sábado, 30 de março de 2019

O uso de corticoides pode afetar o comportamento e cognição?

Medicamentos corticoides simulam os efeitos do cortisol - o hormônio do estresse. Eles te deixarão mais estressados?


Cortisol no banco dos réus
Se você já ouviu falar sobre o cortisol, é bem provável que ele tenha sido apresentado a você como o  "hormônio do estresse". É uma sentença que faz com que esse hormônio pareça um vilão. "Hormônio da serenidade", por exemplo, seria um título mais gracioso. Apesar disso, o cortisol é essencial para a vida. Vamos à sua defesa:

Ele é fundamental para que seu corpo reaja a ameaças. Por exemplo, permanecer zen feito um monge budista ao ver uma cobra numa mata não seria muito vantajoso. O cortisol, por exemplo, ajuda a mobilizar açúcar - fonte de energia - para o cérebro e para os músculos, auxiliando nas respostas de sobrevivência (luta e fuga). Ele também regula o sistema imunológico - suprimindo respostas inflamatórias exageradas que gastam muita energia [1].

Mas grande parte de nós não convive mais com tigres em selvas. Os estressores modernos são outros - problemas conjugais, com a família, sobrecarga de trabalho, pressão para cumprir prazos, material acadêmico acumulado, o trânsito, os boletos (e por aí vai...). 


A depender das demandas do ambiente e da nossa sensibilidade individual, o botão "cortisol" pode ficar ligado por tempo demais [2]. E aí, sim, teremos problemas. O estresse crônico e, por tabela, a exposição prolongada a altas concentrações de corticoides pode ser prejudicial: é associada com transtornos de humor e com a exaustão mental [3]. Em animais, causa atrofia do hipocampo, que é a parte do cérebro responsável pela formação de memórias, gerando prejuízos cognitivos [4].

Então, lição do dia: relaxe, pegue mais leve. O cérebro agradece!

Corticoides sintéticos: da farmácia para o cérebro
Mas e os corticoides sintéticos, medicamentos prescritos para doenças inflamatórias e alérgicas? Ao mimetizar o cortisol, será que eles podem criar, no sistema nervoso, um estado artificial de estresse e afetar nosso comportamento, humor e cognição?

Sim, isso é possível - mas não é comum. O humor pode virar uma montanha-russa com o uso de corticoides. Agitação, ansiedade, humor elevado (inclusive otimismo, satisfação e bem-estar) e insônia são descritos, especialmente em homens. Ao mesmo tempo, mulheres são mais suscetíveis a humor deprimido com o uso desses medicamentos. Também podem reduzir a memória e prejudicar a concentração [5, 6].

Mas, calma lá: há muitos fatores em jogo. Claro - corticoides em spray ou creme não terão os mesmos riscos de corticoides utilizados via oral, por exemplo. Os efeitos colaterais psiquiátricos dependem da dose: ocorrem em 1.3% dos casos de pacientes que recebem 40 mg de prednisona (ou equivalente) diariamente. Mas sobem expressivamente quando se usam doses de 80 mg por dia: 18.4% dos pacientes terão efeitos psíquicos [56].

O tempo de uso também influencia muito. Efeitos cognitivos são mais comuns após o uso prolongado de corticoides. Além disso, essas perturbações do humor e intelecto são geralmente resolvidas com a redução da dosagem ou a descontinuação da droga [56, 7].

Conclusão

De novo, a recomendação é: dê uma folga para suas glândulas suprarrenais. Se você foi prescrito um corticoide por um médico, não se preocupe. Relaxe.

Do ponto de vista neuropsiquiátrico, corticoides são drogas geralmente seguras nas dosagens usuais (até 40 mg), especialmente em ciclos curtos, como em crises alérgicas.

Quando prescritos de forma adequada, os seus benefícios superam os riscos em potencial. Por exemplo, os corticoides são comumente usados em doenças que causam inflamação excessiva - e sabe-se que estados hiperinflamatórios são associados com perturbações do humor e da cognição [8].

Caso você note alterações no comportamento, humor, concentração, memória ou raciocínio com o uso de algum corticoide, procure e converse com o médico que lhe prescreveu o medicamento.

Descubra mais: como melhorar o desempenho do seu cérebro

Confira aqui a segunda edição do meu livro, "Turbine Seu Cérebro". Nele, você descobrirá: 

  • Tudo sobre nootrópicos - substâncias que prometem aumentar a capacidade de concentração, melhorar a memória, humor e raciocínio. Eu coletei relatos de uso e também pesquisei o veredito da ciência sobre a eficácia e segurança de dezenas desses compostos.
  • Estratégias de estilo de vida, como a melhora da qualidade de sono, para melhorar seu desempenho mental.
  • Como os alimentos podem impactar a sua performance cognitiva e seu humor.
  • Tudo isso numa linguagem agradável e acessível e em uma obra impecavelmente ilustrada.

Clique aqui para saber mais!

domingo, 17 de março de 2019

Cognitina?: os efeitos da nicotina no desempenho intelectual

Melhora o alerta, ajuda a manter o foco, afia a memória e pode ser uma aliada na luta contra o Alzheimer. O problema: estamos falando da nicotina


[Atenção: não fume. Este artigo debate os efeitos da nicotina em sua forma isolada. Não tem intenção de prescrever ou encorajar seu uso sem prescrição]

Nicotina. Qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça ao ler essa palavra?

Não é uma pergunta retórica. Pause por cinco segundos e imagine.

Enfisema, câncer de pulmão, vício? Talvez as figuras tenebrosas no verso das cartelas de cigarro? Se você é como a maioria, nicotina é uma palavra já carregada de noções negativas. Dificilmente, você pensará nela como uma substância capaz de melhorar o intelecto.

Não é à toa que seu cérebro evoca imagens assombrosas diante dessa palavrinha. A reputação sórdida da nicotina tem raízes naquele ditado: me diga com quem andas, te direi quem és. É uma entre as mais de 5000 substâncias encontradas no cigarro. Mas frequentemente todos os estragos do fumo caem na conta dela.

Separando os dois, muitos cientistas apontam que a nicotina "pura" (administrada por goma de mascar ou adesivo) tem pouco poder de tornar alguém viciado. O que é mais intrigante: pode melhorar a memória, atenção, função motora e humor de pessoas saudáveis, em doses controladas.

"O grande problema com a nicotina é que ela é encontrada em cigarros. As pessoas não conseguem dissociar os dois conceitos: nicotina e fumar". Quem argumenta é a PhD em Bioquímica e neurocientista, Maryka Quik. Ela sabe do que fala: já escreveu dezenas de artigos sobre o  potencial da nicotina para tratar a doença de Parkinson.


Você não leu errado. Soa estranho pensar na nicotina como remédio - mas ela tem sido amplamente investigada como uma terapia para doenças neurodegenerativas [1]. E também para "turbinar" a mente de pessoas saudáveis.

"Até onde eu sei, a nicotina é a substância mais confiável com o objetivo de melhorar a cognição. Seus benefícios ao desempenho intelectual em pessoas saudáveis são mais comprovados do que de qualquer outro composto", afirma uma professora de psicologia experimental na Universidade de Sussex (Reino Unido).

Ela chega a comparar a nicotina com o famoso modafinil (Stavigile): "A evidência (provas científicas) de que o modafinil melhora as funções cognitivas nem de longe é tão forte quanto a evidência de benefícios da nicotina".

O poder da nicotina