanimemente que a Rhodiola seja ergogênica." Traduzindo do academiquês: funciona às vezes, com algumas pessoas, sob condições específicas, para certos tipos de exercício.

É variável demais na conta - um alto nível de incerteza.

A ciência da Rhodiola nos ensina algo mais amplo sobre suplementação: nossa obsessão por soluções universais ("tome isso e melhore tudo") pode estar nos cegando para substâncias que funcionam de forma mais refinada. Talvez o futuro da suplementação esportiva não seja encontrar a pílula mágica única, mas aprender a usar múltiplas ferramentas de forma precisa e contextual.

Como diria um pesquisador experiente: "A Rhodiola funciona, mas só se você souber como conversar com ela." Quando falamos de fitoterápicos, o que é uma solução para um atleta amador não será idêntica e de forma intercambiável a mesma para outro - como vemos com substâncias mais "consistentes", como creatina e cafeína.

Rhodiola é o famoso: "funciona, sim, mas depende".

REFERÊNCIAS

Acute Rhodiola Rosea Intake Can Improve Endurance Exercise Performance.
De Bock, K., Eijnde, B. O., Ramaekers, M., & Hespel, P. (2004). International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 14(3), 292–301. https://doi.org/10.1123/ijsnem.14.3.292


The Impact of Rhodiola Rosea Extract on Strength Performance in Alternative Bench-Press and Bench-Pull Exercises Under Resting and Mental Fatigue Conditions: A Randomized, Triple-Blinded, Placebo-Controlled, Crossover Trial.
Marcos-Frutos, D., Leban, Ž., Li, Z., Zhang, X., Lara, P. M., Alix-Fages, C., Jiménez-Martínez, P., Zebboudji, N., Caillet, A., Redondo, B., Vera, J., Janicijevic, D., & García-Ramos, A. (2025). Nutrients, 17(6), 940. https://doi.org/10.3390/nu17060940


Rhodiola rosea as an adaptogen to enhance exercise performance: a review of the literature.
Tinsley, G. M., Jagim, A. R., Potter, G. D. M., Garner, D., & Galpin, A. J. (2024). British Journal of Nutrition, 131(3), 461–473. https://doi.org/10.1017/S0007114523001988


Dose-Response Effects of Short-Term Rhodiola rosea Supplementation on Anaerobic Exercise Performance in Resistance-Trained Athletes: A Randomized, Crossover, Double-Blind, and Placebo-Controlled Study.
Koozehchian, M., Mabrey, G., Newton, A., & Naderi, A. (2024, May). Abstract presented at the American Physiology Summit 2024. Physiology, 39(S1), 261. https://doi.org/10.1152/physiol.2024.39.S1.261


Matheus Pereira, 17 de setembro de 2025.

sábado, 13 de setembro de 2025

Aripiprazol: do bloqueio bruto à conversa de precisão



"O que é que a baiana tem? 

Que é que a baiana tem? 

Tem torço de seda, tem (Tem) 

Tem brincos de ouro, tem (Tem) (...)".

Dorival Caymmi lança a pergunta num dos clássicos da MPB, declamando uma lista extensa de qualidades ímpares da baiana. Caymmi não foi contemporâneo do aripiprazol - e seria improvável que dedicaria canções ao fármaco. Mas, nos nossos tempos, dos antipsicóticos, ele é o que tem aquele "quê" a mais - um perfil único e sofisticado. O que torna o aripiprazol diferente é que, além apenas mexer em receptores, ele lê o contexto sináptico e conversa com redes de genes.

Antes de o aripiprazol chegar, o que conhecíamos de antipsicóticos era: são drogas que bloqueiam o receptor de dopamina D2 - antagonistas plenos. O aripiprazol ocupa o mesmo receptor, mas atua como agonista parcial. Isso pode parecer uma doideira - e não é trocadilho por falarmos de esquizofrenia - mas é superinteligente.

A dopamina é a vedete quando o assunto é esquizofrenia ou psicose. Um dos modelos para entender essas doenças estipula que tem dopamina demais no estriado - e esse seria o pivô dos delírios e das alucinações; e dopamina de menos no córtex pré-frontal dorsal, o que causa problemas cognitivos. Um desarranjo completo nos circuitos dopaminérgicos. Voltemos ao aripiprazol.

O aripiprazol tem uma afinidade muito alta pelos receptores D2 e D3. Mas tem um atividade muito menor do que a dopamina ao ativar o D2. É como se: quando a dopamina se liga ao receptor D2, ela dá play numa música que toca no máximo. Quando o aripiprazol se liga, ele toca a mesma faixa, mas só consegue alcançar 70% daquele som.

Está aí um dos segredos da versatilidade do aripiprazol. Pense: numa região do cérebro com dopamina em excesso, o aripiprazol vai competir com ela pelos mesmos receptores. Mas, como sabemos, o aripiprazol é quase como uma "dopa-light" - ou seja, não vai gerar tanto barulho. Funcionalmente, acaba sendo um antagonista. No polo oposto, se a dopamina está no talo, é como se tivéssemos muitos receptores de dopamina "livres" para o aripiprazol ocupar. Ele age como agonista parcial, portanto, mantendo o tônus dopaminérgico. Isso sustenta a motivação, concentração e funções executivas, por exemplo. Mas suprime a dopamina fásica disparados por burst firing de neurônios (o que está ligado a sintomas positivos na esquizofrenia.

O aripiprazol é sofisticado e inteligente: diminui a intensidade da dopamina aonde ela está em exagero mas potencializa as suas ações aonde ela está minguando. É como se ele fizesse uma leitura de cenário e agisse sob demanda.

Seus colegas antipsicóticos são bem mais ogros. Jogam uma granada numa casa só para matar uma barata. Resolvem uma psicose - mas deixam uma série de efeitos colaterais. O aripiprazol é mais como um sniper: conserta o circuito psicótico, mas preserva outras regiões do cérebro envolvidas com a motricidade, como a substância nigra. Antipsicóticos como haloperidol e olanzapina, por outro lado, tratoram os circuitos motores no caminho.

À dopamina e além

Mas não é só dopamina. O aripiprazol também tem como alvo um receptor de serotonina, o 5-HT1A, onde age como agonista parcial. Drogas que ativam os receptores 5-HT1A pós-sinápticos tem reconhecidos efeitos calmantes, reguladores do medo e do processamento emocional - a exemplo da buspirona, um ansiolítico light que caiu no gosto dos psiquiatras brasileiros recentemente (como Ansitec).

Você já deve estar cansado de receptores, mas tem mais um que vale a pena mencionar porque mexem com algo que importa para 98% das pessoas: fome. O aripiprazol é agonista parcial dos receptores 5-HT2C, que são como "freios da saciedade". Antagonistas do 5-HT2C dão uma fome de elefante - a exemplo da mirtazapina e quetiapina, que deixam suas usuários a assaltarem a geladeira à noite. O aripiprazol, ao agir como agonista parcial do 5-HT2C, pode causar menos ganho de peso comparado a outros antipsicóticos.

Neuroimagem

A neuroimagem pinta um retrato desse bioquimiquês. Os exames de PET mostraram que o aripiprazol ocupa mais de 90% dos receptores D2 no corpo estriado. Pela cartilha clássica, isso seria sentença de sintomas motores graves. Mas o inesperado acontece: quase nada de efeitos extrapiramidais. Isso porque, ao ocupar os receptores, o aripiprazol gera aquele "sinal parcial" - tocando uma fração do sinal que a dopamina, o ligante endógeno, geralmente gera - ao invés de ser um antagonista pleno. Ou seja: o receptor não fica "mudo".

Transcrição gênica e efeitos genéticos

Mas há algo mais profundo que o modelo chave-fechadura. Cientistas têm desvendado que o aripiprazol não apenas toca receptores. Ele também escreve assinaturas num nível íntimo - o dos genes. Ele reescreve o script genético de forma única.

Um exemplo é uma troca sutil mas fundamental que provoca em receptores de glutamato: ele favorece um tipo de receptor (NR2A), predominante no cérebro adulto e ligado a eficiência sináptica, em detrimento de outro (NR2B), ligado a excitação exageradaAssim, artificialmente, o aripiprazol amadurece o cérebro no nível da sinapse, fertilizando receptores críticos para aprendizado e memória.

Isso sugere que o aripiprazol não é apenas um "equilibrador dopaminérgico”, mas também atua como modulador de plasticidade glutamatérgica, o que pode explicar:

  • Menor prejuízo cognitivo comparado a outros antipsicóticos.

  • Potencial pró-cognitivo e pró-adaptativo em longo prazo.

Vários são os genes implicados. Autores do estudo que eu li contam que “Nosso trabalho anterior demonstrou um impacto incomum do aripiprazol sobre genes de plasticidade sináptica, como o Homer1a. Doses altas parecem ativar a transcrição de Homer1a no córtex”. Ou seja: o aripiprazol aumenta uma proteína, Homer1a, ligada ao aprendizado, no córtex cerebral. Isso também insinua um potencial pró-cognitivo que vai além da simples contenção de sintomas psicóticos.

O aripiprazol também protege proteínas cruciais para a saúde sináptica que normalmente se deterioram sob estresse. Entre elas estão o BDNF, fator de crescimento que alimenta a sobrevivência e plasticidade dos neurônios; a GSK-3β, enzima cuja atividade excessiva está ligada à degeneração; e a β-catenina, essencial para a estabilidade das conexões e formação de memória.

Uma revolução silenciosa

Aqui está a revolução mais sutil: estamos abandonando a ideia de que "loucura" é um problema simples com soluções intercambiáveis. Se cada droga produz uma assinatura transcriptômica única, isso sugere que diferentes "tipos" de sofrimento mental podem requerer diferentes "linguagens moleculares".

É quase como descobrir que não existe "uma" forma de falar com o cérebro - existe um vocabulário molecular específico para cada condição, cada pessoa, cada momento.

Filosoficamente, isso nos leva a uma psiquiatria de precisão poética - onde tratamento se torna composição molecular personalizada.

Esquizofrenia - uma doença crônica

É difícil prever o curso da esquizofrenia. Diante de um resfriado comum ou uma infecção urinária, nós médicos nos sentimos relativamente potentes, quase dotados de clarividência. Os doentes vão apresentar quase sempre os mesmos sintomas - e nós conseguimos imaginar aonde a história vai dar. Adivinhamos quais pacientes ficarão graves. A nossa capacidade de predição é desafiada pelo enigma temporal que é a esquizofrenia. Há uma variabilidade individual enorme: cada mente esconde seu próprio ritmo de tempestade e calmaria.

O antídoto para o caos é a constância do cuidado. A companhia constante de antipsicóticos doma esse rio turbulento - e, quando tudo dá certo, o paciente não se vê mais arrastado pelas correntes da recaída. Para facilitar isso, surgiram versões de longa duração, ou antipsicóticos injetáveis — o medicamento se mantém no corpo como uma presença discreta e constante.

Estudos sobre eficácia e superioridade das versões injetáveis são controversos. Contudo, o que se sabe: o aripiprazol LAI (de ação prolongada injetável) demonstrou:

  • Eficácia superior ao placebo em estudo duplo-cego

  • Não-inferioridade comparado ao aripiprazol oral

  • Segurança e tolerabilidade em pacientes previamente estabilizados com outros antipsicóticos

Vantagem terapêutica

Outros antipsicóticos - antagonistas plenos do receptor D2 - podem levar, como favas contadas, a uma resposta compensatória: o cérebro fabrica mais receptores D2, ou aumenta a afinidade da dopamina pelo receptor. O corpo sempre tenta voltar ao "equilíbrio" - mesmo que o equilíbrio aqui seja um basal patológico. Com isso, o fármaco pode perder a eficácia e haver recaídas.

Porém, o aripiprazol não parece esbarrar no mesmo problema. Mesmo sob administração contínua e prolongada, o aripiprazol não leva à supersensibilidade dopaminérgica, um fenômeno que pode comprometer a eficácia a longo prazo e aumentar o risco de recaídas. É uma evidência de que o perfil de agonismo parcial e seletividade funcional do fármaco se traduz em maior estabilidade também quando a exposição ao receptor é mantida por muito tempo.

Mas o aripiprazol não é a última Coca-Cola do deserto. Tem outras bolachas nesse pacote. Há novas moléculas com características ainda mais atrativas que o aripiprazol hoje: cariprasina e brexpiprazol (esse disponível no Brasil sob o nome de Rexulti). Cientistas chegaram nesses depois de várias tentativas - outras dezenas de moléculas, algumas com nomes que lembram código de rastreio dos Correios se mostraram ineficazes ou pararam no caminho.

O que é que a cariprasina e o brexpiprazol tem, então?

Cariprasina e brexpiprazol nasceram da mesma inquietação: como modular a dopamina sem cair nos extremos? A cariprasina respondeu inclinando-se ao D3, receptor que habita as regiões límbicas, prometendo benefícios em esquizofrenia, mania, depressão bipolar e até na cognição. 

O brexpiprazol preferiu outro caminho: diminuiu a atividade intrínseca no D2, e ao fazê-lo, tornou-se mais bloqueador discreto que excitador intenso — reduzindo risco de agitação, mantendo eficácia e somando antagonismo serotoninérgico amplo. Ao ocupar o receptor D2, o brexpiprazol produz menos decibéis do que o aripiprazol (45% de atividade intrínseca contra 60% do aripiprazol). No fundo, cada molécula encarna uma filosofia distinta: a da nuance (cariprasina, afinidade seletiva) e a da medida (brexpiprazol, afinidade temperada). Ambas prolongam o gesto do aripiprazol, mostrando que na psiquiatria contemporânea o equilíbrio não é uma linha reta, mas uma arte de combinações.

CONCLUSÃO: Afinal, o que é que o aripiprazol tem?

Assim como a baiana de Caymmi carrega seus balangandãs únicos, o aripiprazol carrega suas peculiaridades moleculares. Não é apenas um bloqueador de receptor - é um reprogramador de redes gênicas, um modulador de plasticidade, um compositor de sinfonias neuroquímicas. Cada receptor ocupado não é meramente um sítio bloqueado, mas uma palavra escolhida num diálogo bioquímico específico. Enquanto outros antipsicóticos gritam indiscriminadamente, o aripiprazol sussurra no idioma certo, na frequência adequada.

Como a baiana do samba, ele encena a coreografia e movimenta-se conforme a música. Isso porque o aripiprazol materializa um paradoxo farmacológico: ser simultaneamente mais e menos ativo que seus ligantes endógenos, dependendo do contexto sináptico. É um fármaco que lê cenários antes de agir - quase como se possuísse uma inteligência distribuída em cada sinapse. Em vez de ser um soldado enviado para "combater" uma doença, o aripiprazol parece ser um emissário diplomático com a missão de "negociar" com a neuroquímica alterada. Ele é mais articulado.

Estamos, assim, abandonando a psiquiatria de soluções intercambiáveis para uma medicina de vocabulários moleculares específicos. O aripiprazol encarna essa maturação: de drogas que fazem coisas para drogas que fazem coisas específicas em contextos específicos. Representa não apenas um avanço técnico, mas uma sofisticação conceitual - a transição de uma psiquiatria de força bruta para uma psiquiatria de precisão adaptativa. Cada mente pode exigir seu próprio dialeto farmacológico, e talvez essa seja a promessa mais revolucionária: descobrimos que não existe "uma" única forma de falar com o cérebro, mas um vocabulário molecular específico para cada condição, cada pessoa, cada momento.

Esse texto foi feito totalmente com base num artigo bem antigo -- de dez anos atrás (porque eu quis):

Update on the Mechanism of Action of Aripiprazole: Translational Insights into Antipsychotic Strategies Beyond Dopamine Receptor Antagonism.
de Bartolomeis A, Tomasetti C, Iasevoli F. CNS Drugs. 2015;29(9):773-799. doi:10.1007/s40263-015-0278-

MATHEUS PEREIRA

13 DE SETEMBRO DE 2025

(Esse texto ainda está em edição)